“É contando histórias, nossas próprias histórias, o que nos acontece e o sentido que damos ao que nos acontece, que nos damos a nós próprios uma identidade no tempo.” (Jorge Larrosa) Você sabe o que faz um “rapsodo”? Não? E um “griô” ? Também não? Não lhe são familiares os vocábulos “bardo”? “jogral” ? “menestrel” ? Nada. Você pode não acreditar, mas esses vocábulos exóticos denominavam em tempos e lugares diferentes as vozes ancestrais da longa família dos contadores de história.
Surgidos provavelmente no século VII a. C, os rapsodos eram poetas ou declamadores andarilhos que, na Grécia antiga, perambulavam de cidade em cidade divulgando fragmentos dos poemas épicos de Homero a “Ilíada” e a “Odisséia”. Não apresentavam suas próprias composições, especializando-se na declamação de obras de outros artistas. No noroeste da África, em Mali, os griôs (do francês “griot” que significa “feiticeiro”) preservavam os rituais antigos, as histórias orais do seu povo, atuando ora como poetas, cantores e músicos, ora como sacerdotes ou juízes, em pequenas desavenças entre as grandes famílias. Mas, há um porém, só pode ser um griô quem nasce em uma família de griôs!
Entre os celtas, galeses, irlandeses e escoceses, eram os “bardos” os guardiões da memória das linhagens das famílias importantes, das grandiosas cenas de batalhas, do elogio à vida virtuosa de reis e príncipes, muitas vezes apelando para a sátira. Viajantes incansáveis, era natural que suas histórias encantassem um público ansioso por novidades que brotavam da boca desses “viramundos”. Já na França, desde o século V, os jograis ganhavam a vida na base das caretas, mímicas, jogos, ditos engraçados e músicas divertindo todo tipo de público. No fim da Idade Média, o menestrel substituiu o jogral. Durante o séculos XIII e XIV, o menestrel exercia as funções de músico e cantor, viajando por aldeias, exercendo seu ofício em meio a uma platéia de fidalgos ou no meio do povaréu, a invenção da imprensa no século XV reduziu bastante o papel social dessas expressões artísticas. Mas falemos um pouco mais de um tempo anterior à invenção de Gutemberg.
Esses poetas viajantes em todo tempo e lugar encontraram quem os escutasse. Narrando os desafios de caçadas, vivenciando ritos como os da morte e do sepultamento; ou divulgando crenças em criaturas marítimas monstruosas, tesouros no fundo do mar e histórias de inacreditáveis náufragos. Não importa. Eles eram os portadores da tradição, esses contadores/cantadores bendiziam o casamento, mas revelavam as muitas traições e entre risos e espanto, a plateia aplaudia a descoberta de um mundo feito de palavras cujas cores e melodias ignorava. Em algumas sociedades tribais essa atividade não possuía uma finalidade exclusivamente artística; mas tinha um caráter funcional decisivo, pois os contadores de histórias funcionavam como memórias portáteis, uma vez que conservavam e transmitiam a história e o conhecimento acumulado pelas gerações, as crenças, os mitos, os costumes e valores a serem preservados por todos da comunidade.
Pode-se afirmar que como atividade artística, com normas e técnicas passíveis de serem transmitidas a todos, a prática de contar histórias se desenvolveu recentemente, sobretudo nos países nórdicos, anglo-saxões e posteriormente nos latino-americanos. Esta prática se estendeu e ainda hoje aparece reduzida a um tempo cronológico, “a hora do conto”, nas escolas e bibliotecas.
A narração oral é uma forma de comunicação que se alimenta da história e da ficção, integrando a palavra aos gestos. É nesta economia de recursos que está a força de sua expressão; o ouvinte forma com o contador de histórias as duas faces de uma unidade, pois ele deve recriar na sua imaginação o que lhe contam e com isto transformar a missão em recepção, conformando a mensagem.
Portanto, hoje, o contador de histórias urbano também se forma : é aquele que conhece as técnicas para narrá-las, é aquele que ama os textos e quer dizê-los, é aquele que, sobretudo, articula seu idioma de modo a produzir efeitos de melodia e de elaboração nova da frase, para com elas revelar a complexidade do mundo, as diferentes manifestações de cultura e poder expressá-las para seus ouvintes. Por essa razão, o contador de histórias tradicional é uma pessoa dos livros. Ou seja, no caso contemporâneo, atrás de toda narração de contos se encontra um perfil básico e essencial: um grande leitor.
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(*) Luiz Carlos Felipe, Professor de Literatura Infantojuvenil na Faculdade de Campina Grande do Sul (FACSUL) e Professor de Contos Contados e Desvelados no Instituto Aprender, (Joinville, SC).
Fonte:
Boletim Guatá – Cultura em Movimento. Agosto de 2010. http://www.guata.com.br/Tirando%20de%20letra/_1E100803TL_contar_historia_como_tudo_comecou_luis_carlos_felipe.html
Imagem = http://www.fetreli.com.br/historia2.htm
Surgidos provavelmente no século VII a. C, os rapsodos eram poetas ou declamadores andarilhos que, na Grécia antiga, perambulavam de cidade em cidade divulgando fragmentos dos poemas épicos de Homero a “Ilíada” e a “Odisséia”. Não apresentavam suas próprias composições, especializando-se na declamação de obras de outros artistas. No noroeste da África, em Mali, os griôs (do francês “griot” que significa “feiticeiro”) preservavam os rituais antigos, as histórias orais do seu povo, atuando ora como poetas, cantores e músicos, ora como sacerdotes ou juízes, em pequenas desavenças entre as grandes famílias. Mas, há um porém, só pode ser um griô quem nasce em uma família de griôs!
Entre os celtas, galeses, irlandeses e escoceses, eram os “bardos” os guardiões da memória das linhagens das famílias importantes, das grandiosas cenas de batalhas, do elogio à vida virtuosa de reis e príncipes, muitas vezes apelando para a sátira. Viajantes incansáveis, era natural que suas histórias encantassem um público ansioso por novidades que brotavam da boca desses “viramundos”. Já na França, desde o século V, os jograis ganhavam a vida na base das caretas, mímicas, jogos, ditos engraçados e músicas divertindo todo tipo de público. No fim da Idade Média, o menestrel substituiu o jogral. Durante o séculos XIII e XIV, o menestrel exercia as funções de músico e cantor, viajando por aldeias, exercendo seu ofício em meio a uma platéia de fidalgos ou no meio do povaréu, a invenção da imprensa no século XV reduziu bastante o papel social dessas expressões artísticas. Mas falemos um pouco mais de um tempo anterior à invenção de Gutemberg.
Esses poetas viajantes em todo tempo e lugar encontraram quem os escutasse. Narrando os desafios de caçadas, vivenciando ritos como os da morte e do sepultamento; ou divulgando crenças em criaturas marítimas monstruosas, tesouros no fundo do mar e histórias de inacreditáveis náufragos. Não importa. Eles eram os portadores da tradição, esses contadores/cantadores bendiziam o casamento, mas revelavam as muitas traições e entre risos e espanto, a plateia aplaudia a descoberta de um mundo feito de palavras cujas cores e melodias ignorava. Em algumas sociedades tribais essa atividade não possuía uma finalidade exclusivamente artística; mas tinha um caráter funcional decisivo, pois os contadores de histórias funcionavam como memórias portáteis, uma vez que conservavam e transmitiam a história e o conhecimento acumulado pelas gerações, as crenças, os mitos, os costumes e valores a serem preservados por todos da comunidade.
Pode-se afirmar que como atividade artística, com normas e técnicas passíveis de serem transmitidas a todos, a prática de contar histórias se desenvolveu recentemente, sobretudo nos países nórdicos, anglo-saxões e posteriormente nos latino-americanos. Esta prática se estendeu e ainda hoje aparece reduzida a um tempo cronológico, “a hora do conto”, nas escolas e bibliotecas.
A narração oral é uma forma de comunicação que se alimenta da história e da ficção, integrando a palavra aos gestos. É nesta economia de recursos que está a força de sua expressão; o ouvinte forma com o contador de histórias as duas faces de uma unidade, pois ele deve recriar na sua imaginação o que lhe contam e com isto transformar a missão em recepção, conformando a mensagem.
Portanto, hoje, o contador de histórias urbano também se forma : é aquele que conhece as técnicas para narrá-las, é aquele que ama os textos e quer dizê-los, é aquele que, sobretudo, articula seu idioma de modo a produzir efeitos de melodia e de elaboração nova da frase, para com elas revelar a complexidade do mundo, as diferentes manifestações de cultura e poder expressá-las para seus ouvintes. Por essa razão, o contador de histórias tradicional é uma pessoa dos livros. Ou seja, no caso contemporâneo, atrás de toda narração de contos se encontra um perfil básico e essencial: um grande leitor.
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(*) Luiz Carlos Felipe, Professor de Literatura Infantojuvenil na Faculdade de Campina Grande do Sul (FACSUL) e Professor de Contos Contados e Desvelados no Instituto Aprender, (Joinville, SC).
Fonte:
Boletim Guatá – Cultura em Movimento. Agosto de 2010. http://www.guata.com.br/Tirando%20de%20letra/_1E100803TL_contar_historia_como_tudo_comecou_luis_carlos_felipe.html
Imagem = http://www.fetreli.com.br/historia2.htm
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