terça-feira, 24 de maio de 2011

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) XXXIV – O Jabuti e a Fruta


Havia no mato uma fruta que nenhum bicho podia comer sem antes pronunciar o nome dela, e como só uma mulher sabia o nome da fruta, os bichos tinham de ir à sua casa perguntar o tal nome.

— Boioio-boioio-quizama-quizu — respondia a mulher, mas assim que o bicho ia saindo ela o chamava, dizendo: "Eu errei, amigo bicho. O nome não é esse, é outro" — e dizia outro. Os bichos faziam grande confusão, de modo que ao chegarem ao pé da fruta erravam no nome.

O jabuti resolveu comer a fruta. Ao saberem disso os outros animais caçoaram.

— Ora, logo quem! Se os mais pintados não conseguem decorar o nome, que é que espera aquele cascudo?

Mas o jabuti foi à casa da mulher com a sua violinha e perguntou o nome da fruta.

A mulher disse o nome, que ele imediatamente tocou na viola. Depois a mulher disse outro nome, e outro, e outro — e o jabuti ia tocando-os todos na viola até o último, que era o certo. E foi tocando na viola aquele último nome até chegar à árvore. Repetiu, então, a palavra, certinho, ficando com direito à fruta.

Nisto a onça se aproximou.

— Jabuti não sabe trepar em árvore — disse ela. — Eu trepo para você e em paga recebo algumas frutas.

O jabuti concordou. A onça trepou à árvore, encheu um saco e desceu sem dar nenhuma ao jabuti, que lá se foi atrás dela.

Chegando a um rio, disse ele à onça:

— Comadre onça, me dê o saco para eu passar. Bem sabe que sou bom nadador. Você passa depois.

A onça deu-lhe o saco das frutas, que o jabuti levou às costas até a outra margem do rio — e lá desapareceu com as frutas deixando a onça lograda.

Furiosa com aquilo, a onça jurou vingar-se. Mas o jabuti, avisado, armou um plano. Foi esconder-se numa cova, bem embaixo da raiz em que a onça costumava descansar. Logo depois a onça veio e deitou-se.

— Jabuti, amigo jabuti, apareça! — disse ela.

E o jabuti respondeu de muito pertinho (dentro da cova): "Oi! Oi!"

A onça olhou duma banda e doutra, sem ver sinal de jabuti. Gritou de novo:

— Jabuti, onde está ?

— Oi! Oi! — foi a resposta.

Vendo aquele som sair debaixo dela, a onça ficou desconfiada. Contou o caso a um macaco que vinha passando e pediu--lhe que desse uma sova em seu traseiro, por andar fingindo de jabuti.

O macaco deu tanto no traseiro da onça que a matou — e o jabuti saiu da cova muito satisfeito

— Lé, ré, lé, ré...
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— Arre, que é demais! — exclamou Narizinho. — Os "historiadores" pintam as onças ainda mais estúpidas que os perus. Veja se ela havia de mandar que o macaco desse tamanha surra no seu traseiro...

— Ora, menina, você está a pedir muito aos nossos pobres índios. Já eles fizeram alguma coisa pondo uma noção verdadeira nessa historinha.

— Que noção?

— A do jabuti botar em música a tal palavra difícil para melhor guardá-la na memória. Isso é muito certo. A toada musical ajuda a decorar.

— E que mania essa dos índios, de fazerem o jabuti músico? Ora o descrevem com uma gaita, ora com uma violinha. Será mesmo musical o jabuti?

— Coitadinho! Se há bicho que não nasceu para a música é ele. Bobagem dos índios. Fazem isso porque com a gaita ou a viola o jabuti pode lograr mais facilmente os outros bichos.

— E há mais histórias de jabuti, Nastácia?

— Há sim.
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Continua… XXXV – O Jabuti e o Lagarto
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source

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