domingo, 7 de abril de 2024

Carolina Ramos (Ramalhete de Versos) – 2


AOS QUE TANTO AMAMOS

Se, um dia, a chama deste sentimento
crescer tanto que seja refletida
em nosso olhar e a luz do encantamento
na alma não possa mais ser escondida,

que nos perdoem! - Tanto é o sofrimento
que o coração transporta, morto em vida,
que, se é vida ou se é morte, este tormento,
nem nós sabemos - dor não tem medida!

Não nos acusem, não, só porque amamos!
Lembrem das lágrimas que já choramos,
juntos e ao longe, de saudade loucos!

A estrangular no peito esta amargura
de conhecer do amor toda a ternura,
e, por vocês, tentar mata-la aos poucos!
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MEDO

Antes de ti, amor, havia o medo.
Um medo sem propósito, impreciso,
da vida... do futuro e seu segredo,
da mágoa que se esconde num sorriso!

E, agora, quem sorri é a própria vida
dissipando ansiedades e receios.
O amor, a surpreender, tudo elucida,
dosa emoções, afere devaneios.

Contudo, se mais cresce esta bonança,
inevitável sinto que germina
- tal fora do destino cruel vingança -
um medo diferente, que fascina!

Treme a alma! E meu ser sofre, assustado,
ante essa angústia que desconhecia:
- o medo... o maior medo e o mais odiado,
o medo de perder-te... enfim, um dia!
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NINHO DE AMOR

O mar, cantante, a se estender lá embaixo...
O sol brincando de dourar o mundo...
À noite, a lua, a erguer o níveo facho,
prateia as folhas com palor profundo...

Contemplo, do alto, o farto e louro cacho
da palmeira que alcanço, num segundo...
basta estender a mão… verde penacho,
lembra a esperança de que enfim, me inundo!

Ah! deste quinto andar, vejo (tão linda!)
a paisagem lá fora! Mas, ainda,
me falta alguma coisa... um terno quê:

- Mais perto das estrelas, sinto, embora,
que para o ninho, onde a saudade mora,
ser céu, está faltando só… você!
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PAI

Pai! - que múltiplas faces tem a vida!
Quanta perfídia! Quanta voz sedosa,
ocultando a sutil arremetida
da serpente traiçoeira e venenosa!

Ah! Meu Pai, não me deixes desvalida!
Temo a peçonha da ralé maldosa,
que se faz doce e é quase fratricida;
- o vento, aos beijos, também mata a rosa!

É tanta a angústia deste cruel momento,
que chego a repetir em desalento,
as palavras amargas de Jesus,

Pai, oh! Meu Pai, por que me abandonaste?!
És o Amor! - Por amar me castigaste?!
- A cruz é enorme! E o Amor, maior que a cruz!
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TEU OLHAR

No teu olhar, bem ao fundo,
olhar cor de mel, profundo,
há um menino sonhador.
Tristonho e meigo menino,
buscando ver no destino,
carinho, ternura e amor.

Esse menino é que eu amo!
E quando por ele chamo
e ele me fita sereno,
tudo mais desaparece...
- o tempo de andar se esquece!
- o mundo fica pequeno!

Só nós dois... nós dois, somente,
existimos, de repente...
tudo o mais não tem valia!
A marcha do tempo cessa...
pois é quando o amor começa,
que a vida, enfim, principia!

Há tanto enlevo no instante
em que teu olhar cantante
no meu repousa de leve,
que nossos olhos se beijam
e nossas almas almejam
repetir o beijo, em breve!

Como a vida fica bela!
Corais cantam à capela,
em suavidade sem par!
Tudo é sempre vez primeira,
não há sombra derradeira
na ternura deste olhar!

Teu olhar traduz afago,
igual à brisa num lago,
que é carícia em arrepio...
É doçura... é sonho à espera.
- do outono faz primavera
e aquece quando faz frio!...

Se eu pudesse... (e o verso é prece)
ser réstia de sol... pudesse
ser um raio de luar,
eu juro que, noite e dia,
dia e noite eu guardaria
meu olhar... no teu olhar!
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Fonte> Carolina Ramos. Destino: poesias. São Paulo: EditorAção, 2011.  
Livro enviado pela poetisa.

Newton Sampaio (Inspiração)

O grupo ficou estatelado com a saída absurda de Damião. Que diabo acontecera ao rapaz? Corria a prosa tão animada, e eis que ele se levanta e zarpa, sem pedir licença.

— Ora, já se viu?

O Silvino engole violentamente o resto do cafezinho, em sinal de protesto. Mas o Damião caminha, na rua deserta, indiferente à fúria do Silvino. Nem sente direito o vento que corta a cidade de ponta a ponta.

— Eta invernão!

A caminhada não é longa. Damião sobe a escada de três em três degraus, fecha a porta à chave. Toma posição, sem mesmo despir o sobretudo.

Maciazinha, a pena do bico de pato! Uma beleza, de macia... Compraria meia dúzia delas, no dia seguinte. Imediatamente, porém, expulsa, do cérebro em faiscações, essa ideia mesquinha de compra e de meia dúzia. Urge encetar a obra. Por isso escreve devagarinho.

Tudo passa. O destino, esse fatal desvelador.

Bota uma vírgula bem caprichada, no fim da linha. E repete, em voz alta:

— “Tudo passa. O destino, esse fatal desvelador.”

Bem esse, o começo que idealizara.

— Fatal desvelador. Fatal... Bonito adjetivo. Só que parece um pouco trágico. Mas não. Quem manda no verso é o desvelador. Desvelador... Vai bem. Vai bem.

Precisa de um complemento para destino. O destino tem que fazer qualquer coisa. Escreve:

“Que prevalece na paixão e predomina no amor.”

— Muito comprida, essa linha.

Resmunga e olha o teto, vagamente.

— Pre-va-le-ce... Pre-do-mi-na.. Vá lá.

(Pausa).

— Amor... Paixão... Estas palavras significam o mesmo? Será o tal pleonasmo?

Corre ao dicionário.

“Pleonasmo, s.m. (gr. Pleonasmos)”

— Vem do grego, hein?

Sentencia o Dicionário Prático Ilustrado (edição revista, com 6000 gravuras, 110 quadros, 90 mapas e um suplemento extremamente útil sobre “tradução e aplicação das principais locuções latinas e estrangeiras” — ab imo pectore, abyssus invocat, alea jacta est, a quelque chose malheur est bon, etc., etc.): “Repetição de ideias ou de palavras que têm o mesmo sentido; viciosa, quando inconsciente ou devida à ignorância; legítima, quando propositada, para dar maior força à frase”.

— Legítima, quando propositada. É esse o meu caso. Exatamente. Eu repeti, para dar maior força à ideia. À ideia... Que ideia? O que eu queria era falar da Ofélia. Comecei com tudo passa para lembrar que tudo já passou.

Cresce, dentro de si, a imagem de Ofélia. Até parece um sonho.

— Ah! Um sonho... Direi que sonhei com ela. Isso mesmo.

A pena bico de pato trabalha febrilmente. Risca tudo, tudo, tudo. 

É o seguinte, o novo texto:

“Eu te sonhei assim, Ofélia querida.”

— Assim, de que jeito?

Cata uma ideia. Uma, duas, três vezes. Nada! Quase desiste. Então se lembra de que o casaco pesadão poderia ser o culpado do enguiço. Saca-o fora, incontinenti. Tem movimentos mais livres. E é com verdadeiro júbilo que encontra:

“Dama então pra mim desconhecida.”

— Querida, desconhecida. Boa rima. Será que o primeiro verso pode rimar com o segundo? Acho que pode.

Corre dificílimo, o parto. Em todo o caso, sempre dá para terminar assim, a primeira quadra:

“Em cujo olhar todo cheio de candura.
Não lia a causa da minha desventura.”

— Candura... Desventura... Está rimado. A candura é dela. A desventura é minha.

Trabalha mais duas horas. De repente, exclama:

— Pronto!

Não parece mau, o verso final:

“Foi assim que te sonhei, Ofélia querida. Foi assim... Foi assim...”

Só então nota o cansaço. Os rins estão doendo.

Relê a obra, em voz alta, passeando no quarto, em diagonal. Depois, escreve o título, a lápis vermelho, em admirável cursivo:

“Eu te sonhei assim...”

Nessa noite, Damião dormiu como um bem-aventurado.

Fonte> Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014.

Recordando Velhas Canções (Que as crianças cantem livres)


Taiguara

O tempo passa e atravessa as avenidas
E o fruto cresce, pesa e enverga o velho pé
E o vento forte quebra as telhas e vidraças
E o livro sábio deixa em branco o que não é

Pode não ser essa mulher o que te falta
Pode não ser esse calor o que faz mal
Pode não ser essa gravata o que sufoca
Ou essa falta de dinheiro que é fatal

Vê como um fogo brando funde um ferro duro
Vê como o asfalto é teu jardim se você crê
Que há sol nascente avermelhando o céu escuro
Chamando os homens pro seu tempo de viver

E que as crianças cantem livres sobre os muros
E ensinem sonho ao que não pode amar sem dor
E que o passado abra os presentes pro futuro
Que não dormiu e preparou o amanhecer…
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A Esperança em Meio à Repressão: 'Que As Crianças Cantem Livres' de Taiguara

Do artista brasileiro Taiguara (1945 – 1996), é uma obra que transmite uma mensagem de esperança e resistência em um contexto de opressão. A letra da canção, repleta de metáforas, reflete sobre a passagem do tempo e as adversidades enfrentadas na vida, sugerindo que as dificuldades podem não ser exatamente aquilo que parecem à primeira vista.

O verso 'E que as crianças cantem livres sobre os muros' é particularmente poderoso, evocando a imagem de inocência e liberdade que contrasta com a repressão e o controle. Taiguara, conhecido por suas músicas de protesto durante o período da ditadura militar no Brasil, utiliza a figura das crianças cantando livres como um símbolo de um futuro onde a expressão não é mais cerceada e os sonhos podem ser perseguidos sem dor.

A canção também fala sobre a importância de aprender com o passado e usar essas lições para construir um futuro melhor. O 'livro sábio' que deixa em branco o que não é verdadeiro sugere a necessidade de discernimento e a busca pela verdade. A música de Taiguara é um convite para olhar além das aparências e encontrar a força para mudar a realidade, mesmo que isso exija resistência e luta.

Estante de Livros (“Gabriela, cravo e canela”, de Jorge Amado)


artigo escrito por Jaqueline Machado (RS)

Jorge Amado, Amado Jorge, gratidão por nos presentear com Gabriela, Cravo e Canela, moça bonita dos temperos picantes...

Preconceito com esta e outras obras extraídas do seu imaginário até existe, mas sei que assim como eu, você deve rir disso.

Êta mundinho cheio de preconceitos. Haja paciência!

Mas voltando ao que interessa, analisando Gabriela, Jorge Amado fez uma dissertação.

“Eu acredito que ela tem um tipo de magia que provoca revoluções e promove grandes descobertas. 

Não há nada que eu goste mais do que observar Gabriela no meio de um grupo de pessoas. Você sabe o que ela me lembra? Uma rosa perfumada num buquê de flores artificiais."

Gabriela, que passou de retirante a cozinheira de seu Nacib, veio ao mundo com cheiro de cravo. E este seu perfume logo se misturou à sua cor de canela. Enfeitiçando o mundo inteiro. 

A menina cresceu em meio à pobreza, mas não se deixou dominar pelas amarguras de uma sina difícil: aproveitava o pouco que tinha com um sorriso no rosto.

Tinha um espírito livre e logo tornou-se dona de si. Seu Nacib, o árabe mais famoso da literatura baiana, e dono do bar Vesúvio, jamais conheceu outra mulher igual, sempre pronta para os afazeres da casa, e que sabia cozinhar como ninguém.

Pouco se zangava, vivia a sorrir. Feito menina, brincava com as crianças e com ele, ao entardecer fazia amor. 

E o seu amor era um amor diferente dos demais, um amor doce e ao mesmo tempo quente, cheio de sutis ais... 

Mas devido a algumas normas sociais, pra casar com seu Nacib, Gabriela não podia ser Gabriela: precisaria se transformar numa nova pessoa. Usar sapatos apertados, vestidos caros e acompanhar o marido em algumas conferências. Logo ela que gostava de circo. E tinha que se comportar bem. Muito bem, porque os coronéis, homens que podiam tudo, e assíduos frequentadores de cabarés, eram os que mandavam nos costumes da cidade. E em caso de suposta ou real infidelidade, como aconteceu com o coronel Jesuíno, a mulher era morta. Pois macho que é macho de verdade lavava a honra com sangue.   

O árabe não conseguiu domesticar sua amada. Por isso, eles se uniram, separaram-se e depois uniram-se novamente, porque numa sociedade de rosas artificiais, Gabriela era original. Simples e sensual. E sem ela, sem sua cor, seu amor e temperos, seu Nacib, o “Moço Bonito”, como por sua musa era chamado, não podia mais viver.

Fonte> Texto enviado pela autora 

sábado, 6 de abril de 2024

Vanice Zimerman (Tela de versos) 32

 

Geraldo Pereira (Adeus à Torradeira)

Mudou a paisagem noturna do meu entorno. Depois que o governo fez as recomendações para a economia de energia, apagaram-se as luzes que sempre brilharam nos apartamentos da vizinhança. Ninguém dorme mais com a lâmpada do banheiro acesa e não há claridade nos salões de festas, sequer a sonoridade costumeira das sextas ou dos sábados, quando Nelson entoava a toada da normalista e Gonzaga repetia a sina da Asa Branca. Calaram-se os poetas do verso popular. A mocinha que ia até tarde em seu computador, por certo que trocando juras de amor num chat qualquer, tirou da tomada o equipamento e sentou-se na praça em frente – um refúgio como me ensinaram –, pra fiar conversa, cara a cara, com o pretendente de ocasião. A outra, de quem só divisava a silhueta, dispensou o namorado que lhe abraçava às claras no quarto de dormir. Nem só de pão vive o homem, refletiu!

E agora? É ver para crer! Anda-se dentro de casa tateando as paredes, batendo aqui e peitando ali, contanto que se possa alcançar os 20% dos interesses estatais. O vidro espesso da mesa da sala fere a perna do primeiro incauto que tropeçar. Se o jarro de porcelana fina tombar de seu suporte – Valha-me Deus! – a bronca vai ser grande! Na cozinha estão interditados o forno de microondas e a lavadora de louças. Não adianta querer se livrar dos pratos sujos de domingo e das xícaras de café ainda com açúcar. Melhor segurar a bucha e pingar o detergente colorido, esfregando até à limpeza completa. Na área de serviços há uma máquina de lavar roupa recentemente comprada, de moderno desenho, diferente da anterior, por isso não se presta ao uso como mesinha para ler jornais. De uma vez todas as calças, camisas, vestidos e blusas serão submetidos à água corrente e ao sabão em pó!

Ar condicionado virou luxo, ligar, de forma alguma! O tempo não volta, mas quando menino dormia de pijama, cujo paletó tinha as mangas compridas e não havia no comércio sequer ventilador, senão umas peças enormes, pesadas, para uso comercial. Acordava, todos os dias, molhado em suor, sem dispensar, todavia, os sonhos e os devaneios, vez ou outra um pesadelo rolando pela escada de casa, de dezessete degraus contados e recontados na infância. O chuveiro elétrico virou enfeite, o banho frio, gelado tantas vezes, volta ao cotidiano de toda gente ou a chaleira fervente será resgatada de um exílio de muitas décadas. Era assim no passado, com os temores maternos intervindo no higiênico exercício dos filhos, sob a constante ameaça de gripe. A ama cuidava de enxugar a meninada e às vezes excedia-se em cuidados com certas e detalhadas partes do corpo. 

A torradeira de pão, que faz reviver o sanduíche da Confiança, com o queijo se derretendo na massa de trigo espremida, está suspensa, relegada ao segundo plano dentre os equipamentos de cozer e assar. Uma vez na semana o ferro será ligado e quente, bem quente, há de engomar as roupas todas. Difícil conseguir do pretérito o velho equipamento de cor preta, que esquentava à força das brasas postas no interior, tiradas do fogareiro a carvão com o pegador a isso destinado. A lavadeira, como se dizia ou a engomadeira, como também se falava, passava peça por peça, cuidadosamente, borrifando água com a mão, mesmo. O terno de linho branco de meu pai precisava da goma para ficar mais encorpado e, sobretudo brilhar à luz do sol. Os vestidos de minha mãe, de igual forma, pois que seriam usados em recepções a que comparecia ou nas festas de Isnar de Moura, jornalista do batente.

Sou nascido no blecaute da guerra, fui amamentado na escuridão e nos primeiros anos de vida quase não via luz elétrica acesa, por essa e por outras, não me incomodarão os dias do porvir, condenados à negritude da noite. A lua há de alumiar dos céus os caminhos e as estradas, enfeitiçar os casais enamorados e inspirar os poetas que sofrem com a perda dos amores vividos. O sol há de raiar todas as manhãs, embalando o sono das madrugadas, despertando os homens de boa vontade para o trabalho e as crianças que de má vontade vão às escolas e têm raiva de quem inventou o estudo. Os postes de Casa Amarela, que não se apagam com a claridade, servirão de mote à oposição municipal. E outra vez o acendedor de lampiões que meu pai conheceu – Boca de Uruá – na cidade em que nasceu, passará com o seu bordão apagando a luz!

∗ Texto escrito durante um tempo de racionamento elétrico no Recife, por conta da falta de chuvas nas cabeceiras do rio São Francisco, de cujas cachoeiras a energia provém.

Fonte: Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público

Antero Jerónimo (Poemas avulsos) 2



Na árvore sagrada
mágica mística
berço da Criação
lugar singular
o combatente abrigou a sua fé

Ali, em partidas e chegadas
milhares depositaram as suas preces
invocando o seu deus
orando pelos seus
e pelos irmãos da guerra
que regaram de sangue a vermelha terra

Quão grande 
pode ser a fé do Homem.
Crê-se que a árvore
é uma ponte para o céu.
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FIGURA SEM ESTILO 

Ia eu pela rua, figura de estilo na lua
Sem siso, piso o piso molhado, mas que aliteração 
Escorrego numa inadvertida metáfora 
Por pouco não me estatelava no chão.
Podem pensar que é uma hipérbole 
Mas acreditem que não é exagero não 
É que até os pombos se riram
Na sua mais astuta personificação.
O meu joelho é que gemeu coitado
Desesperado com tanta falta de jeito
Pobre de mim, figura sem estilo.
Num mundo sem tino, valha o eufemismo
Um mundo que tropeça à beira do abismo.
Muito eu poderia discorrer sobre o assunto 
Mas já chega desta conversa fiada
As palavras são como as cerejas, valha-nos a comparação
Ainda bem que tive o bom senso, de não usar paralelismos nesta descrição.
Sacudo das vestes toda a ironia
E siga, pronto para mais um dia!
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Há tanto amor
Na beleza de uma fotografia 
Nos momentos registados em partilha e sintonia 
Como poemas protegidos numa gaveta de afetos

Há tanto amor 
Em momento que suspira pela companhia
Pela palavra que serena, que só acrescenta
Que afasta julgamentos nas noites em que o sono não vence

Há tanto amor 
No repetir da palavra bendita 
No gesto simples que se torna intimidade 
Verdade de amar em descompassado palpitar.

Há tanto amor 
No sentimento que não deve julgar
Na grandeza de um todo insuficiente 
Num libertar que vai além da compreensão.
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PAZ 

Vem de dentro para fora
caminho seguro de pés descalços
imune aos cardos crescendo descontrolados
Sábio silêncio do homem que não cala a voz
isolado de guerras inúteis 
ecos de palavras ocas 
Nobre missão em cruzada atemporal
na luta sem decreto nem cartel
contra o inimigo invisível e cruel
Tecida pelos mais alvos fios solidários
jardim cultivo de amor e justiça, onde
nardos de esperança florescem no mais pleno viço
Só na presença da tua asa suprema
se tranquiliza da desordem o meu coração.
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RECOMEÇO

Trazes pombas na brancura das tuas mãos
Feridas por cicatrizar no peito dilacerado
O mar dos teus olhos fala de promessas e sonhos adiados
Candura do rosto emoldurando a beleza 
dessa fragilidade acesa e delicada.

Ofereço-te a frescura desta terna flor 
para que possas guardar em mim todos os segredos
Encontrar um abraço no sorriso dos meus olhos
E a coragem renovada de um novo recomeço.

Em cada manhã
Por cada suspiro de primavera
Me desassossegues com o ouro da tua luz
Sussurres brisas acordando a nossa paixão
Rasgando as densas sombras
E eu renascerei ao extinguir-me em ti.
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Saber da água a sede 
Saber do pensamento a fonte
Saber do amor a dor
Saber da beleza a forma
Saber do sentir a razão 
Saber de ti a emoção 
Saber do abraço o alento
Saber da vida o propósito.
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Tenho tantas perguntas 
O tempo dá-me as respostas possíveis 
Não necessariamente aquelas
Que mais gostaria de escutar 
Sinto-te e quero-te...
Um querer tão forte que provoca um aperto
Nesta ambivalência onde me sou inteiro
E onde também estás em completude.
Confio no universo 
Num caminho de sinais
Acreditando que nem tudo tem resposta plausível 
Sei que algo virá 
Que em momento certo acontecerá 
Desejos abraçados, corpos unificados
Um sentimento único, não mensurável.
Quero-te tanto
Nesta consciência que dói
Nesta realidade de saber que preciso 
Libertar as asas da tua felicidade.

Fonte: Na pele do sentir. Facebook do poeta

Vasco de Castro Lima (Como fazer um soneto) = parte 3

20 - Eximir-se de enxertar no verso consonâncias ou palavras inúteis, com o fim exclusivo de ajudar a métrica. É a chamada cunha ou cavilha:

“Teu coração – um rubi –
teu coração de menina...” (Osório Duque Estrada)

“Por ti, meu pobre irmão – extinta palma –
chora minha arte pelos olhos da alma”. ( Luís Carlos)

Que seja o nosso amor – sidério mito! –
o límpido turíbulo das dores”. ( Cruz e Sousa )

21 - Os versos “agudos” não têm a suavidade dos versos graves. É quase sempre monótona, e até insuportável, uma composição poética, notadamente um soneto, que só tenha versos agudos. Quanto aos versos “esdrúxulos”, devem ser empregados com moderação. Mas, os agudos e os esdrúxulos têm meios de conseguir efeitos propícios quando combinados com os versos graves.

22 - Não consentir que sejam agudos os versos ímpares dos quartetos, principalmente quando são graves ou esdrúxulos os versos pares.

23 – Nos decassílabos, preferir as estrofes “heterorrítmicas”, ou seja, intercalar, habilmente, versos com a 6ª sílaba tônica (decassílabo “heróico” ) e versos com a 4ª e 8ª sílabas tônicas (decassílabo “sáfico” ). Essa maneira de agir impede a monotonia.

24 – O verso alexandrino, entretanto, por ser o dodecassílabo clássico, o verdadeiro, o legítimo, não deve abdicar de sua origem, composto de dois versos de seis sílabas (hemistíquios).

25 - O poeta, ao expressar os seus sentimentos, não pode esquecer-se de que, no uso adequado das letras consoantes e vogais, principalmente destas, reside um dos segredos de seu êxito de artista do verso. Deve jogar com 3 ou 4, e até com 5 vogais, em cada verso. Não repetir, se possível, no mesmo verso, as vogais das pausas métricas. Os melhores versos são aqueles em que existe maiores variedades de vogais, como:

“Rugindo estoura o mar em brumas serras”.
“Nize formosa como as garças pura” .

26 - É imprescindível que as expressões estejam coerentes com as ideias, de modo que umas e outras tenham correlações exatas, caminhando par a par, até atingirem o alvo pretendido, que é, inclusive, o sonhado “fecho de ouro”. “Cada palavra é uma ilha, de forma que o poema todo seria um arquipélago mantido coeso pelo fecho de ouro pretendido, como se este fosse a água que circula por entre as ilhas, ligando-as em vez de separá-las”. (Massaud Moisés)

27 – Sobre “forma” e “imaginação”, diz Júlio Dantas:
“Em geral, os poetas ingênuos, confiando nos acasos da inspiração e da rima, começam a escrever os seus versos antes de os ter pensado. Nas composições soltas não tem isso maior importância; no soneto, porém, é preciso aproveitar bem os 14 versos de que se dispõe, dizendo “tudo” o que se tem de dizer, mas “só” o que é indispensável dizer-se. Portanto, tem que se pensar bem no soneto antes de principiar a escrevê-lo. São impossíveis as divagações e a multiplicidade de motivos dentro do soneto clássico. Temos que limitar-nos a uma só idéia, a um só motivo”.

28 – Diz ainda Júlio Dantas:
“ A maior dificuldade dos sonetos está nas rimas iguais dos quartetos. É preciso que essas rimas sejam muito bem combinadas, muito bem escolhidas para que não se sinta o esforço do poeta e os versos corram límpidos, naturais, fluentes, sem transposição, sem divagação, cingindo sempre de perto a linha vertebral do assunto. É, em geral, no 2º quarteto que os poetas inexperientes fraquejam por que não se lembram, ao rimar o 1º, que têm de procurar rimas iguais para o 2º. Então, resolvem-nas como podem, tateando, perdendo terreno lançando mão das rimas forçadas, afastando-se da idéia diretriz. O 2º quarteto é a pedra de toque dos sonetistas. convém pensar sempre nele , ao escrever o primeiro”.

29 - Lembrando sempre que nas terminações proparoxítonas e paroxítonas, as sílabas após a sílaba tônica são “mortas”: esdrú(xulo) – cá(lido) - memorá(vel) – ama(da) – passa(do) – Que a métrica estabelece dez sílabas em cada verso ( menos as sílabas “mortas”) e a tonicidade deve recair na 6ª e na 10ª sílaba final (sem contar as sílabas “mortas”).

EXEMPLO PRÁTICO

O AMOR NÃO É AMADO

Es/se/ nos/so a/mor/ des/mi/o/la(do) (9 síl.-últ. morta)
que as/su/me o/ con/tro/le/ do/ vi/ver (10 síl.)
é o a/mor/ mas/ não/ é/ a/ma(do) (8 síl. últ. morta)
é/ ú/ni/co/, mais/ meu/ que/ de/ vo/cê (10 síl- tonic. na 6ª e 10ª síl – rima em er)

Cres/ceu/ em/ mim/ so/zi/nho/ , de/sas/tra(do) (10 síl – tonic. 6ª e 10ª - últ. morta – ok)
crei/o/ que/ tam/bém/ em/ ti/ há/ de/ cres/cer (11 síl.)
pa/ra/ tor/nar-/se/ mes/mo/ en/con/tra(do) (10 síl – ton. 6ª e 10ª síl – últ. morta –ok)
den/tro/ do/ pei/to/ meu/, do/ teu/ que/rer (10 síl- tonic. 6ª e 10ª - ok)

Ca/so/ não cres/ça/, fi/co/ de/so/la(do) (10 síl-tonic. 6ª e 10ª - últ.morta – ok)
per/co o/ con/tro/le e/, de/so/ri/en/ta(do), – (10 síl-últ.morta- ton. 6ª e 10ª -ok)
lu/to/ por/ e/le só/ pra/ so/bre/vi/ver (11 sílabas)

Se e/le fo/ge/, não/ sen/do/ mais/ a/cha(do),(10 síl. ton. 6ª e 10ª- últ. morta-ok)
o/ meu/ so/zi/nho/ fi/ca ar/ra/za(do) – (9 sílabas – últ. morta)
não/ sen/do a/ma/do é/ a/mor/ sem/ ser (9 sílabas)

PODERIA SER DESTA FORMA

Nosso amor sem juízo, esmiola(do),
que assoberba o controle do viver,
é  amor sem amor, sem ser ama(do),
é único, só meu, a me envolver.

Cresceu em mim sozinho, desastra(do),
e um dia, creio, em ti há de crescer
para tornar-se o mesmo que é encontra(do)
dentro do peito meu, do teu querer.

caso não cresça, fico desola(do),
perco o controle e, desorienta(do),
por ele luto , pra sobreviver.

Se ele foge, não sendo mais acha(do),
o meu, sozinho, fica amofina(do),
não sendo amado, é como amor sem ser.

Fonte: Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

Recordando Velhas Canções (O cio da terra)


Chico Buarque e Milton Nascimento

Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão

Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel

Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão
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A Celebração da Agricultura e Fertilidade em 'O Cio da Terra'
A música 'O Cio da Terra', composta por Chico Buarque, é uma obra que exalta a agricultura e a relação simbiótica entre o homem e a terra. A letra utiliza uma linguagem poética para descrever o processo de cultivo e colheita, metaforicamente associando-o ao ato de amor e à fertilidade.

No primeiro verso, 'Debulhar o trigo', o ato de separar os grãos da espiga é apresentado como o início de um processo que culmina no 'milagre do pão', uma referência à transformação do trigo em alimento essencial. A repetição do verbo 'recolher' enfatiza a importância da coleta e do aproveitamento integral dos frutos da terra. A menção ao 'fartar de pão' simboliza a satisfação e a abundância resultantes do trabalho árduo.

A segunda estrofe segue a mesma estrutura, mas foca na cana-de-açúcar, cuja 'garapa' é transformada em mel, outra metáfora para a doçura e recompensas do trabalho com a terra. O último verso, 'E fecundar o chão', remete ao 'Cio da Terra', que é o momento propício para o plantio, quando a terra está mais receptiva e fértil, pronta para ser 'afagada' e 'conhecida' em seus desejos. A música, portanto, celebra o ciclo agrícola e a conexão entre o homem e a natureza, reconhecendo a terra como uma entidade viva e generosa.

Prêmio Açorianos de Literatura (Vencedoras)

Edição: Vitor Diel

Premiação foi marcada pela autoria de mulheres na maior parte das categorias

Ocorreu na noite de terça-feira, 2 de abril, a partir das 20h10, no Teatro Renascença, em Porto Alegre, a cerimônia de premiação do Açorianos de Literatura de publicações lançadas no último ano. Foram anunciados os vencedores de nove categorias, além dos prêmios especiais e Livro do Ano.

Os destaques especiais foram concedidos a Rafael Guimaraens, pelo conjunto da obra, além de Maria Eunice Moreira, José Hildebrando Dacanal, Luciano Alabarse, Arthur de Faria, Grupo Zaffari e Luiz Coronel, todos por suas contribuições à literatura.

Confira abaixo os vencedores de cada categoria e Livro do Ano.

Categoria Infantil
Diário das coisas impossíveis
Paula Schiavon
Livraria da Matriz

Categoria Infantojuvenil
A curiosa loja dos objetos incompletos
Cláudia Sepé
Editora Boaventura

Categoria Dramaturgia
Liberdade
Coletivo As dramaturgas
Concha

Categoria Crônica
Wolfsegg, Rio Grande do Sul
Luiz Maurício Azevedo
Figura de Linguagem

Categoria Conto
A língua da medusa
Gabriela Leal
Editora Zouk

Categoria Poesia
As montanhas seguem lá
Giulia Barão
Editora Urutau

Categoria Ensaio de Literatura e Humanidades
Um itinerário íntimo pela psicanálise lacaniana
Luciano Mattuella
Editora Zouk

Categoria Especial
Jurema Finamour: a jornalista silenciada
Christa Berger
Editora Libretos

Categoria Narrativa Longa
A mulher que atravessa a ponte
Ana Cardoso
Editora Zouk

Livro do Ano
Liberdade
Coletivo As dramaturgas
Concha

Fonte> Literatura RS, 3 de abril de 2024.
https://literaturars.com.br/2024/04/03/confira-as-vencedoras-do-premio-acorianos-de-literatura/

sexta-feira, 5 de abril de 2024

José Feldman (Analecto de Trivões) 25

 

George Abrão (Virado de feijão com café)

Nunca gostei de postar fotos ou de relatar aqui o que como ou bebo (também nada tenho contra quem o faz). Mas hoje não resisti, acabei de comer um virado de feijão, bem soltinho, acompanhado de café (sem leite) bem forte e doce. Quem nunca provou, não sabe o que está perdendo, é como diz o goiano: “É bom demais da conta! ”, ainda mais com esse tempo chuvoso aqui de Maringá. 

Falando em chuva, não entendo o porquê, mas parece que a chuva abre (mais) o nosso apetite e nos faz lembrar de coisas boas para comer, como bolinho de chuva (óbvio), bolo de fubá (gosto mais do farelo que fica no prato do bolo do que do próprio), pamonha doce, arroz-doce com canela e outras tantas guloseimas que povoaram a nossa infância.

Ah, infância! Quando eu era pequeno, lá na doce e bela Jaguariaíva, nós morávamos em uma casa onde na cozinha (é claro) havia um grande fogão de lenha, daqueles que têm uma plataforma na enorme boca para se colocar toros maiores de lenha. Pois bem, no inverno fazia muito frio pela manhã e, antes de irmos para a escola (a minha era o belo e saudoso Grupo Escolar “Izabel Branco”), minha mãe, dona Sara, fazia uma grande panela de virado de feijão para comermos em prato de ágata, acompanhado de café. Eu me sentava bem junto ao fogo, colocava os meus pés na beirada da plataforma para a lenha e mandava ver o delicioso virado (comido com colher), bebia uma “canecona” de café, e estava pronto para o que desse e viesse, estava pronto para a vida.

Isto posto, quem nunca comeu virado de feijão bem soltinho acompanhado de café (preto) bem forte e doce, ainda dá tempo, é só ir à cozinha e preparar.

Fonte> George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017. Enviado pelo autor.

Contos e Lendas do Paraná – 21 (Municípios de Clevelândia – Quitandinha)

Município de Clevelândia
A ESCRAVA

Há muitos anos atrás, em uma fazenda de nosso município, um fato curioso aconteceu. Certa amanhã de inverno, dona Maria esquentava-se na boca de seu fogão à lenha, quando sua escrava começou a falar, que quando morresse, não gostaria de ser enterrada no cemitério municipal e sim no cemitério da fazenda. Ali era o lugar que ela gostava. Dizia ela: “aqui eu nasci, aqui vivi e aqui quero ficar; naquela colina de onde poderei ficar enxergando os meus senhores, os quais foram tão bons para mim”. 

Sua patroa ria muito e não ligava para o que ela falava.

Como, naquela época, morriam muitas crianças ainda bebês, do chamado mal dos sete dias, a fazendeira fez um cemitério para as crianças, bem embaixo de um lindo pinheiro. Foi todo cercado com uma linda cerca branca. Muito tempo se passou e a escrava faleceu. Foi velada na fazenda, depois colocada em uma carroça para ser enterrada no cemitério municipal.

Porém, para sair da fazenda era preciso passar bem ao lado do cemitério das crianças e veja só o que aconteceu: quando chegaram bem perto do cemitério da fazenda, a carroça parou e os bois não iam nem para frente nem para trás. Puxavam, batiam nos bois, gritavam e nada adiantava. No mesmo instante, dona Maria lembrou do pedido que a escrava havia feito e determinou que voltassem, pois ela seria enterrada no cemitério das crianças, assim fazendo a vontade da escrava.

Os bois, então, começaram a andar sem que ninguém precisasse comandá-los. Andaram e chegaram até o portão do cemitério ali parando. Enterraram a escrava ali, realizaram seu último pedido, seu desejo de permanecer para sempre perto de seus senhores. Como dizia a escrava: “aqui nasci, aqui vivi e aqui quero ficar”.
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Município de Quitandinha
O CEMITERINHO

Existe na localidade de Reis um cemiterinho semi-abandonado, cuja história registramos. Havia na localidade de Reis um homem de mau caráter de nome Antônio Chato, o qual vivia com uma mãe solteira, com um filhinho de nome Virgílio. Antônio maltratava a amásia, como também o inocente filhinho. A criança apanhava todos os dias. Muitas vezes a mãe da criança fugia de casa pelos maus tratos recebidos. Antônio então batia na criança para que a mãe, atraída pelo choro, viesse em socorro do filho, quando apanhava também. 

Antônio Chato amarrava a criança numa árvore, deixando ali um pote de barro com feijão e farinha para sua alimentação, enquanto o casal passava o dia fora. 

Algo de estranho começou a acontecer quando o menino ficava amarrado em dia de chuva, não se molhava. Uma força divina o protegia. 

Certa vez Antônio Chato fez um colete cravado de espinhos por dentro e também uma touca com espinhos e vestiu o menino, enquanto o deixavam a sós. Desta vez o menino morreu pelos maus tratos recebidos.

Os pais sepultaram o menino no mato e deram como desaparecido. Passado algum tempo, o caso foi denunciado à polícia da Lapa, a qual obrigou Antônio Chato a dar conta do menino. Levados ao local e desenterrada a criança, nova surpresa: seu corpinho estava intacto, tal qual havia sido enterrado.

Uma piedosa senhora de nome Francisca Xavier de Oliveira, tendo obtido uma graça por pedido que fez ao menino, mandou cercar o local da sepultura e confeccionar a imagem de um anjo com o nome de Anjinho Virgílio, e a colocou em cima da sepultura.

Anjinho passou a ser objeto de devoção para o povo do lugar.

João Mendes (curador) mandou construir o cemitério que passou a servir para enterro de outras crianças mortas nas redondezas e uma capelinha para o Anjinho Virgílio. Hoje a capelinha foi demolida e a imagem do anjinho transladada para a residência de Jeremias Mendes, o qual mandou reformar e pintar a imagem, juntamente com a coroa de espinhos.

Fonte> Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.