sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Nelson Maia Schocair (Nas areias da poesia)


 A RAIZ DA POESIA

O jardineiro planta a palavra,
semente efêmera;
rega o jardim morfológico
e lava as cicatrizes de suas desventuras;

A seiva esverdeada e culta
escorre ao vento lúdico de seu fazer;

Cada novo fruto entorpece
o pássaro de luz
que faz seu ninho no galho
da árvore poética.
Pronto!

O machado crítico se agiganta,
zune no ar
e destrói-lhe a raiz:
Sua obra jaz morta numa folha de papel…
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DÊIXIS

Não pretendo compor anáforas:
remissões são fraquezas contumazes;
Tampouco entendo as catáforas:
o futuro é inexorável surpresa;
Faço êxodo de mim!
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JURAS

Jurei amar, e não cumpri;
Jurei falar, e não calei;
Jurei gerar, e não pari;
Jurei viver, e não nasci…
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NOSSOS SUORES…

Fomos feitos da argila que reveste o campo,
somos revestidos da ramagem que recobre os morros,
estamos recobertos da umidade que brota da nascente,
brotamos dos suores que escorrem das grutas magistrais!
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O MENESTREL E A DONZELA

Bom dia, Santa Donzela,
folgo ver-te com saúde,
airosa, cheirosa e bela,
no dedilhar do alaúde.

Permita-me o atrevimento
de postar-me assim tão perto:
não rogo pranto ou lamento,
mas paixão, de peito aberto.

Trago a ti, em verso, um canto
da amiga cotovia
– perdão, se te causo espanto –
almejo alegrar teu dia:

“Ama a lua o pôr-do-sol
a dor da tristeza errante:
no trinar de um rouxinol,
surge o amor, anjo inconstante…”
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RESPOSTA DA DONZELA AO MENESTREL

Não suporto a tua ausência,
Anjo bom, amor candente,
vivo presa à vil demência
de um pátrio poder ausente.

Rego a flor, e ela morre
– talvez de tédio padeça –
leva-me, presto, socorre,
antes que o jardim feneça…

Sonhei tuas mãos nas minhas,
misto de dor e delícias,
chorei saber que não vinhas
inundar-me de carícias.

Juro aos pés da Santa Cruz
calar o alaúde e o berro:
Ó Senhor, devolve a luz,
ou nas trevas me desterro!
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O PADRE SE APIEDA DA DONZELA

Ouve um conselho, menina:
no inverno morrem as flores…
sofrem poetas a sina…
choram donzelas amores…

Teu pecado Deus perdoa,
não cabe a mim julgamento;
tua dor, no vale, ecoa,
já te escutam o lamento…

Minha filha, faz a prece,
pede aos Anjos proteção;
esse amor que te enriquece,
pode ser-te a perdição.

Se essa estrada é perigosa,
trilha com fé teu caminho:
“Felicidade é uma rosa
que, sem regar, vira espinho!”
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A DONZELA SE CONFESSA AO PADRE DO CONDADO

Santo Padre, hei amado,
sãos instantes de ternura:
por que desejo é o pecado…
minha dor… minha loucura?

De nuvens o sol se cobre,
não muda as fases a lua,
divido o amor entre um nobre
e um plebeu que me ama nua!

Assim gira o carrossel,
todo o tempo, aventureiro:
choro por um menestrel…
durmo com um cavaleiro…

Rezo doze Ave-marias,
jamais finda essa novena:
entorpece as alegrias
o veneno da falena!

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