O relógio da igreja próxima havia acabado de anunciar as dez horas da manhã quando a encantadora mundana Suzete Latour penetrou, nervosa e célere, na risonha "garçonniére" do jovem advogado Silvestre Lobato, que envergava, ainda, àquela hora, o seu felpudo roupão de banho.
- Isto é certo? - indagou a rapariga, estendendo-lhe um jornal com a mão esquerda, enquanto atirava para uma cadeira, com a direita, o seu lindo chapéu de palha da Itália, florido como uma campina pela primavera.
A notícia do jornal era, nada mais, nada menos, do que o noivado do ilustre bacharel com uma senhorita de família distintíssima, chegada recentemente de São Paulo. Sem tocar na folha que a amante lhe estendia, o rapaz respondeu, simplesmente, acendendo um cigarro:
- É.
Essa resposta fria, seca, brutal, desnorteara Suzete. Aquela afirmativa, embora esperada, fora, para ela, um golpe no coração. Fulminada por esse monossílabo, a rapariga segurou-se ao espelho da cama, para não cair. De súbito, porém, subiu-lhe ao rosto uma onda de sangue, e foi vermelha, rubra de cólera, com os olhos brilhantes e os dentes cerrados, que ela, amassando na mão o jornal, rugiu, num desespero de leoa ferida:
- São assim, os homens! Nascem, dizem eles, para o amor, para sorverem, altivos e alegres, todos os gozos da vida. Encontram no seu caminho uma mulher cheia do mesmo sentimento, disposta a conceder-lhes tudo, tudo, tudo, para que eles experimentem, até o êxtase, a glória de viver. Com a alma ardente, ela entrega-se a eles; dando-lhes venturas que eles nunca sonharam, oferecendo-lhes a taça do prazer, da alegria, da felicidade livre, para que a esvaziem, até o último gole. E, no entanto, eles têm vergonha, têm nojo, têm asco dessa mulher, preferindo, a ela, que não esconde os ardores do seu sangue nem os ímpetos do seu coração, a mulher-mentira, a mulher-falsidade, a mulher-simulação, que lhes não entrega nem a alma, nem o corpo, em obediência, unicamente, a preconceitos, a exigências sociais! À mulher que afronta a sociedade, fiel ao seu temperamento preferem eles, covardes diante do mundo, aquelas que não têm coragem para vencer, para atirar longe, em nome do seu amor, a grilheta das conveniências!...
Cabisbaixo, olhos pregados no tapete semeado de flores de seda, o rapaz ouvia, sem um protesto, a explosão daquele cofre de jóias malditas, daquela criatura venenosa, mas admirável, que o guiava, há três anos, pelo complexo labirinto da vida boêmia. E a rapariga continuava a andar, agitada, de um lado para outro do compartimento, passando, nervosa, as mãos finas, alvas, esguias, pelos finos cabelos dourados:
- É bom, mesmo, que eu seja punida. A virtude, para os homens, é a falsidade, é a simulação, é a mentira. Eles não sabem que o amor é incompatível com o pudor, com o receio, com o respeito às convenções, e que ele está, só ele, acima da vida e acima da morte!
E, numa onda de soluços mal sufocados, crispando os dedos:
- Infelizes! Buscam o amor, e onde o encontram, puro e selvagem, fogem dele! Procuram a sinceridade, a lealdade feminina, a mulher que não mente, nem com a sua boca, nem com o seu coração, nem com a sua carne, e, quando querem amparar diante da lei uma criatura, vão buscar aquela que menos conhecem, sem imaginar que a timidez é, nas mulheres, um cálculo, e sem se lembrarem que as mulheres que amam não calculam nem pensam!...
Arrebatada pelas próprias palavras, Suzete limpou os olhos no lencinho de seda, já ensopado de lágrimas, e, na mesma agitação, tomou o chapéu, disposta a partir.
- É a última vez, sabes? Nunca mais me verás no teu caminho. Adeus!
E ia já no rumo da porta, quando ouviu uma voz, que era um gemido:
- Suzete!...
A rapariga voltou-se, imperativa. Sentado na cama, com o rosto molhado de pranto, o rapaz a fitava, olhos implorantes, braços estendidos. Ela fixou-o, severa, e ouviu, então, esta súplica, ou, melhor, este soluço, que era uma capitulação para a vida e para a morte:
- Suzete... Fica!...
- Isto é certo? - indagou a rapariga, estendendo-lhe um jornal com a mão esquerda, enquanto atirava para uma cadeira, com a direita, o seu lindo chapéu de palha da Itália, florido como uma campina pela primavera.
A notícia do jornal era, nada mais, nada menos, do que o noivado do ilustre bacharel com uma senhorita de família distintíssima, chegada recentemente de São Paulo. Sem tocar na folha que a amante lhe estendia, o rapaz respondeu, simplesmente, acendendo um cigarro:
- É.
Essa resposta fria, seca, brutal, desnorteara Suzete. Aquela afirmativa, embora esperada, fora, para ela, um golpe no coração. Fulminada por esse monossílabo, a rapariga segurou-se ao espelho da cama, para não cair. De súbito, porém, subiu-lhe ao rosto uma onda de sangue, e foi vermelha, rubra de cólera, com os olhos brilhantes e os dentes cerrados, que ela, amassando na mão o jornal, rugiu, num desespero de leoa ferida:
- São assim, os homens! Nascem, dizem eles, para o amor, para sorverem, altivos e alegres, todos os gozos da vida. Encontram no seu caminho uma mulher cheia do mesmo sentimento, disposta a conceder-lhes tudo, tudo, tudo, para que eles experimentem, até o êxtase, a glória de viver. Com a alma ardente, ela entrega-se a eles; dando-lhes venturas que eles nunca sonharam, oferecendo-lhes a taça do prazer, da alegria, da felicidade livre, para que a esvaziem, até o último gole. E, no entanto, eles têm vergonha, têm nojo, têm asco dessa mulher, preferindo, a ela, que não esconde os ardores do seu sangue nem os ímpetos do seu coração, a mulher-mentira, a mulher-falsidade, a mulher-simulação, que lhes não entrega nem a alma, nem o corpo, em obediência, unicamente, a preconceitos, a exigências sociais! À mulher que afronta a sociedade, fiel ao seu temperamento preferem eles, covardes diante do mundo, aquelas que não têm coragem para vencer, para atirar longe, em nome do seu amor, a grilheta das conveniências!...
Cabisbaixo, olhos pregados no tapete semeado de flores de seda, o rapaz ouvia, sem um protesto, a explosão daquele cofre de jóias malditas, daquela criatura venenosa, mas admirável, que o guiava, há três anos, pelo complexo labirinto da vida boêmia. E a rapariga continuava a andar, agitada, de um lado para outro do compartimento, passando, nervosa, as mãos finas, alvas, esguias, pelos finos cabelos dourados:
- É bom, mesmo, que eu seja punida. A virtude, para os homens, é a falsidade, é a simulação, é a mentira. Eles não sabem que o amor é incompatível com o pudor, com o receio, com o respeito às convenções, e que ele está, só ele, acima da vida e acima da morte!
E, numa onda de soluços mal sufocados, crispando os dedos:
- Infelizes! Buscam o amor, e onde o encontram, puro e selvagem, fogem dele! Procuram a sinceridade, a lealdade feminina, a mulher que não mente, nem com a sua boca, nem com o seu coração, nem com a sua carne, e, quando querem amparar diante da lei uma criatura, vão buscar aquela que menos conhecem, sem imaginar que a timidez é, nas mulheres, um cálculo, e sem se lembrarem que as mulheres que amam não calculam nem pensam!...
Arrebatada pelas próprias palavras, Suzete limpou os olhos no lencinho de seda, já ensopado de lágrimas, e, na mesma agitação, tomou o chapéu, disposta a partir.
- É a última vez, sabes? Nunca mais me verás no teu caminho. Adeus!
E ia já no rumo da porta, quando ouviu uma voz, que era um gemido:
- Suzete!...
A rapariga voltou-se, imperativa. Sentado na cama, com o rosto molhado de pranto, o rapaz a fitava, olhos implorantes, braços estendidos. Ela fixou-o, severa, e ouviu, então, esta súplica, ou, melhor, este soluço, que era uma capitulação para a vida e para a morte:
- Suzete... Fica!...
Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
Livro em Domínio Público.
Nenhum comentário:
Postar um comentário