sábado, 30 de outubro de 2010

Antonio Brás Constante (Até o Fim pelas Chamas)

Fotografia: Marcelo Barroso
Natanael era o poderia se chamar de pessoa obstinada. Quando resolvia que faria algo, nada nem ninguém conseguiam fazê-lo mudar de idéia. Ele tinha duas metas naquela tarde, uma delas era entrar no prédio mais alto da cidade, com seus vinte e oito andares.

Foi com grande surpresa que ao chegar próximo ao local onde se localizava o prédio, percebeu a grande movimentação de pessoas que corriam e gritavam. Soubera ali que o edifício estava em chamas. Qualquer outra pessoa teria mudado os planos, mas não Natanael, que seguiu em frente disposto a tudo para cumprir seus objetivos.

Em meio a todo aquele tumulto não foi difícil se aproximar do edifício, passar pelos guardas e começar a subir pelas escadarias. A fumaça era densa e sufocante. Gritos de desespero ecoavam de todos os lados. Um verdadeiro inferno em terra. Já nos primeiros andares orientou algumas pessoas sobre os locais de saída ajudando-as a descer até o primeiro andar.

Voltou a subir. Ao chegar ao oitavo andar ouviu um pedido de socorro. Duas crianças estavam presas no meio do fogo. Natanael pulou através das chamas, queimando-se um pouco, agarrou os dois pequenos no colo, cobriu-os com um pano molhado, improvisado de uma cortina, e voltou a atravessar o fogo.

O calor queimando-lhe a carne. A fumaça entorpecendo seus sentidos e ferindo seus pulmões. Conseguiu atravessar o corredor de labaredas e voltar às escadas, descendo com as crianças até o terceiro andar, e ao perceber a aproximação dos bombeiros largou-as ali e continuou a sua jornada para cima.

Estava chegando ao décimo nono andar quando escutou um barulho estranho vindo dali. Os andares de baixo já estavam tomados pelas chamas, que subiam em sua direção, cada vez mais rápido. Andou pelos corredores escuros, até identificar a origem do barulho. Era um apartamento com dois gatos que miavam apavorados. Junto a eles uma senhora encontrava-se desmaiada, caída próxima a cama.

Voltando ao corredor, viu uma mangueira de incêndio. Amarrou-a na velha senhora, junto com seus gatos presos em um lençol. Começou a descê-los lentamente, por uma das paredes sobre a qual o fogo ainda não estava aparecendo.

Os policiais e bombeiros esticaram uma escada e conseguiram resgatar a mulher e seus bichanos. Mas não viram mais o rapaz na janela. A escada não subia até o andar onde ele se encontrava. Mas afinal quem era aquele homem?

Natanael continuou subindo, passando pelos andares que faltavam. Pensando no que fizera. Ninguém deveria morrer ali. “Não era o destino deles”, ele pensava. Aquelas pessoas não queriam morrer e por isto ele as salvou.

Por fim conseguiu chegar ao alto do prédio. A fumaça subia aos céus em colunas gigantescas e disformes. As chamas logo abaixo dele começavam a comprometer a estrutura do edifício. Ele se aproximou do parapeito e ficou ali por alguns momentos, olhando o céu azul manchado de fuligem. Os sons de sirenes e pessoas muito abaixo, parecendo apenas sussurros.

Seu corpo estava leve. Conseguira cumprir a primeira etapa de seus propósitos. Sentia-se como se estivesse no topo do mundo. A cidade inteira aos seus pés. Abriu os braços como um pássaro e saltou para morte. Um anjo com a missão de executar seu próprio fim. No bolso da calça as suas justificativas para o ato. E no coração das pessoas por ele socorridas, o eterno agradecimento para com aquele estranho suicida, que deu sua vida para salvá-las.

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