domingo, 20 de março de 2011

Paulo Roberto do Carmo (Poesias Avulsas) – Livro I


ANTES DO TEMPO


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Expulsa a palavra
que não venha da boca
que te cobre de afagos.

O que é contra mim
e me arrasta para ti
será que é só este desejo
a borbulhar de culpas
e que clama em vão
por amar e perder-se,
com a aflição dos condenados
que caem e se levantam
porque ainda há um desejo
que treme, não se cala
e nos mata antes do tempo...
cansado o espírito
de tantas dores
cravadas no coração?

A vida não dá mais...
e tão breve é a paixão.
Tempo, tempo, não há mais tempo!

COISAS POUCAS

Só hás de começar
por coisas poucas:
buscar primeiro dentro de ti
o medo que te faz fugir
e desafiá-lo.
Depois matar a soberba
com os frutos envenenados
de uma árvore morta –
e que tuas palavras se calem
diante da arte de viver.

Só hás de começar
por coisas poucas:
de como não se dobrar
entre o silêncio de Deus
e o sofrimento dos outros.
Compreender depois
que ser ignorado
dói como um golpe
que nos jogasse
no fosso dos humilhados
e que o mundo que nos devora
é feito por nós, apesar de tudo.

SEM PALAVRA

Um homem sem palavra
em qualquer lugar se esconde,
não tem sol próprio nem sombra
ou casa onde cair morto.

Um homem sem palavra
não sabe onde vai chegar
nem tem como voltar atrás
sem braços, joga pedra no futuro.

Um homem sem palavra
caminha longe para encontrar
o que sempre esteve ao seu lado
e quando acha, expulsa e não desfruta.

Um homem sem palavra
começa a morrer quando se resigna
e é feliz – não se deixa surpreender
pelos acasos da manhã, nem pela dúvida.

Um homem sem palavra
culpa sempre o outro e se aliena de si,
do irrevelado, o outro escondido por não vir,
do sem um olho, o sem braços, do alegre por não cantar.

Um homem sem palavra
deixa impressões digitais
no silêncio emudecido dos falsos desejos
só para não despertar a libido que vem do sonhos.

NO DESESPERO, NA DOR

No desespero, na dor,
não me venham com palavras,
verdades, teorias –
o que eu preciso é de ajuda,
este animal de quatro braços
e um coração reto e simples
que dá asas a quem abraça
para voar abraçado a quem ajuda.

No desespero, na dor,
não me venham com hermenêuticas,
o que preciso é de água
para respirar como o peixe
que achou onde nadar.
O que eu preciso é de ajuda e de água.

INFIDELIDADE

Porque o amor acaba,
não serás fiel a uma promessa.

Porque a paixão morre,
não serás fiel a um impulso.

Porque a esperança ilude,
não serás fiel a uma espera.

Porque o sonho engana,
não serás fiel a um fantasma.

Porque o nome nomeia,
não serás fiel ao que te chama.

Porque o rio corre,
não serás fiel às nascentes.

Porque o inesperado não chega,
não serás fiel ao esperado.

Porque uma luta se perde,
não serás fiel às derrotas.

Porque o desejo se frustra,
não será fiel à razão.

Porque o amor acaba,
não serás fiel a uma promessa.
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