sábado, 25 de fevereiro de 2023

Irmãos Grimm (O ouriço do mar)


Era uma vez uma princesa que tinha, no último andar do seu palácio, um salão com doze janelas que davam para todos os pontos do horizonte e de onde podia enxergar todo o seu reino. Da primeira janela via tudo melhor que qualquer outra pessoa; da segunda, com mais nitidez ainda e, assim por diante, em crescente perfeição, até à duodécima, de onde não lhe escapava nada de quanto havia em seus domínios, na superfície ou embaixo da terra. 

Como fosse muito orgulhosa e não quisesse submeter-se a ninguém, desejava conservar para si todo o poder. Mandou apregoar que só casaria com o homem capaz de ocultar-se de tal maneira que ela não o pudesse descobrir. Aquele, porém, que se arriscasse à prova e perdesse, seria decapitado e sua cabeça cravada num poste. O resultado disso é que à frente do palácio já havia noventa e sete postes com outras tantas cabeças neles espetadas. 

Passou-se, então, muito tempo, sem que aparecessem mais pretendentes. A princesa sentia-se satisfeita e pensava: " Agora estarei livre toda a minha vida."

Acontece, no entanto, que surgiram três irmãos dispostos a fazer a experiência. O mais velho acreditava estar seguro metendo-se num poço de cal, mas a princesa o descobriu, já da primeira janela, e ordenou que o tirassem do esconderijo e o degolassem. O segundo escondeu-se no porão do palácio, mas também foi descoberto através da mesma janela e sua cabeça foi parar no poste número noventa e nove. Apresentou-se, então, o mais moço ante a princesa e pediu que lhe concedesse um dia para pensar e mais a graça de repetir a prova por três vezes. Caso fracassasse na terceira, renunciaria à vida. Como era um jovem muito bonito e soube pedir de modo amável, disse-lhe a princesa:

- Bem! Concedo o que me pedes, mas previno-te de que não terás sorte.

No dia seguinte o rapaz pôs-se a pensar num lugar onde esconder-se, mas foi inútil. Sem chegar a uma conclusão, apanhou a espingarda e saiu à caça. Ao ver um corvo, apontou-lhe a arma. No momento, porém, em que ia atirar, a ave gritou:

- Não atires! Eu saberei recompensar-te.

O jovem baixou a espingarda e continuou a andar. Chegou à margem de um lago, onde surpreendeu um peixe grande que subira do fundo à superfície da água. Apontava-lhe a arma quando o peixe exclamou:

- Não dispares! Eu saberei recompensar-te.

O rapaz permitiu que o peixe mergulhasse de novo e continuou seu caminho até que encontrou uma raposa , a qual caminhava rengueando. Disparou a  arma contra ela, mas errou o tiro. O animal, então, lhe disse:

- É melhor que tires o espinho que tenho no pé.

O rapaz atendeu-a, mas depois quis matá-la para tirar-lhe a pele. A raposinha, porém, implorou:

- Solta-me e eu te recompensarei!

Compadecido, o jovem devolveu-lhe a liberdade , como já anoitecia, regressou à sua casa.

No dia seguinte deveria esconder-se, mas por muito que se esforçasse para descobrir um bom lugar, nada encontrou. Foi, então, ao bosque à procura do corvo e lhe disse:

-  Poupei-te a vida; dize-me, agora, onde devo esconder-me para a princesa não me descubra.

O corvo baixou a cabeça e ficou pensativo, por algum tempo. Depois grasnou:

- Já sei!

Trouxe um ovo do seu ninho, partiu-o em duas metades e meteu o rapaz dentro. Em seguida voltou a unir as partes e sentou-se em cima.

Quando a princesa chegou à primeira janela, não pode descobri-lo, e tampouco nas seguintes. Já estava começando a preocupar-se quando, afinal, o avistou da undécima janela. Mandou matar o corvo com um tiro, trazer o ovo e quebrá-lo. O rapaz teve, então, de sair do seu esconderijo.

- Desta vez perdoo-o, mas se amanhã não fizeres melhor, estarás perdido.

No dia seguinte o jovem foi até a margem do lago chamando o peixe, lhe disse:

- Poupei a tua vida; agora, dizer-me onde devo me ocultar para que a princesa não me descubra.

O peixe pensou um pouco e falou:
    
- Já sei!

Disto isto, engoliu o jovem e depois baixou ao fundo do lago.

A princesa olhou pelas janelas sem poder descobri-lo e, mesmo na undécima não o avistou. Já estava desanimada quando, ao olhar pela última janela, conseguiu localizá-lo. Mandou pegar o peixe e matá-lo. Quando o abriram, o jovem saiu de seu ventre. Não é difícil imaginar como ele se sentiu naquele momento. Disse-lhe a princesa:

- Pela segunda vez te pouparei a vida, mas não resta dúvida que a tua cabeça irá parar no poste número cem.

No último dia o rapaz saiu para o campo, com o coração cheio de tristeza e ali encontrou a raposa.

- Tu que conheces todos os esconderijos, - disse-lhe ele, - indica-me, já que te poupei a vida, onde devo ocultar-me para  que a princesa não me encontre.

- É difícil, - respondeu a raposa com ar pensativo. Depois exclamou:

- Já sei!

Foi com ele a uma fonte, onde ela se banhou e, quando saiu das águas, tinha a figura de um mercador. Depois o rapaz teve de banhar-se, também e reapareceu transformado em ouriço do mar. 

O comerciante foi à cidade onde exibiu o gracioso animalzinho e muita gente reuniu-se para vê-lo. Até a princesa apareceu e, encantada com ele, comprou-o do comerciante por bom dinheiro. Antes de entregá-lo, o homem disse ao ouriço:

- Quando a princesa for à janela, esconde-te embaixo de suas tranças.

Ao chegar a hora de procurá-lo, a jovem foi a todas as janelas, uma após outra, sem poder descobri-lo e, desta vez, nem na duodécima conseguiu avistá-lo. Ficou, então, amedrontada e furiosa ao mesmo tempo. Bateu de tal forma com a janela que os vidros de todas elas se partiram em mil pedaços. Em seguida saiu da sala e, notando de repente a presença do ouriço do mar embaixo de suas tranças, arremessou-o ao chão, gritando:

- Sai das minhas vistas!

O animalzinho saiu correndo a procurar o mercador e, juntos , voltaram à fonte. Banharam-se de novo nas águas e recuperaram sua antiga aparência. O jovem agradeceu à raposa, dizendo:

- O corvo e o peixe, coitados, foram uns bobos comparados contigo. Não resta dúvida que és a mais esperta.

O jovem, então, apresentou-se no palácio, onde a princesa o aguardava, já resignada com a sua sorte. Celebrou-se o casamento e ele passou a ser o rei e senhor de todo o reino. Nunca, porém, revelou à esposa onde se havia escondido na terceira vez, nem quem o ajudara. E assim ela viveu sempre na crença de que tudo fora resultado da inteligência do marido. Isso contribuiu para que lhe tivesse muito respeito e pensasse: " De fato, ele é mais esperto do que eu.”

Fonte:
Contos de Grimm. Publicados de 1812 a 1819. 
Conto em Domínio Público.

Nenhum comentário: