sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Marciano Lopes e Silva (Poesias Avulsas)


O AMOR À SOMBRA DAS SIBIPIRUNAS
(um poema para as sibipirunas de Maringá)

Sibipirunas em flor
se  enlaçam
lado a lado nas calçadas.

Silêncio.
Frescor.

Pombos entre folhas.
Raios de luz.

Passo a passo
como noivos na catedral.

Amamos.

CHAMAVENTO

Pois transbordando de flores
A calma dos lagos zangou-se
A rosa-dos-ventos danou-se
O leito do rio fartou-se
E inundou de água doce
A amargura do mar
("Rosa-dos-ventos", Chico Buarque)

“Noite de vento, noite dos mortos.”
         (O Tempo e o Vento, Erico Verissimo)


Divino vento!
Não nasce nem morre.
Apenas existe.
Infinito como o tempo.
Divino vento
que faz as montanhas virarem pó
e faz o pó invadir minha alma
carregando o cheiro fétido da morte.
Divino vento que tudo arrasa e arrasta!
Divino vento que move moinhos!
Inflama a chama alastra o fogo
e revolta os mares em vagas colossais!
Divino vento
que penetra por todos os cantos
poros, narinas e frestas...
Divino vento que revolve a terra
seca e esquálida
que povoa a história com sussurros
e desenterra velhos sonhos adormecidos.
Vem!
Vem divino vento!
Vem vendaval!
Vocifera em meus olhos a ira dos deuses
na imensidão da noite!
Vem!
Enlouquece a natureza!
Que corujas lancem pios!
Cães ladrem nos terraços!
Vacas pastem em jardins!
Cavalos relinchem em hotéis!
Gatos uivem no céu!
E ratazanas invadam as ruas
numa gargalhada infernal!
Vem!
Divino vento!
Vem com toda a fúria!
Com a ira de todas as malditas gerações
amordaçadas!
Vem!
Arrebata a rosa-dos-ventos!
Divino e bendito vento!
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Nota:
Reescritura de um antigo poema intitulado "As vozes do vento", publicado no livro Concurso DCE-FURG - 15 anos de Contos e Poesias. Rio Grande/RS: FURG, 1987. p. 15-18.

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SEMINAR

O amor da gente é como um grão.
(Drão – Gilberto Gil)


Quem disse que temos todo o tempo do mundo?!
Se assim fosse, por que amar as pessoas
como se não houvesse amanhã?!

Não, o tempo não pára
e o sonho é como um grão:
tem que morrer pra seminar.

SOUVENIR

Veja o sol dessa manhã tão cinza:
a tempestade que vem tem a cor dos teus olhos castanhos.
(Tempo perdido, Renato Russo)


Quando a dor te encontrar no fundo do calabouço,
lembra que a tempestade tem a cor dos teus olhos
e o frescor das fontes que brotam límpidas
do velho poço de pedras.
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ÁGUAS VIVAS

ÁGUA-VIVA I


Nas madrugadas navego.
Oceano sem fim.

Imensa onda.
Jaz mim.

 ÁGUA-VIVA II

Fumaça blues.
Flor essência
de sândalo.

Dourados
no aquário.

ÁGUA-VIVA III

anêmonas
trêmulos
véus...

Divina Vênus
na cama...

ÁGUA-VIVA IV

Estrelas n’água.
Branca espuma
em teus lábios.

No firmamento
noctilucas pululam.

Astrolábios.

ÁGUA-VIVA V

Nas madrugadas bebo
águas vivas.

Resgato águas furtadas,
régias e marinhas.

Depois adormeço,
pálido de aurora.

ÁGUA VIVA VI

Mar remoto.

No fundo
(da concha)
naufrago.

ÁGUA-VIVA VII

as ondas
espumantes
(en) volvem

o doce nácar
das conchas

SINUCA 1: "PRETO BATE BRANCO BATE PRETO"

preto bate branco
bate preto
embola enrola esfola
assola
escarra escarra escarra
cuca luta dis-
puta
taco contra taco
sopapo
nuca noite coice
foice
bate bate bate
bola contra bola
bate
pelas ruas pelos guetos pelos panos
rola
bola contra bola
rola
............................

preto bate branco
bate preto
faca tapa coice
açoite
estala
bala contra bala
estala bala vala
desfia desafia afia
porfia
a faca o taco o troco
sufoco
cara contra cara
encara
caça contra caça
regaça
encara bate e cala
caçapa!

SINUCA 2: TACO CONTRA TACO
 
embola enrola volteia
bate
enrola esnoba floreia
bate
cuca luta bruta pura
disputa
taco troco truco traço
no braço
bola contra bola bate rebate
e gira
pelos cantos pelas beiras pelos panos
rola rola
bola contra bola bate rebate
estala
bola contra bola rela rala rinha risca
desliza
bola contra bola bate rebate reganha rebola
encaixa
taco a taco ferro fere firme forte
fácil

última bola:
cara a cara encara mira e cala
caçapa

DOM QUIXOTE DALI

Dom Quixote manchado,
cavaleiro das taças quebradas,
envolto em moinhos
de sonhos e mágoas,
avante!.. avante!...
Impávido
pelos trilhos utópicos
alucinado a rodar e a rodar e a rodar
em sonhos...
carrossel...
Atravessa os túneis,
penetra a terra,
move os céus e as montanhas,
estrela a brilhar em consternação...
Constrói o futuro
e cola os cacos da história!
Tu que és trapeiro doido da lua,
eternamente um louco salvador...
Tu que és trapeiro doido da lua,
eternamente salvador dali...
Dali, daqui, de lá, acolá...
Evoé!
Avante Quixote!
Ole!... Ole!... Ole!…

SER/VIDA

vida sobre/mesa
sobre/mesa vida
vida ser/vida

vida sobre/mesa
explícita

cadáver vivo?

natureza morta?

vida sobre/mesa
mesa sob(r)a vida
sobre/mesa vida

ser/vida
a/guarda
?

quem descubra
quem decifre
quem devore
?

faca
ques
pedaça
?

vida sobre/mesa
es/finge faminta

devora
ar/dente
mente
?

sente(?)
-
MIRANDO JANIS JOPLIN
-
É nessa cadeira, vejam, é nesta cadeira vazia
que ouço Janis Joplin
e converso com Bertold Brecht
sobre os absurdos do mundo.
É nessa cadeira, vejam, que ouvimos Neruda cantar
e converso com o mais estranho e eclíptico demente
que com os meus olhos meninos eu vi!
Ele se delicia com rainhas, balões, porcos e pedras rolantes,
grita berra e murmura baixinho
que não tem certeza de nada e que a ignorância também é sábia.
Fala de doidos amores
conta as mulheres que comeu e cuspiu
nos podres vasos da aurora
nos banheiros sujos em que deixou
o âmago quente do seu estômago
cansado da burra servidão do dia.
É nessa cadeira, vejam,
é nesta cadeira vazia que converso com Janis Joplin
sim! eu converso com Janis Joplin!
Nessa cadeira Neruda a cantar!
Bertold Brecht fala dos absurdos do mundo!
Sim! Eu ouço Janis! Janis Joplin!
nesta cadeira vazia.

Não, não assuste não! São somente máscaras
com que disfarçamos o medo
o vazio o vácuo a velocidade a voz
que vem do nada por todos os lugares
jorrando como sangue do coração
fazendo esgares nos espelhos espalhados pelo caminho!
Sim, é nesta cadeira, vejam, é nesta cadeira vazia
que miro Janis Joplin!

Canção apresentada durante o 1º Acorde Universitário - Festival de MPB.
-
MIGALHAS
-
bebia sua vida num gole gargalo
com jornal de lã na calçada-divã
vestia saída num beco soberbo
de fome subúrbia
travessa sacia sua sede de pão

meio-dia fomenta milhares de carros
com tal sede insana faminta de grana
pro gole final que deu ali mesmo
de magna angústia
tomou batida e encheu a cara de chão

encheu a esquina
de cena
agora é a vida

que
pinga
que
pena [1]


Milhões de migalhas
encobrem a mesa.

Milhões de migalhas
não fazem um pão.

Milhões de migalhas
não fazem nem mesmo
uma fatia.

Milhões de migalhas
são apenas mais sujeira
no dia a dia.
____________________
[1] O texto em itálico é um poema do amigo Sansão (Fábio Freitas), cujo título é “Pão e pinga (A fome e a embriaguez)” e foi gentilmente cedido para acompanhar meu poema "Migalhas".
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NO LIMITE

Num mundo videoestilhaçado
deve o poema também sê-lo?

Em canais latrinobabélicos
deve o poema signosilenciar?

Narcisopausterizado na massa
deve o poeta e(x)goelar-se?

Ou a saída seria dispará-lo à seco
cilada selada com muito desvelo?

DA DIFÍCIL TAREFA DE SER ATOR

Ser ator é moleza,
barra é ser professor.

Interpretar todo dia
sem ao menos ter um palco
por salvação
não é pra qualquer um

só para hipócritas
e ratinhos
de labotoratório.

Viver por tanto
então
nem se fale.

Somente louco
ou artista.
Tanto vale.

Fonte:
http://marcianolopes.blogspot.com

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