– O senhor não é aquele médico que dá conselho na televisão?
Pensei em explicar que não eram conselhos, mas concordar simplificava.
Assim que comecei a digitar os números do telefonema seguinte, ele interrompeu com delicadeza:
– O senhor teria paciência para ouvir um coração amargurado?
Em meu lugar, leitor, você diria não?
– Doutor, vivi com duas mulheres. A primeira era garota de programa; a segunda, uma evangélica fervorosa que nem nua na minha frente ficava. Advinha qual das duas me deu problema?
– A santa.
– Como o senhor sabe?
A garota de programa era vizinha de quarto na pensão da Alameda Glete, em que ele foi morar quando chegou em São Paulo aos dezenove anos, sem ter um gato para puxar pelo rabo, segundo ressaltou.
A moça havia fugido de Pernambuco com dezesseis anos para escapar das investidas do padrasto, que a mãe insistia em considerar simples manifestações de carinho. Aqui, conseguiu emprego numa fábrica de roupas na rua Oriente, para trabalhar doze horas por dia na máquina de costura. Três meses depois que a fábrica foi à falência, estava ameaçada de despejo do quartinho alugado no Brás, quando surgiu a inevitável amiga bem vestida que a apresentou ao dono de um inferninho na zona norte.
A solidão aproximou os dois na pensão da Alameda Glete. Nos fins de semana, passavam horas conversando; às vezes saíam para passear, mas não se tocavam.
Depois de meses de convivência, ele a beijou. Ela disse que nunca havia sido tratada com tanto respeito; por um homem como ele abandonaria a vida na noite, seria uma companheira dedicada e sincera.
Sem casar no papel, viveram em harmonia durante oito anos, num sobradinho do Jaçanã:
– Minha casa era um brinco. Se disser que ela me deu motivo para desconfiar que estivesse interessada em outro homem, estou mentindo.
Quando foi promovido a encarregado do almoxarifado da firma em que trabalhava, ele conheceu a outra, mocinha, evangélica recatada que corava na presença do chefe. A esposa ideal para constituir família, concluiu.
A separação foi dolorosa. A primeira mulher chorou muito, mas não entrou em desespero, pressentia o desenlace: ele nunca esqueceria o passado.
– Eu também sofri feito cachorro. Gostava mais dela do que da outra.
Mesmo assim, casou com a evangélica no civil e no religioso, tiveram duas filhas criadas em obediência aos princípios religiosos da mãe e um neto que havia acabado de nascer.
Com a segunda mulher não havia clima para os arroubos de paixão carnal que povoaram as noites do primeiro casamento, ausência compensada pela tranquilidade da vida familiar e de uma relação afetiva tépida, sem sobressaltos:
– Nunca usou um decote, uma saia curta. Se íamos a um aniversário, ficava entre as mulheres, nem perto dos homens chegava.
Entregue de corpo e alma à família, a esposa experimentou a sensação de vazio que se instala em mulheres como ela, quando os filhos saem de casa. Passava os dias entristecida, sem ânimo até para pentear o cabelo, à espera que o marido voltasse do trabalho.
Por sugestão de um amigo que enfrentara problema semelhante, ele comprou um computador para distraí-la durante o dia.
A transformação impressionou a família inteira. Em poucos dias, ela parou de reclamar da vida, virou uma mulher alegre e extrovertida; até roupas coloridas saiu para comprar.
Cinco dias antes de nosso encontro no táxi, aconteceu o inesperado: pela primeira vez ela não estava em casa quando ele chegou. Nem na casa das filhas. No espelho do banheiro havia um bilhete: “Conheci um rapaz pela internet. Fugi com ele. Não me procure, tenho direito de buscar a felicidade”.
– Veja quanta ingratidão. Com o computador, que ainda faltam duas prestações para pagar.
– Você foi atrás dela?
– Feito louco. Com o revólver.
– Não faça uma besteira dessas. Vai acabar na cadeia, cheio de remorsos. Suas filhas jamais o perdoarão. Mulheres não faltam, encontre outra, é a melhor maneira de esquecer.
– Agora, vou lhe dizer do fundo do coração, doutor, se um dia eu arrumar outra vai ser uma mulher de programa.
Fontes:
Imagem = http://nandabhte.blogspot.com
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