quarta-feira, 11 de maio de 2011

A. A. de Assis (A Moça do Jipe)

Primeiro jipe montado
Seu Nando vivia ali pacato e bom, baixinho, redondo, discreta calva, solteirão encalhado, atendendo a aldeia na vendinha de secos e molhados. Se deu que porém a moça passante brecou o jipe lhe passando um susto, não muito pelo de-repente do impacto, mas pela explosão da imagem. Aquela coisa louca, aquele jeitão de rir. Seu Nando tremeu total.

Queria a moça informação sobre a estrada que levava a uma praia próxima, onde haveria reunião de surfistas e de agitadas meninas que nem ela, a que parecendo vir das nuvens caíra na porta dele.

– Tem de voltar até o trevo e repegar o rumo.

– Será que acerto?

– Se quiser vou junto. Posso mostrar o caminho. Preciso mesmo ir lá, volto de ônibus. Me dá carona?

– Sobe aí, tiozão!

Zuuuuuuuuuuuuummmmmmmm... Tremeu de novo Seu Nando. Agora sim de medo. Moça maluca, 140 por hora naquele jipe trotão. Só não pediu pra descer por encabulação. Olhando as pernas dela, se distraiu. De agradecimento, ela deu-lhe na chegada um beijo. Na boca. Seu Nando ensandeceu de vez. Retribuiu grudando a moça, que todavia gostou. Rolaram na areia, rolaram no mar, a noite chegou.

Na aldeia, no dia seguinte, o bochicho. Sumiu Seu Nando. Os vizinhos estranharam aquela coisa de ele na véspera haver fechado a venda cedo. Uns, que o viram entrar no jipe da moça, se espantaram mais ainda. Agora já era meio-dia, e de Seu Nando nada. Seria acidente? Seria acaso aquela moça alguma parenta dele? Um galho dele? Seria?...

Mandaram o aviso a um compadre que vivia em cidade próxima, único mais-íntimo que se sabia dele. Comunicaram às autoridades, botaram notícia no rádio, espalharam de boca em boca o misterioso evento.

Ele tão bom homem, nunca perturbara ninguém, vendeiro prestativo. Chegaram a supor que a moça do jipe fosse extraterrestre.

Quase um mês mais tarde, já davam Seu Nando por inencontrável: afogado, engolido por tubarão, levado para um planeta distante... Até que noutro de-repente reapareceu ele, a barba crescida, a roupa em trapos, a cara de quem andara metido em muito complicada encrenca.

– Depois eu conto o que aconteceu. Agora quero é tomar um banho, comer um bife enorme, dormir umas 24 horas. Avisem por aí que estou vivo.

Geral curiosidade, só satisfeita no outro dia, com a presença de repórteres, fotógrafos, e os ouvidos atentos da aldeia inteira. Seu Nando tinha ido com a tal garota litoral acima, até a Bahia. Nem chegara a saber o nome dela, dizia apenas “Coisinha”, o resto era o fascínio.

– Voltei de carona num caminhão, ajudando a carregar-descarregar em troca da comida. Desci no trevo e de lá vim caminhando.

Os cartões de crédito que havia levado, duas semanas depois já acusavam ultrapassagem de limite. Foi a grana acabar e a moça sumir, sem ele imaginar para que destino nem se ela era gente mesmo, talvez fosse irreal. Sabia só que nas alegrias era mulher ao máximo.

Sorte dele que o gerente do banco entendeu a história, refez-lhe o crédito. E o bom homem se reinstalou atrás do balcão, de onde oito meses passados ouviu outra freada.

– Olhe aqui, tiozão! Trouxe pra você a sua obra.

Ela desceu do jipe mostrando a barriga prenha. Voltara para ter o bebê onde ele começara a ser feito. Seu Nando acolheu-a, guloso dela, pouco se importava se a criança era sua ou não. Pagou as despesas do parto, do berço, das roupinhas.

Porém cadê a “Coisinha”?... Ninguém sabe, ninguém viu. Do jeito que rechegou, de novo magicamente sumiu.

Criou-se a criança engatinhando ali na venda, assistida pela bondade de umas senhoras vizinhas. Ele um homem de tão generoso coração, baixinho, redondo, discreta calva, pela segunda vez abandonado no pique dos seus melhores sonhos.

Se valeu? Ora se...

Fonte:
ASSIS, A. A. De. Vida, verso e prosa. Maringá/PR: EDUEM, 2010.
Imagem = Ao Chiado Brasileiro

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