segunda-feira, 26 de setembro de 2011

França Junior (Organizações Ministeriais)


A política é uma das mais sérias preocupações do Brasil, e especialmente desta mui leal e heróica cidade do Rio de Janeiro, onde a vida pública e privada dos homens de Estado é discutida em altas vozes nos botequins, confeitarias, lojas de charutos, armarinhos, praças e pontos de bondes.

A julgar pela parte afetiva que cada cidadão toma nos negócios oficiais, este país deveria ser uma - república de anjos.

Infelizmente, assim não é.

Os tais anjos brigam por dá cá aquela palha, e os negócios conservam-se sempre no mesmo estado.

Por que brigam? Pelas idéias, pelos princípios.

E quereis saber como, entre nós, se briga pelos princípios?

É assim:

- O Machado Pereira é conservador.

- Está enganado; é liberal.

- Nunca foi liberal; votou sempre com os vermelhos.

- Na última eleição votou conosco.

- Ele é tão conservador, como o Arruda.

- Quem? O Arruda da Guaratiba?

- Sim, senhor.

- Este era liberal, foi demitido por prevaricador...

- É verdade.

- Eu conheço-o como as palmas de minhas mãos. Depois passou-se para os conservadores, quando subiu o gabinete Quintanilha...

- Não foi no gabinete Quintanilha que ele virou casaca, mas sim no ministério do Luís Pereira.

- Ora, meu caro amigo, outro ofício. No ministério do Luís Pereira ele já era republicano, e escrevia na Espada de Dâmocles, um jornal democrata que aqui houve, aquelas célebres cartas contra o chefe do estado assinadas A sentinela.

- Por sinal que o governo, para calar a boca do tal marreco, nomeou-o cônsul para a Suíça.

- E fez mais ainda: deu-lhe o título de conselho.

- Foi uma grande bandalheira!

- Mas era preciso.

- Esses conservadores foram sempre assim.

- E os liberais são ainda piores.

- Sabe o que mais, meu amigo, fique com as suas idéias que eu ficarei com as minhas.

E eis aí o que são as idéias e os princípios, de que falam quase todos.

E pelas idéias e pelos princípios cometem-se injustiças, torce-se a lógica, abocanham-se reputações e quebram-se cabeças às portas das igrejas.

Este exórdio, com tiradas cheirando a artigo de fundo de jornal de oposição, foi-me sugerido pelo papel importante que representa a política em todos os altos da nossa vida.

Quem quiser ver o Rio de Janeiro com febre e perder a cabeça, basta dizer-lhe ao ouvido:

- Caiu o ministério!

A notícia circula de boca em boca, sai do Castelões, entra no Bernardo, pára na Gazeta de Notícias, volta para o Farani, estaca nos pontos dos bondes, embarca nos ditos e percorre um por um todos os arrabaldes.

No dia seguinte não fica ninguém em casa.

A rua do Ouvidor é pequena para conter os curiosos.

Formam-se grupos às portas das lojas, pelas esquinas, e em cada semblante lê-se o seguinte ponto de interrogação:

- Quem foi chamado?

Começam as versões:

- Já sei quem é o organizador.

- Quem é?

- O Soares da Silva.

- Ora, ora!

- Acabo de estar agora mesmo com ele.

- Se não estás caçoando conosco, estás mentindo.

- Quanto apostam?

- Mas como é isto possível, se o Soares partiu ontem com a família para Teresópolis?

- É verdade; porém ontem mesmo recebeu o telegrama e desce hoje.

- Aí vem o Goulart.

- Homem, o Goulart deve estar bem informado.

- Ô Goulart, quem foi o chamado?

- O Silveira de Assunção.

- O que estás dizendo?

- A pura verdade.

- Com os diabos, por esta não esperava eu!

- Estou aqui, estou demitido.

- E dois.

- Mas isto é certo?

- E até aqui já está organizado o ministério.

- Quem ficou na Fazenda?

- O Alberto da Rocha.

- E na Justiça?

- O Brandão. Para a guerra entrou o Felício; para a Agricultura o barão de Pitanga Vermelha...

- O barão de Pitanga Vermelha?!

- Sim. Pois não o conheces?! É o Ladislau de Medeiros.

- Ah! já sei.

- Para Estrangeiros o visconde de Pedregulho; para a pasta do Império o Serzedello e para a da Marinha o Lucas Viriato.

- Quem é o Lucas Viriato?

- Não o conheço.

- Nem eu.

- O que é ele?

- Não sei, mas dizem-me que é rapaz muito inteligente e muito honesto.

- Bom-dia, meus senhores.

- Ora viva, sr. comendador.

- Então, já sabem?

- Acabamos de saber agora mesmo. O presidente do Conselho é o Silveira de Assunção.

- Não há tal; foi chamado, é verdade, mas não aceitou.

- Mas sr. comendador, eu sei de fonte limpa...

- Também eu sei que o homem esteve no Paço cinco horas a conversar com o Rei, e que de lá saiu à meia-noite, sem se haver decidido coisa alguma.

- Ora aí está quem nos vai dar boas notícias frescas.

- Quem é?

- O conselheiro Anastácio, que ali vem.

- Chama-o.

- Senhor conselheiro, satisfaça-nos a curiosidade; quem é o homem que vai nos governar?

- Pois ainda não sabem?

- São tantas as versões...

- Pensei que estivessem mais adiantados. Ora, ouçam lá: presidente do Conselho, visconde da Pedra Funda; ministro do Império, André Gonzaga; da Marinha, Bento Antônio de Campos...

- Muito bem, muito bem! Ora, graças a Deus que já se fez alguma coisa que valha a pena.

- Ministro da Fazenda, barão do Bico do Papagaio.

- Para a Fazenda?

- Sim, senhor.

- Porém este homem nunca deu provas de si..., é pouco conhecido..., as circunstâncias em que se acha o país...

- Não diga isto. E aquele aparte que ele deu ao Ramiro na questão bancária?

- Não me lembro.

- Pudera não! O senhor não acompanha os debates parlamentares, não está enfronhado nos negócios do país!

- Vamos adiante.

- Ministro da Guerra, Antônio Horta...

- Magnífico!

- Da Agricultura, João Cesário; e fica na pasta de Estrangeiros o presidente do Conselho.

- Antes ele ficasse na da Fazenda.

- Assim se tinha combinado a princípio; porém depois reconheceu-se que ele andaria melhor como ministro de Estrangeiros: porque já esteve na Europa e fala muito bem diversas línguas.

Após o conselheiro aparece um barão, sucede a este um jornalista, vêm depois diversos empregados públicos, e cada qual traz o seu ministério em um pedacinho de papel, dizendo: - Este é o verdadeiro.

Os políticos da rua do Ouvidor são tipos dignos de sérios estudos.

Em primeiro lugar figura o político bem informado.

É aquele que sabe de tudo.

Exemplo:

- Este ministério devia infalivelmente cair.

- Está visto; ele não podia ficar governando o país eternamente.

- Há muito tempo que os sujeitos andavam brigados! Eu já fui oficial de gabinete e sei o que são essas coisas. Além disso pessoa fidedigna asseverou-me que o Pereira nunca mais pôde tragar o Almeida, desde o dia em que este não quis nomear-lhe o sobrinho para a alfândega da Bahia. O Ernesto Pessoa também não olhava com bons olhos para o Miguel Faria desde a questão do Matadouro, que, a meu ver, foi o que deu com o ministério em terra. O organizador do novo gabinete não é o Matias de Araújo, ou o Siqueira, como dizem por aí. Deixe-os falar; a coisa já está assentada.

- Quem é então?

- É segredo; não posso dizer por hora

Esses políticos bem informados são, em geral, grandes jogadores de voltarete.

Ora, os leitores não ignoram a influência que o voltarete exerce sobre a nossa política.

Segundo rezam as crônicas, até alguns ministérios têm sido organizados em partidas de voltarete, e muitos indivíduos devem ao codilho as posições que ocupam.

Os políticos bem informados, apenas sob um ministério, indicam logo os nomes dos presidentes de províncias, dos chefes de polícia, dos delegados, subdelegados, de todos aqueles, enfim, que vão erguer-se ufanos sobre os destroços da derrubada.

Tipo oposto é o do político que não sabe de coisa alguma, que nada lê, que no fundo é completamente indiferente aos negócios públicos; mas que afeta acompanhar a marcha dos acontecimentos, franzindo o sobrolho e dizendo sempre:

- Isto é uma grande bandalheira!

Quando se encontra com algum amigo, assume um ar misterioso e pergunta-lhe:

- O que há de novo?

- Não sei; fala-se que o ministério caiu e que já está organizado outro.

Então chama-o para um lado, encosta-lhe a boca ao ouvido, e exclama:

- Isto é uma grande bandalheira!

Na primeira esquina encontra-se com outro amigo, e repete-lhe a mesma frase.

Há ainda o tipo do político esperto, que é aquele que tem em cada partido um compadre - probabilidade de subir ao poder.

Os tipos dessa ordem estão sempre com o governo em casa.

É por ocasião das organizações ministeriais que eles sobem à tona d’água, para a pesca.

E no fim de contas não sabem ainda os leitores quais são os novos ministros.

- Nem eu!

Quem é aquele sujeito que ali vem, suando por todos os poros, esbarrando-se nos grupos, e que procura desvencilhar-se dos indivíduos que o perseguem, dizendo-lhes:

- Não sei o que há, senhores; deixem-me, deixem-me pelo amor de Deus!

É um repórter. Já embarcou em dez tilburis e em outros tantos bondes, não dormiu toda a noite, e daria, certamente, um ano de vida para saber aquilo que nem os leitores nem eu sabemos.

O belo sexo também toma parte ativa nesse movimento.

- Tomara já ver este ministério organizado.

- Eu estou pelos cabelos!

- E eu então?! Há dois anos que meu marido está desempregado, e que nós vivemos no...no...Como se chama aquilo, menina, que teu pai fala todos os dias lá em casa?

- No ostracismo, mamãe.

- É isto mesmo. Quando penso que aquele malvado demitiu o Luís por causa das eleições de Santa Rita...

- Meu marido também foi demitido por causa das tais malditas eleições. Eu, se fosse homem acabava com câmaras, com governo, com liberais, conservadores e republicanos, e reformava este país.

Ai! ai! É o que eu digo, muitas vezes. A minha desgraça é vestir saias.

Os sujeitos que alugam carros, e que são os únicos que não têm política, andam também de um lado para o outro à cata dos sete fregueses que são bons, e pagam à boca do cofre.

Os pretendentes roem as unhas, andam às tontas, e são os que mais perguntam.

Dias depois os jornais publicam a organização do gabinete.

O novo ministério é recebido com hosanas pelos correligionários, e a ferro e fogo pelos adversários.

A cidade volta ao seu estado habitual, e eis aí o que é a política.

Tinha razão um amigo meu, sujeito de vistas largas, quando dizia:

- Eu pertenço ao partido que tem por partido tirar partido de todos os partidos.

(Folhetins, 1878.)

Fonte:
Academia Brasileira de Letras.

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