Esta lenda, que corre em Barcelos, está ligada a um antigo padrão (monumento) de pedra cuja origem se desconhece e que tem de um lado baixos-relevos com a Virgem, S. Paulo, o Sol, a Lua e um dragão, e do outro Cristo crucificado, um galo e Santiago sustentando um enforcado.
Lendas e padrões semelhantes existem em Espanha, em várias localidades situadas no caminho de Santiago de Compostela, o que leva a pensar num significado hoje perdido e ligado àquele santuário secularmente venerado e concorrido de peregrinos desde os mais remotos tempos.
Conta a lenda que, há muito tempo, deu-se na freguesia de Barcelinhos um crime de morte que ficara impune. As investigações efetuadas minuciosamente pelos oficiais da Justiça não levaram à descoberta de qualquer indício sobre o seu autor.
O tempo foi passando e o caso parecia estar esquecido quando, certo dia, surgiu na povoação um galego que se dirigia em peregrinação a Santiago de Compostela. O romeiro instalou-se no albergue da terra, onde tencionava passar aquela noite. Estava sentado à mesa, preparando-se para retemperar as forças com uma boa refeição, quando sentiu que alguém, sentado noutra mesa, o observava fixamente. Não ligou, contudo, importância, tanto mais que não conhecia ninguém na região, e lá continuou embebido nos seus pensamentos, enquanto ia depenicando (petiscar, comer aos poucos, saboreando) uma broa e bebia uma caneca de vinho verde.
Algum tempo depois, o observador levantou-se da mesa e desapareceu da hospedaria. Dirigiu-se a casa do juiz e informou-o de que o autor daquele crime antigo parecia ter voltado à povoação. E jurou à autoridade que vira aquele galego na época, já remota, do crime.
O juiz prestou-se, então, a acompanhá-lo ao albergue, onde interrogou o espantado galego, que se afirmava inocente de qualquer crime. Mas as coincidências que transpareciam do interrogatório comprometiam muito o romeiro e, além disso, ele não conseguia apresentar provas concludentes da inocência que protestava. Assim, o galego foi levado para as masmorras e julgado. Continuou, todavia, jurando a sua inocência, o que de nada lhe valeu, pois foi condenado à forca como autor daquele crime quase esquecido.
Chegado o dia do enforcamento, o homem pediu, como sua última vontade, que o levassem à presença do juiz que injustamente o condenara. E, como não se deve negar o último pedido a um condenado, levaram-no a casa do juiz, que nesse momento estava sentado à mesa, rodeado de amigos, preparando-se para trinchar um belo galo assado.
O galego entrou e, ajoelhando frente ao juiz, suplicou que não o enforcassem. Estava inocente! Não conhecia a vítima do crime! Fora aquela a primeira vez que entrara em Barcelinhos. Como era possível que o fossem enforcar por um crime que não cometera?! Era uma injustiça!
O magistrado, porém, não se comoveu. Escudado no julgamento que considerava válido aos olhos da lei, disse ao homem que nada podia fazer e que a sentença tinha de ser cumprida de acordo com as regras estabelecidas pelos usos e costumes.
O pobre do romeiro, vendo-se numa terrível situação para a qual não encontrava saída, bramou, olhando para o Alto:
— Valei-me meu Santiago, valei-me! — e virando-se para o juiz, disse com veemência: — E tão certo eu estar inocente que antes de morrer e o dia acabar, este galo assado cantará!
E lá saiu da sala, arrastado pelos algozes, em direção ao outeiro da forca.
Entretanto, na sala do juiz, passado o instante dramático que se seguiu às últimas palavras do romeiro, os convivas desataram a rir do que afirmara o galego. Mas, supersticiosamente, a verdade é que ninguém tocou no galo assado. O dia foi passando e, sub-repticiamente, as palavras do peregrino mantinham-se vivas nos ouvidos dos convivas, ainda que nenhum o confessasse. E todos ansiavam pela chegada da noite para se libertarem da expectativa.
De repente, os olhos do juiz fixaram-se atônitos no galo assado, que, estranhamente, começara a cobrir-se de penas novas. Em breve, todos puderam ver o galo levantar-se, espanejar as asas e cantar alegremente.
Correram todos ao outeiro da forca, como que impelidos por uma força incontrolável, e, pasmados, verificaram que o enforcado não só estava vivo, como a corda estava lassa (frouxa) e o corpo suspenso no ar. Assustados com aquele fato insólito, libertaram o homem e deixaram-no seguir o caminho que traçara, o caminho de Santiago.
No regresso, o galego, que voltou pelo caminho de Barcelinhos, mandou erguer, agradecido pelo milagre, o padrão (monumento) que ainda hoje podemos admirar, corroído pelo tempo e com as imagens muito gastas.
Fonte:
FRAZÃO, Fernanda. Lendas Portuguesas da Terra e do Mar.
Lendas e padrões semelhantes existem em Espanha, em várias localidades situadas no caminho de Santiago de Compostela, o que leva a pensar num significado hoje perdido e ligado àquele santuário secularmente venerado e concorrido de peregrinos desde os mais remotos tempos.
Conta a lenda que, há muito tempo, deu-se na freguesia de Barcelinhos um crime de morte que ficara impune. As investigações efetuadas minuciosamente pelos oficiais da Justiça não levaram à descoberta de qualquer indício sobre o seu autor.
O tempo foi passando e o caso parecia estar esquecido quando, certo dia, surgiu na povoação um galego que se dirigia em peregrinação a Santiago de Compostela. O romeiro instalou-se no albergue da terra, onde tencionava passar aquela noite. Estava sentado à mesa, preparando-se para retemperar as forças com uma boa refeição, quando sentiu que alguém, sentado noutra mesa, o observava fixamente. Não ligou, contudo, importância, tanto mais que não conhecia ninguém na região, e lá continuou embebido nos seus pensamentos, enquanto ia depenicando (petiscar, comer aos poucos, saboreando) uma broa e bebia uma caneca de vinho verde.
Algum tempo depois, o observador levantou-se da mesa e desapareceu da hospedaria. Dirigiu-se a casa do juiz e informou-o de que o autor daquele crime antigo parecia ter voltado à povoação. E jurou à autoridade que vira aquele galego na época, já remota, do crime.
O juiz prestou-se, então, a acompanhá-lo ao albergue, onde interrogou o espantado galego, que se afirmava inocente de qualquer crime. Mas as coincidências que transpareciam do interrogatório comprometiam muito o romeiro e, além disso, ele não conseguia apresentar provas concludentes da inocência que protestava. Assim, o galego foi levado para as masmorras e julgado. Continuou, todavia, jurando a sua inocência, o que de nada lhe valeu, pois foi condenado à forca como autor daquele crime quase esquecido.
Chegado o dia do enforcamento, o homem pediu, como sua última vontade, que o levassem à presença do juiz que injustamente o condenara. E, como não se deve negar o último pedido a um condenado, levaram-no a casa do juiz, que nesse momento estava sentado à mesa, rodeado de amigos, preparando-se para trinchar um belo galo assado.
O galego entrou e, ajoelhando frente ao juiz, suplicou que não o enforcassem. Estava inocente! Não conhecia a vítima do crime! Fora aquela a primeira vez que entrara em Barcelinhos. Como era possível que o fossem enforcar por um crime que não cometera?! Era uma injustiça!
O magistrado, porém, não se comoveu. Escudado no julgamento que considerava válido aos olhos da lei, disse ao homem que nada podia fazer e que a sentença tinha de ser cumprida de acordo com as regras estabelecidas pelos usos e costumes.
O pobre do romeiro, vendo-se numa terrível situação para a qual não encontrava saída, bramou, olhando para o Alto:
— Valei-me meu Santiago, valei-me! — e virando-se para o juiz, disse com veemência: — E tão certo eu estar inocente que antes de morrer e o dia acabar, este galo assado cantará!
E lá saiu da sala, arrastado pelos algozes, em direção ao outeiro da forca.
Entretanto, na sala do juiz, passado o instante dramático que se seguiu às últimas palavras do romeiro, os convivas desataram a rir do que afirmara o galego. Mas, supersticiosamente, a verdade é que ninguém tocou no galo assado. O dia foi passando e, sub-repticiamente, as palavras do peregrino mantinham-se vivas nos ouvidos dos convivas, ainda que nenhum o confessasse. E todos ansiavam pela chegada da noite para se libertarem da expectativa.
De repente, os olhos do juiz fixaram-se atônitos no galo assado, que, estranhamente, começara a cobrir-se de penas novas. Em breve, todos puderam ver o galo levantar-se, espanejar as asas e cantar alegremente.
Correram todos ao outeiro da forca, como que impelidos por uma força incontrolável, e, pasmados, verificaram que o enforcado não só estava vivo, como a corda estava lassa (frouxa) e o corpo suspenso no ar. Assustados com aquele fato insólito, libertaram o homem e deixaram-no seguir o caminho que traçara, o caminho de Santiago.
No regresso, o galego, que voltou pelo caminho de Barcelinhos, mandou erguer, agradecido pelo milagre, o padrão (monumento) que ainda hoje podemos admirar, corroído pelo tempo e com as imagens muito gastas.
Fonte:
FRAZÃO, Fernanda. Lendas Portuguesas da Terra e do Mar.
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