quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Wanda de Paula Mourthé (Canteiro de Trovas) 3


Alegrias coleciono
neste meu tardio amor.
É na colheita do outono
que os frutos têm mais sabor.
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As correntes de lembranças
me prendem mais ao passado
que o velho par de alianças
num estojo abandonado.
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A seu filho, desde cedo,
ministre a boa lição:
em vez de armas de brinquedo,
ponha um livro em sua mão!
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Desfias os teus queixumes
feito contas de um rosário.
Ladainhas de ciúmes
que me levam ao calvário!
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Eu não persigo a vitória
em relevantes proezas,
mas persigo, sim, a glória
de vencer minhas fraquezas.
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Lembranças de amor desfeito...
Silêncio em horas tardias,
pois tua ausência, em meu leito,
dorme onde outrora dormias.
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Meu coração se comove
por te sentir ao meu lado
quando a saudade se move
entre as sombras do passado.
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Meu diário! Em tuas folhas,
morrem desejos sem fim...
Pago o preço das escolhas
que outros fizeram por mim.
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Meu leito, espaço restrito,
quando abriga teu calor,
se transforma em infinito
na explosão do nosso amor.
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Meus desenganos de amor
na poesia buscam fim:
eu não choro a minha dor...
meus versos choram por mim!
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Navegando nesta vida,
meus anseios não domino,
pois minha barca é impelida
pelos remos do Destino!
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No imenso teatro da vida,
temos de ser bons atores,
porque a dureza da lida
não favorece amadores.
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Nos dissabores da sorte
— não importa o que vier —
a mulher deve ser forte,
sem deixar de ser mulher.
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O Sol, sendo astro galante,
quando a noite se anuncia,
em reverência elegante,
declina, encerrando o dia.
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Pela trilha da saudade,
teu perfume veio a mim
para evocar, sem piedade,
um sonho que teve fim.
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Percebo, com desconforto,
que ainda sou teu vassalo:
nosso passado está morto,
mas não consigo enterrá-lo!
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Perder-te?! Nesse receio,
eu me anulei junto a ti
e, ao viver destino alheio,
a mim mesma me perdi!
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Quando a lembrança faz rondas
ao meu mar de fantasia,
chegas na esteira das ondas
desta saudade vadia...
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Quem dera os povos da Terra,
num esforço pertinaz,
em vez de bolsões de guerra,
tecessem ninhos de paz!
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Se até mesmo com empenho,
tentarem nos separar,
esse receio não tenho;
somos um só... não um par!
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Sem oásis, retirante,
na aridez do teu sertão,
única sombra flagrante
é tua sombra no chão!
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Seu condão de luz prateada,
com a magia que encerra,
faz da Lua a boa fada
que vela o sono da Terra.
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Sou navegante do rio
que tem por fonte a paixão
e deságua, sem desvio,
na foz do teu coração!
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Teu perfume estreita o cerco...
Eu me rendo aos teus abraços.
Que me importa se eu me perco,
quando me encontro em teus braços?
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Um velho colchão de palha...
teus braços... meu cobertor;
não há fortuna que valha
a fortuna deste amor!

Fonte:
Enviado pela trovadora.
Wanda de Paula Mourthé. Com…passos de emoções. Belo Horizonte: Flux, 2013.

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