terça-feira, 8 de julho de 2008

Jurandir Araguaia (Como Começar um Texto...)

"Uma história se conta, não se explica." (Jorge Amado)

Um dos principais desafios do escritor é vencer a barreira da folha em branco o que, em verdade, não é tão grande assim, visto papel (ou tela do computador – veja a modernidade mudando os rumos da literatura) aceitar qualquer bobagem que a gente nele imprima. Se não souber como começar escreva simplesmente:

- Oi! – assim como se olha no espelho ao acordar, com olheiras, cabelo despenteado e aquele bafo de sapo morto que se o nosso reflexo sentisse sairia correndo em pavor assombrado. Felizmente o cheiro ainda não pode ser fotografado e nem filmado, o que livra a televisão de mais uma possibilidade horrorosa. Imaginem um filme de guerra com o cheiro de pólvora, ou dos cadáveres mortos, invadindo a sala, embora tenha lido em algum lugar que os japoneses estão procurando criar alguma coisa no sentido – queira o Criador que fracassem.

- É pura falta do que fazer, papai – diria minha filha mais velha dotada naturalmente de um incomensurável censo prático que me escapa; o que leva à dedução angulosa de que herdara da mãe a qual vive me despertando para a realidade das coisas – sou bem-aventurado e Deus me enviou criaturas lindas que me resgatam das nuvens lançando âncoras na vida terrena ou a muito eu já teria sido encontrado desfigurado, faminto e sujo sob as teclas quentes do meu computador.

Mas não foi a isso que viemos. Falávamos da dificuldade em começar um texto que pode ser poema, conto ou crônica.

Pularei a parte do poema visto não ser poeta embora me chamem de tal provavelmente por textos que terminem de modo nostálgico ou pela maneira proseada de escrever cantando o que configura hábito típico da região da qual venho e pertenço: os sertões de Goiás.

Surpreso fiquei ao ser abordado em terras paulistas sendo que me interpolavam: logo se nota que o senhor é de Minas pelo falar arrastado.

- Não, sou goiano.

- Ah! – como se o ¨ah!¨ fosse de surpresa ou de admiração, reportando ao interlocutor que, além das saudáveis serras mineiras exista ainda um naco de civilização que se estende por cerrados goianos e pantanais do Mato-Grosso – ainda menos lembrado. A importância maior dos mineiros vem da proximidade geográfica e do sem número de talentos literários gerados nas entranhas de pequenas, belas e inesquecíveis cidadelas. Não me aborreço, afinal, todo goiano é um mineiro que migrou da Bahia e andou um pouquinho mais.

Vou assim descrevendo como se deve iniciar uma história sem inspiração, sem roteiro e sem noção do que se vai escrever. Digo que basta escrever como se conversa com um compadre amigo sob a sombra de um jacarandá, sentados em confortáveis cadeiras de palha, esperando uma das patroas servir o cafezinho quente, mas isso é demais para os amigos que não são do interior, que vivem nas cidades grandes castigadas por um montão de problemas e sem tempo de ver a vida passar devagar como as nuvens brancas do céu azul.

Como o amigo agora aprendeu a começar, vou ensinar a fechar o texto, só que fica para outra vez, mas vai uma dica: se você chegou até aqui é por que o texto foi bem andado. Fica com Deus e parte na paz!

Fonte:
http://www.jurandiraraguaia.com

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