quarta-feira, 2 de abril de 2008

Antonio Aleixo (1849 – 1949)


Que importa perder a vida
na luta contra a traição
se a razão mesmo vencida
não deixa de ser razão

António Fernandes Aleixo, é um autodidata. Este poeta popular algarvio, de vida acidentada e humano, morreu tuberculoso em Loulé. Foi tecelão, emigrante, pastor de cabras e cauteleiro. Percorria as feiras improvisando à guitarra ou vendendo folhas avulsas com quadra e glosas. A sua poesia distingue-se pelo rigor de inspiração e de talhe e caracteriza-se por uma tendência conceptiva de qualidade. As primeiras edições da sua obra, disseminada oralmente, foram promovidas por Joaquim da Rocha Peixoto Magalhães, que recolheu sistematicamente todo o manancial, quer a partir do próprio autor, quer de amigos e conterrâneos.

António Fernandes Aleixo (Vila Real de Santo António, 18 de Fevereiro de 1899 — Loulé, 16 de Novembro de 1949) foi um dos poetas populares algarvios de maior relevo, famoso pela sua ironia e pela crítica social sempre presente em seus versos. Também é recordado por ter sido simples, humilde e semi-analfabeto, e ainda assim ter deixado como legado uma obra poética singular no panorama literário português da primeira metade do século XX.

No emaranhado de uma vida recheada de pobreza, mudanças de emprego, imigração, tragédias familiares e doenças, na sua figura de homem humilde e simples, havia o perfil de uma personalidade rica, vincada e conhecedora das diversas realidades da cultura e sociedade do seu tempo.

Do seu percurso de vida fazem parte profissões como tecelão, guarda de polícia, servente de pedreiro, trabalho este, que emigrado, também exerceu em França.
De regresso ao seu país natal, restabeleceu-se novamente em Loulé, onde passou a vender cautelas e a cantar as suas produções pelas feiras portuguesas, actividades que se juntaram às suas muitas profissões e que lhe renderia a alcunha de "poeta-cauteleiro".

Faleceu por conta de uma tuberculose, em 16 de Novembro de 1949, doença que tempos antes havia também vitimado uma de suas filhas.

Corrente do cancioneiro popular português

O termo "cancioneiro" é, em geral, atribuído à reunião de canções populares; cada uma das coleções da antiga poesia lírica portuguesa e galega, com início entre os séculos XI e XIII, reunidas sob a alçada de reis e príncipes e constituídas por composições de vários autores, de entre homens das diversas classes sociais, é o "cancioneiro" em língua portuguesa mais conhecido.

No Algarve, na primeira metade do século XX, teria irrompido uma poderosa corrente de um novo cancioneiro popular português, a qual recebeu o nome do poeta semi-analfabeto que lhe teria "aberto as comportas": António Aleixo. Quem apontou essa corrente foram o artista plástico Tóssan também autor da imagem supra, e o professor de liceu Joaquim Magalhães, este último o professor do Liceu de Loulé e "descobridor" de António Aleixo, ao qual se deve o registo e publicação da obra do poeta popular algarvio e sua inclusão no sistema literário português.

Estilo literário

Poeta possuidor de uma rara espontaneidade, de um apurado sentido filosófico e notável pela «capacidade de expressão sintética de conceitos com conteúdo de pensamento moral», António Aleixo tinha por motivos de inspiração desde as brincadeiras dirigidas aos amigos até à crítica sofrida das injustiças da vida. É notável em sua poesia a expressão concisa e original de uma amarga filosofia, aprendida na escola impiedosa da vida.

A sua conhecida obra poética é uma parte mínima de um vasto repertório literário. O poeta, que escrevia sempre usando a métrica mais comum na língua portuguesa (heptassílabos, em pequenas composições de quatro versos, conhecidas como "quadras" ou "trovas"), nunca teve a preocupação de registar suas composições. Apenas com o trabalho de Joaquim de Magalhães, que se dedicou a compilar os versos que lhe ditou o poeta no intuito de compor o primeiro volume de suas poesias ("Quando Começo a Cantar", e com o posterior registo pelo próprio poeta com o incentivo daquele mesmo professor, é que a obra de Aleixo recebeu algum registo escrito. Antes de Magalhães, contudo, alguns amigos do poeta lançaram folhetos avulsos com quadras por ele compostas, mais no intuito, à época, de angariar algum dinheiro que ajudasse o poeta em uma situação de miséria que com a intenção maior de permanência da obra na forma escrita.

Estudiosos de António Aleixo ainda conjugam esforços no sentido de reunir o seu espólio, que ainda se encontra fragmentado por vários pontos do Algarve, algum dele já localizado. Sabe-se também que vários cadernos seus de poesia - nos quais era incentivado por Joaquim de Magalhães a registrar seus poemas, já que antes os produzia espontaneamente em suas apresentações em feiras e praças públicas, sem a preocupação de publicação - foram cremados como meio de defesa contra o vírus infeccioso da doença que o vitimou, sem dúvida, um «sacrifício» impensado, levado a cabo pelo desconhecimento de seus vizinhos. Foi esta uma perda irreparável de um patrimônio insubstituível no vasto mundo da literatura portuguesa.

A opinião pública e reconhecidos amigos

A partir da descoberta de Joaquim de Magalhães, o grande responsável por "passar a limpo" e registar a obra do poeta, António Aleixo passou a ser apreciado por inúmeras figuras da sociedade. Também é digno de registo José Rosa Madeira, que o protegeu, divulgou e colecionou os seus escritos, contribuindo no lançamento do primeiro livro, "quando Começo a Cantar" (1943), editado pelo Círculo Cultural do Algarve.

A opinião pública aceitou a primeira obra de António Aleixo com bom agrado, sendo bem acolhido pela crítica. Com uma tiragem de 1.100 exemplares, o livro esgotou-se em poucos dias, o que proporciona a Aleixo uma pequena melhoria de vida, que é ensombrada pela morte de uma sua filha, doente com tuberculose. Desta mesma doença viria o poeta a sofrer pelos tratamentos que vida lhe foi impondo, tendo que ser internado no Hospital – Sanatório dos Covões, em Coimbra, a 28 de Junho de 1943.

Em Coimbra começa uma nova era para o poeta que descobre novas amizades e deleita-se com novos admiradores, que reconhecem o seu talento, de destacar o Dr. Armando Gonçalves, o escritor Miguel Torga e António Santos (Tossan), o artista plástico e autor da mais conhecida imagem do poeta algarvio, amigo do poeta que nunca o desamparou nas horas difíceis. Os seus últimos anos de vida foram passados, ora no sanatório, em Coimbra, ora no Algarve, em Loulé.

Os Derradeiros momentos de António Aleixo:
Caro Senhor Dr. Joaquim Magalhães;
Saúde! E boa vontade!
Este é o rogo do moribundo. Pasmo como ainda lhe sobra vontade para querer alguma coisa.
Deve ter adivinhado que se trata do Aleixo. Ele mandou-me chamar hoje. Fui encontrá-lo medonhamente acabado. Olhou-me quando entrei e creio que lhe faltavam as forças para o fazer mais vezes. Enquanto me falou, - com esforço visível, num sopro enrouquecido, - fitava alguma coisa, longe ou perto com a lividez gelada da última hora. Pasmei como se poderia interessar por alguma coisa.

Falou-me do livro e pediu-me que telefonasse ainda hoje a desistir da publicação. Disse-me que desistia e que com o dinheiro ia dar de comer à família que ultimamente vem passando mal… É claro que lhe tirei isso do sentido; pelo menos fiz o possível dizendo-lhe que não, que isso era mal pensado e que ele tinha a obrigação de pensar (como se já lhe assistisse qualquer espécie de obrigação) na receita que poderia advir do livro em proveito da família, da sua relativa continuidade, etc, etc. Disse-lhe ainda que escreveria ao Sr. Dr. no sentido de apressar o mais possível a impressão do livro, - argumento com que o convenci a não fazer a asneira da desistência. Prometi escrever ao Sr. Ainda hoje e lá o deixei mais ou menos consolado com a ideia de que tudo se iria passar rapidamente, não como seria a nossa vontade mas dentro das possibilidades de que dispomos. Consolei-o dizendo que todas as pessoas que mais ou menos contribuem para a publicação do livro estão a fazer o que podem nesse sentido e com toda a boa vontade - Na verdade, creio que por mais depressa que o assunto se resolva não virá a horas de lhe dar a satisfação que ele vê fugir, - a sua grande e última satisfação. Penso que poucas horas lhe restarão. Demais ele já não come há dois dias. Todo o volume que ele faz no leito não excede o de uma criança de poucos anos. Todavia há que pensar na miséria que o rodeia e que muito se acentuará depois do seu último dia. Talvez por isso ele peça por meu intermédio ao Sr. Dr. Magalhães toda a urgência.

Por mim espero que o Sr. Dr. Magalhães fará o possível, assim como já terá dado alguns passos no sentido de regularizar os registros de autor do Aleixo, dos quais ele me falou hoje e a que eu lhe respondi que o Sr. andava a tratar do caso como lhe era possível.

Posto o que ficou dito, fico em boa consciência pensando que nada mais poderia fazer.

Recomendo-me e cumprimento-o respeitosamente
Armando Gonçalves (médico que assistiu Aleixo no Sanatório dos Covões - Coimbra)

Sua Obra:
Quando começo a cantar – (1943);
Intencionais – (1945);
Auto da vida e da morte – (1948);
Auto do curandeiro – (1950);
Auto do Ti Jaquim - incompleto;
Este livro que vos deixo – (1969) - reunião de toda a obra do poeta;
Inéditos – (1979); tendo sido, estes quatro últimos, publicados postumamente.

Fontes:
Carlos Leite Ribeiro – Marinha Grande – Portugal
http://www.caestamosnos.org/indice/indice.htm
http://acaciasrubras.no.sapo.pt/biblioteca/poesia/antonio_aleixo/ (retrato)

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