sábado, 6 de janeiro de 2024

Caldeirão Poético LXXV


Luiz Pistarini
Resende/RJ, 1877 – 1918

À MINHA MÃE

Morta sublime! Ó minha Santa Morta!
Há quanto tempo já que te pranteio!
Que o teu carinho me não mais conforta,
nem mais me abrigas no teu casto seio!

Ah! lembro-me ainda bem! segundo creio,
pequenino, eu brincava ao pé da porta;
e, ao ver-te no caixão de flores cheio,
mãe! nem sonhava que estivesses morta!

Mas um dia passou... um mês... um ano...
e dois... e três... e mais... e, ó desengano!
nunca mais me beijou teu lábio amigo!

Não te vi nunca mais! E, na orfandade,
clamo, agora, nas trevas, com saudade:
— Mãe! por que foi que não morri contigo?...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Mariná Valentim de Moraes Sarmento
Santa Maria Madalena/RJ, 1908 – 2003

IMPOSSÍVEL

Passaste como passa uma aventura,
ficaste como fica uma saudade;
irás como quem busca a eternidade,
guardei-te como sonho de ternura!

E que dizer do quanto de doçura
deixaste em mim com tal sinceridade?!
E que dizer de ti, se é só verdade
o quanto que me deste de candura?

Não te perdi, porque tu não viveste
o mundo de ilusão, que em mim prendeste,
e perderia se jamais guardasse

o que jamais de ti esqueceria;
e assim passando, nunca chega o dia,
que te esquecendo, teu amor voltasse!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Nabor Fernandes
Valença/RJ, 1910 – ?

RECORDAÇÃO DA INFÂNCIA

Saí pela manhã... O sol se erguia
no píncaro do monte descalvado:
a brisa matutina sacudia
levemente o capim do verde prado.

Parei junto a uma casa: parecia
do tempo de menino descuidado,
ouvindo a juriti que desferia
seu canto doloroso e compassado.

Não posso definir o sentimento
que da alma se apossou, nesse momento!
Vi minha mãe, lembrei de seus carinhos,

vi meus irmãos, a casa, a relva, o monte,
o mesmo sol se erguendo no horizonte,
cantando no arvoredo os passarinhos!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Othon Costa
Rio de Janeiro/RJ, 1905 – ?

SE O RETRATO FALASSE...

Talvez, já não te lembres, mas um dia
eu te encontrei beijando ardentemente
aquele meu retrato, confidente
dos teus raros momentos de alegria.

Comovido, vaidoso, compreendia,
nesse episódio simples e inocente,
que por certo eu vivia assim presente
no retratinho meu que te seguia.

Então, aproximei-me e, em galanteio,
disse, enquanto o retrato no teu seio
escondias, sorrindo jovial:

— Se esse retrato, meu amor, falasse,
ainda há pouco talvez te aconselhasse
a beijar neste instante o original...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Pedro de Alcântara Worms
Rio de Janeiro/RJ,   ? – ? 

ALMOÇO DE NOIVADO...

"Bom partido", daí dona Consuelo
dar banquete ao noivado de Tereza,
usando essa conversa já modelo:
— ... “a noivinha é quem fez a sobremesa...”

E que celebração!... Quanto desvelo!...
Foi tudo do melhor e com largueza,
não houve um só senão... um atropelo,
até aquele instante — que beleza!...

A hora do brinde, o noivo, empanturrado,
elogia, gentil, o lauto almoço:
— ... "mas eu nunca comi com tal agrado,

mesa assim nunca vi!...” E, num endosso,
diz o filho caçula ao convidado:
— ... "nós também nunca viu, assim, seu moço!...”

Fonte> Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

Nenhum comentário: