sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Ademar Macedo (Livro de Trovas II)


Após causar desencantos
e nos fazer peregrinos,
a seca faz chover prantos
nos olhos dos nordestinos!

Aquela mão estendida
é Nau que ainda trafega
no mar revolto da vida
que a própria vida renega...

Com muita preponderância
mergulhei nesta verdade:
- Quem inventou a distância
não conhecia a SAUDADE...

Como quem faz sua escolha,
disfarçando o desatino,
arranquei folha por folha
do livro do meu destino!

Da Bebida fiquei farto,
bebendo, perdi quem amo;
hoje bebo no meu quarto
as lágrimas que eu derramo.

Envolto numa utopia,
num devaneio sem fim,
vivo hoje uma fantasia
que eu mesmo inventei pra mim.

Essas gotas maculadas,
itinerantes no rosto,
são as lágrimas magoadas
que dão vida ao meu desgosto.

Fiz minha casa de barro
ao lado de uma favela.
Lá fora, eu sei, não tem carro,
mas tem amor dentro dela!...

Lágrimas, fuga das águas
por um riacho inclemente
que numa enchente de mágoas
inunda o rosto da gente!

Mesmo em momentos tristonhos,
carregada de lamentos,
navega cheia de sonhos
a Nau dos meus pensamentos!...

Na transposição mais nobre,
podemos, sem qualquer risco,
matar a sede do pobre
com as águas do São Francisco!...

Nossa cultura se entende
nas lições que eu mesmo tive:
o saber a gente aprende,
a cultura a gente vive.

Num devaneio qualquer,
feito de sonho e de imagem,
no seu corpo de mulher
fiz a mais linda viagem.

Num triste e cruel enredo,
escrito por poderosos,
a Terra treme com medo
das mãos dos gananciosos...

O Deus que fez lago e monte,
que fez céu, mar, noite e dia,
fez do poeta uma fonte
por onde jorra poesia...

O grande desmatamento,
por ganância ou esperteza,
põe rugas de sofrimento
no rosto da natureza...

Passam sempre em meu portão,
trazendo um fardo de dor,
crianças que não têm pão,
pedindo “um pão por favor”!...

Quando a inspiração lhe acena,
o bom Trovador se expande.
Numa Trova tão pequena,
faz um poema tão grande!

Quando de um amor me aparto,
em tristezas me esparramo:
bebo sozinho em meu quarto
as lágrimas que eu derramo!

Quando o amor se consolida,
mesmo que vire rotina;
termina tudo na vida...
Mas esse amor não termina!...

Quem se entrega a solidão
e dela se faz refém,
anda em meio à multidão
mas não enxerga ninguém!

Sem ter escolha, a criança,
pobre inquilina da rua,
na sua desesperança,
dorme sob a luz da lua!

Se o livre-arbítrio é uma escolha,
eu, não vendo outra saída,
alterei folha por folha
do livro da minha vida.

Tal qual um pequeno horto,
sem plantação, sem jardim,
sou Nau e procuro um porto
que ainda espera por mim.

Fonte:
Recanto das Letras.

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