domingo, 18 de setembro de 2011

J. P Mahaffy (A Literatura na História)

Biblioteca de Alexandria
RARAS vezes é inteiramente apreciado que grande parte da literatura do mundo é a história, de qualquer espécie. O primitivo selvagem é provavelmente a única espécie de homem que nela não toma interesse; deve notar-se que a memória dos mortos é muitas vezes cuidadosamente obliterada por ele a os nomes ou ainda palavras sugerindo os nomes dos seus antepassados, evitados nos seus discursos. Mas logo que uma centelha de civilização ilumina esta treva primitiva, os homens começam a tomar interesse pelos outros homens, não somente no que lhes diz respeito directo, mas além dos limites das suas próprias gerações. O interesse pelo passado a previsão para o futuro, são talvez as essenciais diferenças mentais entre o homem civilizado e o selvagem.

A medida que o cuidado pelo passado a pelo futuro aumenta, toda a literatura se divide entre aquela que diz respeito às forças da natureza a aquela concernente à história do homem. Quase toda a literatura de imaginação parte desta última. Os poemas épicos pretendem cantar a história de heróis. Os poemas trágicos pretendem analisar as suas emoções em algumas grandes crises das suas vidas. Os poemas líricos são interessantes principalmente relatando-nos a história da alma do poeta. Até o romance moderno, que é manifestamente fictício, tem que se basear sobre a história de homens vulgares a buscar a maior parte dos seus enredos a ocorrências das suas vidas. O romance histórico é corno que uma ponte entre as verdadeiras ocorrências do tempo passado e o desejo de saber mais dos motivos, da espécie, do caráter dos atores, dos conhecimentos transmitidos até aos nossos tempos por documentos contemporâneos. Este gênero de romances, quando didático, como por exemplo nos livros egípcios de Ebers, pode ser pouco mais do que um simples relatório de fatos; quando artístico, como nos livros de Walter Scott, pode ser uma obra de Aura fantasia.

Contudo, existe neles sempre o interesse histórico, e é ponto discutível se a história de qualquer criatura inventada a formalmente divorciada dos anais dos homens conhecidos poderá jamais despertar esse vívido a permanente interesse que inspirará sempre a história de homens como Alexandre de Macedônia ou Napoleão. Todo o extenso repertório de ficções aglomerado em volta do nome do primeiro pretende impor-se como história; a vasta biblioteca de livros napoleônicos contém muitíssima fantasia; porém a ficção torna-se de pouco interesse se a compararmos com a história verdadeira dessa extraordinária existência.

Assim, visto a história, na acepção mais ampla da palavra, abranger a maior parte da literatura mundial, deveremos limitar-nos aqui a referir os esforços feitos por escritores nos últimos 3.000 anos, para investigar a história de homens que os precederam na vida ou passaram longe deles a existência, ou ainda para nos descrever a sociedade em que eles próprios viveram. Enquanto imperou na imaginação do homem a crença em uma idade de ouro, a de um heróico passado, os anais a os poemas épicos também se ocuparam de um passado incerto a lendário.

A História de Heródoto, justamente considerada a obra-prima de uma nova escola, tentou a narrativa de um formidável combate, cujos pormenores ainda se não haviam apagado na memória dos velhos, e demonstrar ainda as causas que levaram a realizar-se este combate. Assim, pela primeira vez se tornou importante a parte literária de urna obra, em contraste com os anais secos e monótonos ou a simples relação de fatos, adotada pelos escritores a fim de fugirem das fábulas dos contistas para entrar no domínio dos fatos. Porém o antagonismo manifestado nestes anais contra a maneira poética e ornada, tornou-se demasiado forte.

Os homens graves de então enganaram-se como os de agora ainda se enganam;
julgaram que bastava investigar e narrar os fatos cruamente, para haver a história verídica do passado. É quimérica tal ideia; nunca se poderá obter a verdadeira história da humanidade sem a descrição dos homens, das suas paixões e da lógica dos seus sentimentos. O romance histórico aproxima-nos muito mais da verdade dos fatos do que poderá jamais consegui-lo um relatório cronológico. Eis a razão por que o gênio de Heródoto, como o gênio dos historiadores do Velho Testamento, descobriu que os únicos retratos verdadeiros são os que expressam o caráter do retrato e que a perfeição desse retrato depende tanto do pintor como do assunto que ele tenta reproduzir. Os homens e
as mulheres de Heródoto e até os estados e cidades que ele descreve, vivem na nossa imaginação. Ele, mais do que outro qualquer, conseguiu tornar a história da Grécia em assunto de eterno interesse. Neste sentido, Plutarco é o seu único rival. Se não houvesse existido estes dois escritores o público educado de todas as nações europeias teria há muito perdido o contacto com os Gregos, e apenas uma restrita minoria de artistas e estudiosos se interessariam ainda pelas coisas da Grécia.

Se existe a ideia de que Heródoto conserva ainda a obscura tendência de fazer da História um poema épico e que é demasiado pródigo em digressões e pontos de paragem - todavia preciosos! - os gregos fornecem-nos um forte antídoto. Em virtude da curiosa lei que não admite que apareça esporadicamente o gênio literário (como no caso excepcional de Dante), mas antes surja em grupos (como na época de Péricles, Isabel e Napoleão) - temos como grande rival contemporâneo de Heródoto, o historiador Tucídides. Em intencional antagonismo com a livre e fácil palestra do viajante da escola antiga, que se detém com frequência na marcha da sua epopéia imortal, a fim de deleitar os seus leitores com ramalhetes colhidos nos campos da anedota, este outro gênio literário ensina-nos claramente, sem se dignar dizê-lo mais do que uma vez e em uma leve frase, que (na sua opinião) o valor permanente da história consiste, não na parte social ou artística mas sim no progresso dos movimentos políticos, nos conflitos dos grandes princípios em que se amoldam o caráter e as condições das nações. Para ele a guerra entre Atenas e Esparta, até nas suas mais insignificantes e monótonas insurreições, é bem mais importante do que a escultura de Fídias, a poesia de Sófocles, a arquitetura de Ictinos e de Mnesicles. Para ele, como para um grande número de historiadores modernos - desde Macchiavelli até Seeley - a política domina o mundo e portanto a história política excede a todas as outras em interesse e em valor.

Será possível, todavia, que algum pensador, vivendo em certo meio e tomando parte nos debates políticos do seu tempo possa dar-nos uma relação objetiva do que em volta dele se passe? É isto que Tucídides pretende fazer; e soube tão bem ocultar a sua parcialidade, com a sua seriedade e afetada exatidão, que o seu gênio literário tem-se imposto no mundo dos eruditos desde então até aos nossos dias. Sabemos agora que a sua subjetividade não era menos dominadora do que a de Heródoto. Estava porém disfarçada, como a subjetividade de um grande pintor se disfarça - para a maioria vulgar - sob a fidelidade do retrato que executa. É provável que os contemporâneos de Rembrandt insistissem na exatidão com que ele reproduzia os seus burgomeisters, as suas velhas e os seus judeus. Nós, hoje em dia, avaliamos os seus quadros não como retratos fiéis, mas como a expressão do gênio do pintor. Ora, o mesmo nos acontece com a História de Tucídides. Se Heródoto é um Van Dick, que nos oferece uma galeria das personagens da Hélada e da Ásia, Tucídides é o Rembrandt que representa o seu próprio povo, embora seja rude e feio, com toda a energia e vigor do seu sombrio gênio.

Assim são eles dois protótipos imortais até entre os Gregos, nossos mestres, porque
ao lado deles todos os seus sucessores parecem fracos. Xenofonte possui toda a técnica de um artista historiador: falta-lhe porém a energia de caráter, a subjetividade que produz a harmonia de uma obra transcendente. Políbio é dotado da subjetividade e do forte caráter de um historiador, mas é tão deficiente a sua técnica, que se encontra esquecido por todos.

Não deixa de ser interessante inquirir até que ponto se manifestam estes eternos contrastes nos grandes escritores que têm conservado aceso, em tempos modernos, o luminoso facho da história artística; porém é demasiado vasto o assunto para que nos seja aqui permitido fazer mais do que algumas ligeiras reflexões gerais. A solidariedade da Europa, as miríades de relações dos grandes reinos em constante comunicação uns com os outros, tornaram tão imensa a tarefa, que nenhum cérebro humano pode encher a tela completa da história contemporânea, com um quadro adequado e harmonioso.

Assim a Europa de Alison tinha de ser um fracasso como grande obra de arte e nenhum verdadeiro gênio histórico teria tentado escrevê-la. A única história contemporânea do autor ocupando um elevado lugar na Arte é a que se publica sob a forma de Memórias, como as de St. Simon ou de Boswell, que a refletem dia a dia à superfície de uma sociedade interessante. Aqueles que têm demonstrado verdadeiro talento como historiadores em tempos modernos, escolheram épocas dos séculos passados, em que existiram caracteres e factos de bastante importância, para não deixar de interessar ainda hoje o espírito do mundo civilizado.

O primeiro entre os historiadores ingleses foi Gibbon, o Heródoto dos tempos modernos pela amplitude do assunto, pela clareza da compreensão e pela riqueza da fantasia. É porém inferior a Heródoto como artista, tornando-se tão excessiva a pompa artificial do estilo, que chega frequentes vezes a distrair da narrativa a atenção do leitor; enquanto o velho grego havia atingido o elevado grau em que a arte se assemelha à natureza pela sua aparente simplicidade e total ausência de afetação. Apesar disto a história de Gibbon é uma grande e permanente obra de arte, que nunca será excedida pelas produções mais pragmáticas dos modernos escritores. Servia-lhe de lema o velho princípio clássico que exige ao historiador imaginação rica e fácil eloquência.

Depois do Decline and Fall de Gibbon, entre as histórias escritas na língua inglesa deve figurar, tia minha opinião, a História da Grécia, de Grote. Assemelhando-se a Tucídides, na forma grave e sóbria, na exclusiva tendência para a política, no mal velado desejo de refutar os pontos de vista dos seus predecessores, Grote carecia contudo de hábil retórica e ainda mais daquela maravilhosa concisão, que torna tão impressionante a narrativa de Tucídides.

É, de fato, na sua forma de parafrasear os seus antigos modelos, que Grote mais brilha; mas, apesar de se haver chamado à sua história um enorme panfleto de radicalismo filosófico, a sua latitude, a sua ciência, a conscienciosa forma por que procura todas as fontes de informação, fazem destacar a sua História da Grécia, acima de muitas outras histórias mais curtas produzidas por eruditos europeus. É que ele não foi apenas erudito, foi também político; sabia como se podem evitar contradições teóricas em uma constituição, por meio de transições práticas, e se cuidava pouco de arte, de arqueologia e, em geral, da nota pitoresca do assunto de que tratava, pode contudo ainda ser utilizado para corrigir a falta de conhecimentos políticos, tão frequentemente demonstrada pelos historiadores profissionais de França e da Alemanha.

As investigações dos alemães e o espírito brilhante do franceses não produziram qualquer obra de valor igual às de Gibbon e Grote, apesar de haverem contribuído para a história com excelentes e até grandiosos elementos. Entre as produções alemãs, na minha opinião destacam-se duas: a História Romana de Mommsen e as histórias de Atenas e de Roma, por Gregorovius. Ambas são tratadas com uma perfeição de estilo geralmente desusada na Alemanha e são ambas monumentos de notável e exatíssima erudição. No livro de Mommsen esta erudição acha-se - para assim dizer - encoberta pela ausência de notas no fim da página e ainda mais por uma petulância de estilo que parecia indicar um certo faciosismo sobre algumas questões políticas de capital importância. Esta suspeita, originada pelo estilo desse livro notável, podia ser confirmada fazendo-se uma cuidadosa investigarão acerca das autoridades em que ele se apoia. Por outro lado, o conhecimento dos estudos especiais de Mommsen demonstra o gigantesco poder de que dispunha na arte de coligir elementos para a história. Niebuhr, o mais notável dos predecessores destes homens, apesar de ser autor de um método novo, como escritor não soube ser grande bastante para manter a sua situação contra os competidores modernos. Apesar disso os sucessores dele, excetuando Mommsen, serão pessoas muito respeitáveis, mas não são com certeza artistas de valor. Muitos deles são eruditos de primeira ordem; porém isso aqui não vem ao caso.

Como seria de esperar da parte de uma nação que produz tão excelente prosa, a França deu-nos uma série completa de eminentes historiadores, mas foi talvez devido ao elevado nível do seu estilo que nenhum deles conseguiu obter supremacia sobre os colegas. Guizot, Taine, Thiers, Renan, Montalembert, Henri Martin e muitos outros têm-nos oferecido brilhantes exposições de várias épocas na história europeia; raras vezes, porém, conseguem libertar-se dessa subjetividade que caracteriza os franceses e prejudica a sua autoridade como juízes em assuntos históricos. Além disso, existe na maioria deles a visível preocupação do estilo, o desejo de dizer coisas brilhantes que tende mais a deslumbrar o espírito do leitor do que a iluminar o assunto de que tratam. É de crer que qualquer deles seria mais facilmente substituído do que Tocqueville, cujos estudos sobre a democracia são contudo antes exemplos de política do que de história.

Mas estas generalidades acerca de historiadores estrangeiros tornam-se pouco valiosas sem mais amplas justificações. Ocupemo-nos novamente dos escritores ingleses que tornaram célebre o século actual, e mesmo a presente geração, pelos seus estudos históricos. Entre os que mais sobressaem há dois americanos - Motley, o historiador do período mais notável da história holandesa, e Parkman que, numa tela de menores dimensões, mas com pincel seguro, nos descreveu a prolongada contenda entre a França e a Inglaterra, pela posse da América do Norte. Na nossa Inglaterra, acabam de desaparecer dois homens eminentes, apresentando tais contrastes, que merecem ser discutidos e comparados: estes homens chamaram-se Freeman e Froude.

Este último era um grande escritor, e possuindo ainda uma brilhante imaginação – faculdade esta que pode ser censurável em um historiador mas que se torna completamente indispensável para sua grandeza. Assim, apesar de haver sido acusado de muitas inexatidões, a sua compreensão e perspicácia tornaram-no frequentes vezes tão acertado nas considerações, que não posso deixar de o julgar um historiador muito superior a Freeman, seu adversário e crítico. Este, embora possuísse em mais elevado grau a ciência de investigar, e fosse muito mais exato nos pormenores, serve-se de um certo estilo grosseiro que afastará dele os leitores. Além de ostentar constantemente e com pedantesco orgulho a sua erudição, ainda afirma ou dá a entender com insolência a inferioridade dos que trabalham no mesmo campo. Desvia-se da sua História das federações gregas a fim de escrever notas sobre Napoleão III, que poderiam ser escritas por Vítor Hugo. Assim, apesar da sua grossa ciência, dos seus conhecimentos acerca da história do mundo, das suas cuidadosas investigações, Freeman será esquecido, quando ainda for lido o brilhante e gracioso Froude, que falará a milhares ele leitores, enquanto aquele já apenas o escutam algumas dezenas de ouvintes. Assim, também, os mestres do povo inglês na história são antes Shakespeare e Walter Scott do que o bispo Stubbs ou sir John Seeley, porque é esta a forma extrema do contraste entre o escritor pitoresco e o laborioso investigador. Sei que é regra entre os discípulos da escola de investigação negar-se qualquer mérito ou valor como historiadores aos escritores imaginativos.

Todavia, sustento a opinião de que para cada pessoa que arranjou alguns conhecimentos acerca de Luís XI, rebuscando-os entre crônicas contemporâneas, existem dez mil que obtiveram dele uma ideia mais geral e verdadeira pela leitura de Qentin Durward ou de Notre, Dame de Paris. Devo acrescentar que não é fácil tarefa interessar o público vulgar na leitura histórica e have-lo conseguido representa um grande passo na civilização moderna.

Ocupando um lugar intermédio entre Froude e Freetnan, coloco os meus dois amigos pessoais, Green e Lecky, os quais me aventuro a considerar como os mais populares escritores de história que a Inglaterra produziu depois de Gibbon. Green faleceu antes de poder dar a sua medida. Lecky é ainda hoje uma figura proeminente em Inglaterra; mas é considerado mais político do que historiador, visto ter trocado o estudo pelo Senado, e substituído a vida contemplativa pela atividade prática.

É pouco provável, portanto, que ele nos apresente um novo livro de história. Contudo, os oito volumes da sua História de Inglaterra no Século XVIII, já apresentariam suficiente e ampla confirmação do seu gênio, ainda que os não houvessem precedido esses outros notáveis volumes sobre a história da cultura europeia, que tornaram conhecido e popular o seu nome por todo o império britânico. Pode ser posto em dúvida se o estilo acabado e leve de Lecky iguala o de Froude, ou se as suas investigações podem ser comparadas as de Freeman; contudo. ele reúne qualidades que eles não possuíam e portanto pode ser classificado acima deles por tino crítico independente. Torna-se talvez impossível a qualquer escritor escrever com o brilhantismo de Froude, se quiser escrever com judiciosa serenidade, se for indulgente para com os seus adversários, esforçando-se pela imparcialidade em controvérsias políticas. A narrativa de Lecky não se assemelha ao impetuoso Áufido, que arrasta homens e gado nas suas inesperadas cheias; parece-se mais com o tranquilo Líris, que vai lentamente desgastando os outeiros com a sua mansa corrente.

Mas, por muito bem que Lecky saiba avaliar quanto é necessária a eloquência na confecção da história, sa igualmente subordiná-la aos seus propósitos. Nos últimos dois volumes, que relatam a revolta irlandesa de 1798, ele, convencendo-se de que era pouco provável que alguém tratasse novamente desses factos, pôs de parte beleza da sua obra, a fim de nos fornecer uma compilação de todas as mais fidedignas notas contemporâneas, transcritas com as próprias palavras das autoridades que cita. Assim, estes valiosíssimos volumes dão-nos pouco mais do que um catálogo de extratos, compilados e expresso com cuidado e perícia, aliadas a uma modéstia que o torna ainda mais admiráveis. Podem, portanto, ser imparcialmente apreciados, mais como prova real do seu espírito investigador, do que do seu estilo, além de demonstrar-nos que, longe de ser o escravo deste, sabe subordiná-lo, a fim de atingir mais elevados fins. E contudo, se o livro fosse todo escrito sob essa forma, teria sido apenas lido por estudiosos especialistas e não por toda a gente.

João Ricardo Green foi um homem notável de outro tipo, e o seu único volume sobre o progresso e a educação do povo inglês logo atingiu e conserva ainda uma excepcional popularidade; mas assim como este livro não foi executado na larga escala do Século XVIII de Lecky, também nos dá ideia de uma menos cuidada investigação. Por exemplo, o relato de operações militares é manifestamente feito por forma tão superficial que não elucida bem o leitor. Jamais saberia descrever uma batalha como sir G. Trevellyan (que poderia figurar entre os nossos primeiros historiadores se não fossem as distrações de política partidária) descreveu recentemente a de Bunker's Hill. Por outro lado, as suas narrativas de movimentos populares, como por exemplo, a que trata da reação do povo abandonando o Protetorado para abraçar a antiga soberania, são das mais brilhantes páginas que existem na literatura histórica inglesa.

Não há lugar neste estudo para a filosofia política -` para a história das ideias, independentemente das realizações políticas, como as de Mr. Lecky, acima mencionadas. Não deporei, contudo, a minha pena sem afirmar que em uma dessas obras - o imenso fragmento da vasta concepção de Buckle sobre a civilização da Europa – encontrei maior estímulo, mais sugestão, mais incitamento à reflexão e ao estudo do que jamais encontrei em livro algum do nosso tempo. Não conheço tão pouco outra obra que a possa substituir completamente na educação intelectual de um historiador. Esta confissão é apenas pessoal; outros homens haverá que não aceitariam Buckle, levados por outras considerações. Green começou a concentrar a sua atenção na história por uma mera casualidade. Sendo ainda rapaz, foi felicitado, por ter ganho um prêmio, por um velho professor-mor do colégio da Madalena, que lhe disse:

"Lembra-te que esta mão que agora apertas, já foi apertada pela mão do grande dr. Johnson".

E quantos outros homens haverá a quem uma casualidade, muitas vezes trivial em aparência, desperta faculdades dormentes? Se me for permitido citar o meu próprio caso, direi que a libertação de trabalhos escolares, a falta de ocupações suficientes e o acaso que me deparou um volume da Grécia de Grote, foram as causas determinantes que me impeliram, aos quatorze anos, para o estudo da história clássica, não obstante faltarem a Grote tanto a imaginação com eloquência tendentes a atraírem as atenções de uma criança. Todavia ambas estas qualidades existem no livro: sob a forma de uma clareza extrema, quando trate de descrições complicadas; em impressiva gravidade nas lições políticas, e em um certo tom geral digno e ponderado, que só um escritor de mérito pode atingir. Os homens variam nas suas predileções e nos seus gostos mas a história fornece uma galeria de tipos e de variedades suficientes para satisfazer todas as formas de inteligência por muito elevadas que sejam; pois acaso não é ela, segundo as eloquentes palavras de Cícero:

Testis temporum, lux veritatis, vita memoriae, magistra vitae, nintia vetustatis?

Fonte:
Suplemento Literário “Portal dos Sonhos” n.4 junho de 2002 – Elaborado pela ALIUBI – Associação dos Literatos de Ubiratã – Presidente: Odair Roberto da Silva; Vice Presidente: José Feldman. Ubiratã/PR: TV Aymoré.

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