quarta-feira, 11 de maio de 2011

Sérgio Napp (Onde se Esconde a Poesia?)


I

esta pedra em minha mão
pedaço de um pedaço de outra pedra
não uma pedra qualquer

só ela
entre outras
em minha mão

também eu
pedaço de um pedaço de outros tantos
não me sinto qualquer
em tuas mãos

II

porque sabes a fogo
trago a noite
e seus ardores

porque as labaredas se armam
na lucidez do gozo
destroem-se cidadelas
sucumbimos

porque te alimenta a febre
teu ventre
incendeia
me


III

sento para espiar a lua
em uma dessas cadeiras simples
de palha e madeira clara
sem braços
e ela vem

clara
enorme
plena
colorida

a lua circunda
os vultos
a lua indulta
as tumbas
a lua inunda
os ventres
a lua

IV

os pardais não valem
tanto quanto o
homem
no entanto proclamam
seus cantos
no alto dos telhados

teus cabelos estão contados
homem
fio a fio
os pardais no entanto
não caem ao chão sem o consentimento
Dele

na escuridão revelas
homem
queixas silenciosas
os pardais por sua vez
colorem o coração das pessoas

ensombreces de medo
homem
bebem o orvalho da noite
os pardais

V

na casa vazia
o que menos se ouve
é o silêncio

o vento beija as canecas
de alumínio
e elas cantam

um gato mia
pelos corredores
papéis amarelecidos
escorregam pelo piso

o sol aquece
a panela-de-ferro
sobre o fogão à lenha

neste momento uma rola pousa
no alpendre

enquanto na sala
o chapéu sobre a poltrona
conversa com o retrato do homem
na parede

VI

não se beija o morto
ao morto se agradece
pela vida
cerca de pedra
subitamente interrompida

não se lamenta o morto
do morto se registram
as virtudes
e o inúmeros vícios

não se culpa o morto
ao morto se perdoa
o que ficou nas entrelinhas
e os silêncios

não se julga o morto
do morto guarda-se
o último registro
carteira de identidade
um anel de pedras falsas

não se purga o morto
o morto é quadro
na parede das lembranças
saudade
que acontece em repentes

do morto não te despeças
o morto é tempo
que não te abandona

VII

demasiada luz
nessa manhã
e os olhos poucos

eu sou apenas
Adeuses

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