terça-feira, 4 de setembro de 2012

Prof. Garcia e Zé Lucas (Peleja em Martelo Agalopado) Parte 1

Pela Internet, entre os Poetas e Trovadores Francisco Garcia de Araújo (Prof. Garcia) e José Lucas de Barros.

Início em 22.07.2012 – Término em 29/7/2012.

01 - Prof. Garcia
Já falei do sertão, falei do mar,
da floresta e do espaço eu já falei,
as montanhas e os morros já cantei
nem sei mais o que agora eu vou cantar.
Mas o poeta começa a imaginar
e descobre que a fonte da poesia
jorra tudo que a mente humana cria
sem jamais lhe faltar inspiração...
É o milagre do amor e da razão
que me faz ser poeta todo dia!

02 - Zé Lucas
Pra o poeta encontrar a poesia,
basta o canto febril de um rouxinol,
ou os raios de ouro do arrebol,
registrando o nascer de um novo dia;
um olhar nas belezas que Deus cria
também deixa um poeta motivado;
uma grata lembrança do passado
tanto acorda a saudade como inspira;
mais o som peregrino de uma lira,
e está pronto o martelo agalopado!

3 - Prof. Garcia
Quando eu vejo um sapinho acocorado
na lagoa bem cedo inflando o papo,
é porque da garganta desse sapo
vai sair um martelo agalopado.
Eu me ponho a pensar quase assustado,
como um sapo também tem voz tão boa,
pois percebo no canto que ele entoa
que há um feitiço que encanta a saparia,
cada verso que faz tem mais poesia
do que a voz do restante da lagoa!

4 - Zé Lucas
No remanso tranquilo da gamboa,
cai no rio e se anima o pescador,
na esperança de um peixe lutador
que, na linha do anzol, puxe a canoa;
remo solto, segura-se na proa,
porque sabe os segredos de seu rio
e não foge jamais ao desafio,
visto que água no chão é mão na luva...
Essas cenas ocorrem quando a chuva
cai na terra do sol e espanta o estio.

05 - Prof. Garcia
O carão canta triste em desvario
quando a chuva se ausenta e vai embora,
é a tristeza do canto de quem chora
no murmúrio de um grande desafio.
Sertanejo, sem chuva, é por um fio,
que ele escapa o rebanho da vivenda,
tudo quanto produz é uma oferenda
contra a fome feroz que se aproxima,
o campônio jamais se desanima
e é feliz no terreiro da fazenda!

06 - Zé Lucas
Vi a cana espremida na moenda,
vi os bois sonolentos na almanjarra,
na qual já trabalhavam quando a barra
da manhã lourejava na fazenda;
e o engenho, que há muito virou lenda,
tinha cheiro de mel e rapadura,
mas o tempo mudou... Já não se apura
uma simples batida, ou alfenim.
No sertão, isso tudo levou fim,
mas a dor da saudade ninguém cura!

07 - Prof. Garcia
Nem o canto feliz da saracura
que cantava em lagoa e pantanais,
eu escuto nos velhos mofumbais
que abrigavam tão bela criatura.
Se o destino ou a própria desventura
prescreveram tristonha profecia,
meu sertão chora a dor de cada dia
lamentando o passado que se foi,
e a toada do meu carro de boi
era a orquestra mais linda que se ouvia!

08 - Zé Lucas
Não me esqueço do som da cantoria
nos alpendres de antigos casarões,
com sextilhas, martelos e mourões
recheados de nítida magia;
era um mundo encantado de poesia
que abracei desde minha tenra idade,
tradição nordestina de verdade
que não pode morrer nem fraquejar
porque é muito querida e popular,
mas mudou-se do campo pra cidade!

09 - Prof. Garcia
Nos sortudos perfis da mocidade
no terreiro da antiga fazendola,
escutei cantadores de viola
repentistas com muita habilidade.
mas o tempo com vã fugacidade
desfez logo o meu velho apostolado,
me deixou na fazenda abandonado
como quem diz adeus e vai embora,
e até hoje a fazenda ainda chora
relembrando a viola do passado!

10 - Zé Lucas
Neste nosso martelo agalopado,
imitamos os mestres da viola,
muito embora sejamos de outra escola
que não lida com o verso improvisado,
mas respeita o formato desenhado
pelos grandes artistas do repente.
Nós também nos servimos da vertente
dessa viva poesia nordestina,
que não tem pretensões, porém domina
a cultura mais bela do presente!

11 - Prof. Garcia
Nosso velho rojão é tão dolente
que as estrelas marejam no infinito,
chora a imagem pintada no granito
nos instantes finais do sol morrente;
as estrelas fulguram no nascente
e a montanha se cobre de beleza,
para ouvir a canção da singeleza
que o poeta verseja e não vacila,
cada verso é uma estrela que cintila
no universo da santa natureza!

12 - Zé Lucas
O improviso, que é sempre uma surpresa,
é o momento supremo da emoção
de quem logra ter grande inspiração
para encher a poesia de beleza;
uma estrela distante, com certeza,
manda um sonho de ouro pra o poeta,
que se sente tocado de uma seta
no recinto da lógica e da mente;
brilha logo a faísca do repente
e um poema, em segundos, se completa.

13 - Prof. Garcia
No repente, ninguém traça uma meta,
mas é bom que um roteiro a gente trace,
pois do nada, um improviso sempre nasce
e a beleza da vida se completa.
Não precisa que seja em linha reta,
pode ser por caminho tortuoso,
pois o verso sofrendo é mais famoso
aos primeiros suspiros da manhã,
quando o sol salpicando o morro e a chã
torna o verso mais belo e mais formoso!

14 - Zé Lucas
Quem trabalha precisa de repouso
pra suprir os efeitos do cansaço,
pois o esforço medido a cada passo
nunca pode tornar-se tão penoso;
nosso tempo é tesouro precioso,
como o próprio bom senso nos revela...
Desperdício das horas, sem cautela,
leva a perdas e danos sem medida
e ao desgaste das dádivas da vida,
desta vida que é curta, mas é bela.

15 - Prof. Garcia
Quando escuto o bramido da procela
e os gemidos do mar, quando se alteia,
eu respeito o furor da maré cheia
e a bravura do mar que se encapela.
Fica mais perigoso o barco à vela
do que a nossa chalana pantaneira,
que é mais leve, mais dócil, mais faceira,
onde as ondas são todas pequeninas,
me lembrando as canoas nordestinas
sossegadas na paz da ribanceira!

16 - Zé Lucas
No sertão, uma linda fiandeira
foi Maria Isabel, minha vovó,
que viveu no calor do Seridó
comandando uma roca de madeira;
punha os pés pequeninos numa esteira
fabricada com arte e paciência;
sempre estava na pobre residência
dando a bênção a adultos e guris...
Viveu quase cem anos, tão feliz,
com o novelo dos fios da existência!

17 - Prof. Garcia
Minha avó também teve competência,
com seu fuso na mão, foi de primeira,
também tinha uma roca de madeira
que lhe deu o sustento, e deu vivência.
Enedina, um sinal de resistência,
não sentia o torpor da nostalgia,
na pobreza do campo onde vivia
resistiu aos insultos da escassez,
mas viveu com ternura e sensatez
encantada com tudo que fazia!

18 - Zé Lucas
Desde a infância alguns versos eu já lia:
comecei pelas glosas de Nicandro,
mergulhei nos romances de Leandro,
que fazia cordel com poesia;
lendo Chagas Batista, eu descobria
o cangaço do solo nordestino,
com as grandes façanhas de Silvino,
que era o "Rifle de Ouro" respeitado...
Dos delitos, enfim foi indultado
por Getúlio, abrandando o seu destino.

19 - Prof. Garcia
Eu não posso esquecer de Jesuíno,
homem forte, disposto e valentão,
que lutou nas caatingas do sertão
contra a própria injustiça do destino.
Vingativo, mas nunca foi cretino,
foi mais um respeitado cangaceiro...
Todos dizem que foi mais justiceiro,
do que injusto, naquilo que fazia.
Jesuíno Brilhante procedia
ao contrário do injusto trapaceiro.

20 - Zé Lucas
No Nordeste, o mais duro cangaceiro,
Virgulino Ferreira, o Lampião,
assombrou todo o povo do sertão
com seu rifle temível e certeiro;
tinha fama de bravo bandoleiro,
pois, de fato, era intrépido e valente,
açoitava e matava cruelmente,
mas entrou pelo cano em Mossoró:
correu tanto, que as pernas davam nó;
mesmo assim, é um herói pra muita gente!
Fonte:
Zé Lucas

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