domingo, 15 de maio de 2011

Carlos Lúcio Gontijo (Antologia Poética)


APASSARADO

Não quero conforto de mar
Ser porto de espera não quero
Nem pacífico nem mar morto
Absorto, voo na paisagem
Sou viagem, corro atrás
Ainda que seja fugaz o sonho
Eu me ponho a procurar …

O SER POETIZADO

Em cada coisa um segredo
Na lousa do horizonte o poema
Na esteira do verso o medo-tema
História verdadeira cheira a berço
Homen realista tem apreço por estrela
A vida se entrega a quem sabe entretê-la
Àquele que se estremece poetizado ao vê-la
Pois para Tê-la torrente nos braços
Basta recebê-la feito água corrente
Em compasso de leito e docemente…

POEMA DO OUTRO

Sobre a linha dos horizontes
O meu poema liberto de palavras
Céu aberto em muitas pontes
Destino a que me doei enjanelado
Para renascer em corpo alado
Sob o ensolarado olhar do outro…

BARRO

Nosso corpo e do espírito o jarro
Para que sintamos o agir do Criador
Basta-nos o florir do amor num esbarro
Mãos amantes purificando o calor do sarro
No banco multicor do carro do coração
Resgatando em nós a canção do barro

SOL ETERNO

Há mais alegria na procura que no encontro
A poesia da vida está na surpresa das esquinas
Em liberdade as diferenças se fazem divinas
Não se toma água limpa em fonte suja
Quem não garimpa dentro de si mesmo
Enferruja com seu toque tudo que amanhece
Não se conhece nem se doa ao próximo
É como canoa que temesse a festa da correnteza
A Natureza acontece na candura da simbiose
Ao horizonte do amor basta a luz da ternura
O sabor da fruta não depende da semente
Vem do calor da mão calejada do plantador
Pôr-do-sol que não se põe no peito da gente!

PEÃO DE LETRAS

Palavras são novilhos
Novelos de rios, lã
Cavalos bravios, puro-sangue
Na escuridão esperando manhã
Mangue de fala nascente
Veneno de língua poente
Pauta sonhando som
Feno bom para a mente animal
Que não sabe ser silente
Nesta campina dou cavaleiro
Poeta visionário social
Guerreiro, desbravo o dicionário
Matagal de mel em favos
Onde enlaço palavras com laço de céu
Feito abraço, prisão que afaga
Esta é minha saga, minha sina
Que se algum dia termina
Quero meu corpo ao lado da mãe
E o conforto da inscrição final:
"Meu irmão, aqui jaz um peão de letras”

MEIA-IDADE

O tempo envelhece no meu rosto
Vai na eterna juventude do vento
Por gosto, passa e não me esquece
Mas bem lá no fundo de mim
O mundo das luzes se enriqueceram
Ainda trago manhãs que não amanheceram
Afago do destino no meu caminhar
Dando-me o direito divino de tropeçar

MARES E SHOPPINGS

Por não saber nadar
O mar eu mal conheço
Nem shopping-center sou de freqüentar
Pois na profundidade das águas
Ou na claridade das vitrinas
A chama do espírito humano
Vive o drama de afogar-se

Fonte:
GONTIJO, Carlos Lúcio. O Ser Poetizado – Poesia e prosa - 1ª ed. - Belo Horizonte 2002

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