quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

George Abrão (O pomar da minha infância)

Era um pequeno pomar, mas a mim parecia enorme, um mundo de cores e de sabores. Havia nele um grande abacateiro, a árvore-rainha, pelo seu porte e magnitude; várias laranjeiras que produziam frutos pequenos e muito doces denominados laranja feijão-cru, nome que nunca entendi, pois se era laranja, como poderia ser feijão? Nunca mais vi esse tipo de laranja por mais que procurasse; uma mangueira que nunca frutificava e onde, certa vez, encontrei uma única manga, bem no alto, e lembro-me que a escondi para mim; um pessegueiro salta caroço cujos frutos, quando maduros, ficavam da cor de mel, deliciosos; e a goiabeira com seu tronco liso, difícil de subir, mas que eu escalava para tirar as goiabas maduras e olorosas. Às vezes, ao mordê-las, eu encontrava meio bicho de goiaba, onde fora parar a outra metade? E a pereira que quando carregava com seus enormes frutos de casca enferrujada e muito duros, chamados de pera d’água. Outra controvérsia nominal, pois se eram d’água deveriam ser moles. Serviam para doce, que minha mãe fazia, assim como de pêssego e goiaba, e guardava em caixetas - pequenas caixas de madeira com tampa de correr.

Mas do que eu gostava mais mesmo era de dois cafeeiros que ficavam um ao lado do outro formando uma espécie de muralha verde, cujas folhas iam até o chão. Certo dia, resolvi passar pela parede de folhas e me deparei com um belo espaço, parecendo uma pequena gruta. A partir daquele dia ali ficou sendo o meu refúgio quando eu queria ficar só ou para me esconder do chinelo da minha mãe. E dentro dele eu me sentia como numa casamata, imune à guerra que imaginava sendo travada do lado de fora. Na minha fértil imaginação ouvia o ronco dos aviões bombardeiros, as bombas explodindo, os tiros de canhão e de morteiro, o ra-ta-tá das metralhadoras, e eu ali, a salvo. Mas do lado de fora se ouvia somente o barulho da algazarra dos sabiás - de peito roxo, de peito branco, coleira -, dos sanhaços –verde e bandeira – no abacateiro; os piados das coleirinhas comendo semente de capim; e o tiziu, pequeno pássaro preto que pousado na cerca saltava verticalmente, batendo as asas e emitindo seu canto característico: “tiziu”.

Mas como tudo o que bom acaba logo, tivemos que nos mudar, sem alternativa. E eu, no dia da mudança, corri até o meu pomar, abracei cada árvore em forma de despedida. Entrei no meu refúgio sob os cafeeiros e reguei o solo com as minhas lágrimas.

Parti, sem olhar pata trás!

Fonte:
Enviado pelo autor.
George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017.

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