sábado, 9 de outubro de 2010

José Roberto de Melo (Enedina)

Sessenta anos são passados e esta história ainda me emociona...

Enedina era mocinha e trabalhava na casa de minha mãe como arrumadeira. Era uma graça!

Eu tinha mais ou menos a sua idade e ela me contava a história dos seus amores com o rapaz que tocava trombone na banda local.

Eu conhecia o moço, e lembro que achava esquisito que ele tivesse sardas. Na época pensava que sarda fossem coisa apenas de mulher.

Me parecia um amor muito puro e que devia ir para um casamento feliz. Mas existia uma tia com quem Enedina vivia, que achava que músico era vagabundo e era melhor casar com o eletricista cinquentão, feio, mas que emprestava dinheiro a juros aos colegas da usina onde trabalhava.

E ainda se comentava que ele tinha um hálito pestilento de uma doença crônica que não sei qual era.

Para a tia isto contava ponto: Enedina podia ser uma viúva remediada mais cedo.

A vontade da velha prevaleceu: casaram a moça com o velhote. E como não podia deixar de ser, não foram felizes.

O tocador de trombone continuou a ser amado e a juventude cultiva afoitezas.

Logo contaram ao marido que o músico andava rondando a sua casa, meio afastada junto de uma turbina geradora de energia, à margem do rio.

Uma mangueira frondosa, na frente da residência, escondia os amantes. E foi justamente ali que o marido traído os surpreendeu.

Partiu para o rapaz de foice em punho e desfechou uma foiçada que daria para degolar um batalhão inteiro. Tão forte que o moço desviou-se e o mortífero instrumento cravou-se profundamente no tronco da árvore.

O velhote teve dificuldade para retirá-lo, e o moço teve tempo de fugir. Enedina também desapareceu.

Consta que os amantes embarcaram no trem na manhã seguinte, partindo para uma vida nova. Que não sei se foi feliz...

Na vila comentava-se que o marido tinha procurado se aconselhar com seu chefe de sessão, sobre a possibilidade de ir procurar Enedina, mas o superior, homem de muito saber, tinha lhe recomendado:

- Se aquiete, criatura. Quem não tem competência, aguenta a galha calado.

Não parece uma daquelas histórias d’A vida como ela é, de Nelson Rodrigues?
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José Roberto de Melo é Presidente de Honra e Orador Oficial da SBDE – Sociedade Brasileira de Dentistas Escritores. Possui o blog http://melo28.blog.uol.com.br/

Fonte:
Jornal da Sociedade Brasileira de Dentistas Escritores, out 2010.

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