terça-feira, 8 de julho de 2008

Jurandir Araguaia (Conversa ao Vento)

Sou poeira, pensamento, medo e fuga.

Por entre homens vadios, tristes e ocos transpasso. Contorno e venço todos os obstáculos. A forma humana é um despiste. Nada me vence ou encerra. Vou e volto quando quero. Resfolego corpos de mulheres quentes. Abuso. Quando canso, retorno às alturas, percorro rios, circulo costas marítimas e me aqueço nos desertos.

Tomo corpo e forma no Egito. Escalo, como homem, as pirâmides. Do topo me lanço e levanto, em um único volteio, colunas de areia. Danço entre as caravanas. Percorro a Europa e a Ásia, vou de um pólo a outro e ergo ondas.

Da forma humana gosto dos cheiros e suores. Diziam que era eu um Deus, em tempos outros. Sacrifícios, virgens, animais e cânticos. O homem sempre quis me dominar. Sou suscetível e livre.

Não sou apenas um. Somos muitos, obedecendo a uma vontade superior. Vamos do quente ao frio e deste de volta ao calor. Giramos as partículas do ar que a vista não enxerga.

Enquanto me entrevista, cética e calada, sinto que quer saber mais.

Gostaria de voar por paragens outras?

Sinto a desconfiança. Paulo Coelho virou vento no Alquimista. Não boceje, por favor. Se homem vira vento, por que o vento não pode virar homem?

Há muitos mistérios, minha menina, que não convém mencionar para não confundir os seus. Parece tudo tão certo na sua cabecinha. Tem até teoria que nos explica...

Lembra quando Jesus abrandou a tempestade? Só conseguiu fazê-lo por que era filho do Dono. Tivemos que obedecer aquela vontade.

Digo que não estavam distantes os homens primitivos quando rezavam para vários deuses. Existem formas, incorpóreas, sutis, brandas, inteligentes, que zelam por cada coisa no universo. O nada não existe e uma série infinita de entes zela por cada detalhe do todo que você chama de mundo.

Sou apenas um entre muitos. Converso contigo por que te admiro e sei que levará avante o que relato. Pode chamar também de vaidade. Não sou perfeito. Tenho algo de humano, talvez devido à convivência de longos anos entre os pensamentos que cultivam. Porém, o que mais em admiro é a capacidade humana de acreditar, mesmo que nas hipóteses mais absurdas.

Queres uma prova. Feche os olhos e confie. Trarei o perfume das flores do campo, o frio das neves e o aroma inconfundível do mar. Levará alguns minutos, apenas aguarde e espere. Não posso me transformar diante de ti, pois te confundiria a mente. Para alguns eventos a sua espécie não está preparada.

Não somos tão diferentes. Já fui exclusivamente humano uma vez. Assim se dá com todas as potências que evoluem. Somos energia. Passamos de um estado a outro no curso da existência. Lembre-se do axioma: tudo se transforma. A vontade inteligente tudo governa e harmoniza. Não se desperdiça nada no curso infinito da criação. Vamos de um estado a outro, transitando por múltiplas formas. Até os pequenos seres e coisas são governados, guiados e acompanhados.

Um mecanismo complexo delineia os eventos, os fatos, os fenômenos, por menores que sejam. Cada divisão molecular e digo, cada giro de um átomo sobre outro é acompanhado e mesmo o choque entre moléculas possui um ente que a tudo monitora. Sendo muitos, guiados por um único propósito, nos tornamos um.

Sei que está surpresa. Na sua fase necessita de provas, de verificações, de atestados. Apenas espere e delicie-se. Enquanto sorvo o último gole do absinto, prepare-se: a brisa do campo se aproxima...

Fonte:
http://www.jurandiraraguaia.com

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