terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Dorothy Jansson Moretti (Trovas ao entardecer) – 7

A flor, de orvalho luzindo,
em minúsculas centelhas,
aos raios do sol se abrindo,
faz seu convite às abelhas.
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Altiva, entre seda e brilho,
desfilas na passarela,...
sem ver que o amor, maltrapilho,
ruma estrada paralela.
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A madressilva enroscada
do coreto à grade mestra,
é "tiéte" muda, extasiada
às mil cambiantes da orquestra.
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A vida, lição preciosa,
em conceito vário e certo,
contrapõe a espinho em rosa,
flor nas pedras de um deserto.
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Chego ao fim e em realidade,
não sei que rumo tomar -
Seguir, matando a saudade,
ou deixando-a me matar.
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Das alegrias passadas
que o tempo ingrato perdeu,
guardo lembranças mofadas,
relíquias do meu museu.
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Estrada velha e pressaga.
De rude casebre à porta,
desfia a saudade a saga
de sua esperança morta.
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Estranha sorte a da orquídea!
tão bela e tão desejada,
curvar-se à eterna perfídia,
vivendo a um tronco amarrada!
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Eu me faço de blindado:
"Amor? Bobagem! Pieguice!"
(Meu medo é que, apaixonado,
eu me envolva na... tolice).
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Gauchada hospitaleira
tem sobre o fogo de chão,
sempre a "caliente" chaleira
do acolhedor chimarrão.
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Goteja quieta a caverna,
sem cansaço, sem limite,
a erguer, na abstração eterna
sua eterna estalagmite.
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Guris brincando na praça...
Lá do alto espia a lua;
e a procissão, lenta, passa...
Que saudade, minha rua!
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Minha dúvida de outrora
só me deu felicidade;
a amargura veio agora,
no tormento da verdade.
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Mira o gaúcho as urtigas
das Missões... e ao céu azul
murmura as preces antigas
do seu Rio Grande do Sul.
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Num adágio popular
nos encanta a alegoria
tão singela e a revelar
tão vasta sabedoria!
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Num sussurro de acalanto
minha mãe põe-se a rezar,
e junto ao nome do santo,
ouço-a meu nome invocar.
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O dourado no poente
do sol a se despedir,
é como a alma da gente,
driblando a mágoa a sorrir.
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Os reveses de costume
tão calma, enfrenta Maria,
que lhe chamam (e ela assume)
o nome de... cal-Maria.
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O sol descobrindo o manto
de bruma que envolve a serra,
reprisa a cena de encanto
no espetáculo da Terra.
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O teu perfume discreto,
assim como quem não quer,
disfarça um grito concreto:
"Eis-me aqui! Eu sou mulher!"
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Progrediu minha cidade...
Da magia do lampião
restou somente a saudade
de um romântico clarão.
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Quando a noite desce o manto
e mais escura se faz,
mais me achego ao acalanto
do lampiãozinho de gás.
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Que não chores a derrota
e o desânimo te traia.
O mar que engole uma frota
é o mesmo que leva à praia.
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Rola o tempo, bom ou adverso,
sem cansaço, sem ceder,
mais velho do que o universo,
sem tempo para morrer.
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Se admitimos o conceito
da "geração liberada",
assumimos que respeito
é coisa morta e enterrada.
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Se questiono o sim e o não
dos lances que a vida oferta,
o silêncio e a solidão
me dão a resposta certa.
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Sinais e placas no asfalto
não impedem que a desgraça
marque seu ponto mais alto
onde um “ás da estrada" passa.
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Ver-te com outro a teu lado,
desfrutando o teu carinho,
"é areia demais" (coitado!)
para o meu caminhãozinho.
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Vivemos longe, é verdade,
mas estejas onde for,
eu chego lá... de saudade,
a ponte aérea do amor.
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Fonte> Dorothy Jansson Moretti. Painel do entardecer. Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2013.
Enviado pela trovadora. 

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