NOITE TROPICAL
Desceu a calma noite irradiante
Sobre a floresta e os vales semeados:
Já ninguém ouve os cantos prolongados
Do negro escravo, estúpido e arquejante.
Dorme a fazenda: — apenas hesitante
A voz do cão, em uivos assustados,
Corta o silêncio, e vai nos descampados
Perder-se como um grito agonizante.
Rompe o luar, ensangüentado e informe,
Brotam fantasmas da savana nua ...
E, de repente, um berro desconforme
Parte da mata em que o luar flutua,
E a onça, abrindo a rubra fauce enorme,
Geme na sombra, contemplando a lua.
Sonetos e rimas (1880)
JAGUAR
Rosna o fulvo jaguar, triste e dormente,
No seio da floresta: — a fera inteira
Dobra à velhice, e a névoa derradeira
Cobre-lhe a fauce lívida e impotente.
O imundo inseto, a mosca impertinente
Zumbe-lhe em torno; — a cobra traiçoeira
Fere-lhe a cauda inerte, e a aventureira
Formiga morde-o calma e indiferente.
Apenas quebra o sono funerário
Do velho herói o grito, entre as folhagens,
Do cordeiro medroso e solitário;
Ou, através das tropicais aragens,
O tropel afastado, intenso e vário
D'um rebanho de búfalos selvagens.
Sonetos e rimas (1880)
“O CORAÇÃO QUE BATE NESTE PEITO”
o coração que bate neste peito,
E que bate por ti unicamente,
O coração, outrora independente,
Hoje humilde, cativo e satisfeito;
Quando eu cair, enfim, morto e desfeito,
Quando a hora soar lugubremente
Do repouso·final, — tranqüilo e crente
Irá sonhar no derradeiro leito.
E quando um dia fores comovida
— Branca visão que entre os sepulcros erra —
Visitar minha fúnebre guarida,
O coração, que toda em si te encerra,
Sentindo-te chegar, mulher querida,
Palpitará de amor dentro da terra.
Sonetos e rimas (1880)
PAISAGEM
O dia frouxo e lânguido declina
Da Ave-Maria às doces badaladas;
Em surdo enxame as auras perfumadas
Sobem do vale e descem da colina.
A juriti saudosa o colo inclina
Gemendo entre as paineiras afastadas;
E além nas pardas serras elevadas
Vê-se da Lua a curva purpurina.
O rebanho e os pastores caminhando
Por entre as altas matas, lentamente,
Voltam do pasto num tranqüilo bando;
Suspira o rio tépido e plangente,
E pelo rio as vozes afinando,
As lavadeiras cantam tristemente
Sonetos e rimas (1880)
FORA DA BARRA
Adeus! Adeus! Nas cerrações perdida
Vejo-te apenas, Guanabara altiva...
- Varella. - Ao Rio de Janeiro.
Já vamos longe... Os morros benfazejos
Metem na bruma os cimos alterosos...
Ventos da tarde, ventos lacrimosos,
Vós sois da Pátria os derradeiros beijos!
As alvas plagas, os profundos brejos,
Ficam além, além! Adeus, gostosos
Tormentos do passado! Adeus, oh gozos!
Adeus, oh velhos e infantis desejos!
Na fugitiva luz do sol poente
Vai se apagando - ao longe - tristemente
Do Corcovado a majestosa serra:
O mar parece todo um só gemido...
E eu mal sustenho o coração partido,
Oh terra de meus pais! Oh minha terra!
1873.
A VOZ DAS ÁRVORES
Enquanto os meus olhares flutuavam,
Seguindo os vôos da erradia mente,
Sob a odorosa cúpula fremente
Dos bosques - onde os ventos sussurravam,
Ouvi falar. As árvores falavam:
A secular mangueira fielmente
Repetia-me a rir o idílio ardente
Que dois noivos, à tarde, lhe contavam;
A palmeira narrava-me a inocência
De um brando e mútuo amor, - sonho que veste
Dos loiros anos a feliz demência;
Ouvi o cedro, - o coqueiral agreste,
Mas, excedia a todas a eloqüência
Duma que não falava: - era o cipreste.
PAULO E VIRGÍNIA
Fomos um dia alegres, estouvados,
Ao clarão matinal do sol nascente,
Colher as flores do vergel ridente
E as primeiras amoras dos cercados.
Risonhos, venturosos, namorados,
Cada qual mais feliz e mais contente,
Esquecemos a terra inteiramente:
Doidos de amor, de gozo embriagados.
Seus cabelos - enquanto ela corria,
Voavam, loiros com a luz, dispersos!
Eu a chamava e ela me fugia.
Por fim voltamos - em prazer imersos:
E das venturas todas desse dia...
Resta a saudade que inspirou meus versos.
Fonte:
Academia Brasileira de Letras
Desceu a calma noite irradiante
Sobre a floresta e os vales semeados:
Já ninguém ouve os cantos prolongados
Do negro escravo, estúpido e arquejante.
Dorme a fazenda: — apenas hesitante
A voz do cão, em uivos assustados,
Corta o silêncio, e vai nos descampados
Perder-se como um grito agonizante.
Rompe o luar, ensangüentado e informe,
Brotam fantasmas da savana nua ...
E, de repente, um berro desconforme
Parte da mata em que o luar flutua,
E a onça, abrindo a rubra fauce enorme,
Geme na sombra, contemplando a lua.
Sonetos e rimas (1880)
JAGUAR
Rosna o fulvo jaguar, triste e dormente,
No seio da floresta: — a fera inteira
Dobra à velhice, e a névoa derradeira
Cobre-lhe a fauce lívida e impotente.
O imundo inseto, a mosca impertinente
Zumbe-lhe em torno; — a cobra traiçoeira
Fere-lhe a cauda inerte, e a aventureira
Formiga morde-o calma e indiferente.
Apenas quebra o sono funerário
Do velho herói o grito, entre as folhagens,
Do cordeiro medroso e solitário;
Ou, através das tropicais aragens,
O tropel afastado, intenso e vário
D'um rebanho de búfalos selvagens.
Sonetos e rimas (1880)
“O CORAÇÃO QUE BATE NESTE PEITO”
o coração que bate neste peito,
E que bate por ti unicamente,
O coração, outrora independente,
Hoje humilde, cativo e satisfeito;
Quando eu cair, enfim, morto e desfeito,
Quando a hora soar lugubremente
Do repouso·final, — tranqüilo e crente
Irá sonhar no derradeiro leito.
E quando um dia fores comovida
— Branca visão que entre os sepulcros erra —
Visitar minha fúnebre guarida,
O coração, que toda em si te encerra,
Sentindo-te chegar, mulher querida,
Palpitará de amor dentro da terra.
Sonetos e rimas (1880)
PAISAGEM
O dia frouxo e lânguido declina
Da Ave-Maria às doces badaladas;
Em surdo enxame as auras perfumadas
Sobem do vale e descem da colina.
A juriti saudosa o colo inclina
Gemendo entre as paineiras afastadas;
E além nas pardas serras elevadas
Vê-se da Lua a curva purpurina.
O rebanho e os pastores caminhando
Por entre as altas matas, lentamente,
Voltam do pasto num tranqüilo bando;
Suspira o rio tépido e plangente,
E pelo rio as vozes afinando,
As lavadeiras cantam tristemente
Sonetos e rimas (1880)
FORA DA BARRA
Adeus! Adeus! Nas cerrações perdida
Vejo-te apenas, Guanabara altiva...
- Varella. - Ao Rio de Janeiro.
Já vamos longe... Os morros benfazejos
Metem na bruma os cimos alterosos...
Ventos da tarde, ventos lacrimosos,
Vós sois da Pátria os derradeiros beijos!
As alvas plagas, os profundos brejos,
Ficam além, além! Adeus, gostosos
Tormentos do passado! Adeus, oh gozos!
Adeus, oh velhos e infantis desejos!
Na fugitiva luz do sol poente
Vai se apagando - ao longe - tristemente
Do Corcovado a majestosa serra:
O mar parece todo um só gemido...
E eu mal sustenho o coração partido,
Oh terra de meus pais! Oh minha terra!
1873.
A VOZ DAS ÁRVORES
Enquanto os meus olhares flutuavam,
Seguindo os vôos da erradia mente,
Sob a odorosa cúpula fremente
Dos bosques - onde os ventos sussurravam,
Ouvi falar. As árvores falavam:
A secular mangueira fielmente
Repetia-me a rir o idílio ardente
Que dois noivos, à tarde, lhe contavam;
A palmeira narrava-me a inocência
De um brando e mútuo amor, - sonho que veste
Dos loiros anos a feliz demência;
Ouvi o cedro, - o coqueiral agreste,
Mas, excedia a todas a eloqüência
Duma que não falava: - era o cipreste.
PAULO E VIRGÍNIA
Fomos um dia alegres, estouvados,
Ao clarão matinal do sol nascente,
Colher as flores do vergel ridente
E as primeiras amoras dos cercados.
Risonhos, venturosos, namorados,
Cada qual mais feliz e mais contente,
Esquecemos a terra inteiramente:
Doidos de amor, de gozo embriagados.
Seus cabelos - enquanto ela corria,
Voavam, loiros com a luz, dispersos!
Eu a chamava e ela me fugia.
Por fim voltamos - em prazer imersos:
E das venturas todas desse dia...
Resta a saudade que inspirou meus versos.
Fonte:
Academia Brasileira de Letras
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