quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ricardo Corona (Poetas do Paraná)



VENTOS E UMA ALUCINAÇÃO

1.
sol tórrido no
aljazar

(lascas de zinco refletindo)

sol batendo
no sal

2
das costas
do homem na barcaça
— e deu-se a estampa

(um sopro quente passa)

um caligrama na asa
do anjo
aprendiz da chuva

3.
rubricando, rebatendo
no arco-íris riso
da híbrida holografia

(do solo sobe um hálito quente)

espumas ainda agonizam
e novamente
o mar traz à margem sua franja

4.
atrás das pálpebras
o olho dá forma ao sol
: bola vermelha

(um vento mantra passa)

a íris fosforesce
aureolando as pupilas em brasa

5.
no cine Céu
a sessão inicia pelo fim

(o rubro horizonte nubla de repente)

barbatanas no céu anfíbio
guelras no céu íntimo

6.
hojes mais longínquos
lembram
ontens ancestrais

(um peixe roça a pele da pedra)

há uma escritura definitiva
nas estrelas
sílabas

7.
: a gula de luz
de uma galáxia canibal

(a lua finge mas já reflete sóis)

Anos-luz daqui
Andrômeda é a esfinge
da via-láctea
–––––––-

ONDAS NA LUA CHEIA
(poema sob influência)

A lua que tudo assiste
agora incide

O mar
— sob efeito —
ergue-se
crispado de ondas espumantes

Sua língua de sal
lambe e provoca
as escrituras da areia firme

Ondas deslizantes
redesenham
onde outras ondas ainda
desredesenharão,
fluindo
no fluxo
da influência

Sob efeito lunar
o mar muda
e a lua,
antes toda,
agora, mínima
(
e quem com ela muda?)
–––––––––––-

PAISAGEM NARCISISTA

Estando sempre à luz do sol,
a paisagem, narcisista, insiste.
E viciada em flashes e ohs!
de turistas, banhistas e surfistas.

Sendo ela que o sol eternamente assiste,
a paisagem, narcisista, insiste,
retendo estampas na retina, como se
somente a sua performance existisse.

Mas nela meu olhar não se detém,
nenhum clic, espanto, nada.

*
via láctea via língua
eis minha viagem
o quasar mais além
vai estar quase ali
o planeta terra
pingo no meu i
ponto na frase que se encerra

*
a chuva desce
pelo cheiro
a terra agradece
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TAMBOR

ouvido atento, colado
som lusitano, lento
meu cérebro no centro de Istambul
(de um lado, feras
do outro,
heras)

o giro incerto mastiga o ruído
metal ruim
de um lado da estampa,
azul
do outro,

coisas grudam na agulha
na ferrugem
na pane do som letal

de um lado, folhas
caem
pétalas

do mesmo lado
vão vira crisálida
borboletas-bomba
coração tam-
bor
tam
tambor tam
tam
tam-
bor tam
tam
tambor
TAM
–––––––––––––––

ENTRE

‘bientôt un espace’
quer dizer
‘em breve um espaço’

bonito isso
na raridade que é
esta manhã

na qual aspiro
ao desconhecido

decolo ao
meu labirinto

no pulso de todos os tempos

entre

‘bientôt un espace’
e a menina com narina balalaica
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Fonte:
Antonio Miranda
Jornal de Poesia

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