Antigamente, lá no começo do mundo, os macacos moravam com os homens nas cidades. Falavam como eles, mas não trabalhavam.
Certa vez houve uma grande festa. Durante um dia e uma noite o tanta não parou de soar. Todos dançavam e bebiam um vinho feito de caldo de palmeira, porque ainda não era conhecida a uva. O velho chefe da tribo saiu dali cambaleando e foi parar no bairro dos macacos.
Antes não fosse! Os macacos judiaram dele. Uns puxavam-lhe a tanga, outros punham-lhe a língua, outros beliscavam-lhe a pele. Tamanha foi a falta de respeito que o velho chefe enfureceu-se a ponto de queixar-se a Nzame, a divindade da tribo.
Nzame mandou chamar o chefe dos macacos. Passou-lhe uma grande descompostura e disse:
— De hoje em diante, como castigo, os macacos têm que trabalhar para os homens.
Mas os macacos revoltaram-se contra a ordem do deus. Juraram não trabalhar.
Quando iam para a roça, penduravam-se nas árvores do caminho, davam pulos pra aqui, pra ali, fugiam. Não houve meio de conseguir deles nenhum trabalho. O chefe da tribo danou.
— Preciso dar uma lição nesta macacada.
Depois de refletir algum tempo deu ordens, para uma grande festança, onde houvesse muito vinho. Mas dividiu as cabaças de vinho em dois lotes — um de vinho puro e outro de vinho misturado com uma erva dormideira. "Este é para os macacos" disse ele.
Quando os macacos souberam da grande festa e da grande vinhaça, aproximaram-se todos muito xeretas. Dançaram, pularam e beberam até não poder mais. Meia hora depois dormiam sono profundo.
O chefe, então, mandou que os seus homens metessem o chicote nos macacos até deixá-los peladinhos — e no dia seguinte botou-os no serviço.
Mas quem pode com macaco? — O berreiro que fizeram foi tamanho que o chefe, completamente zonzo, deu ordem para que lhes cortassem a língua.
"É o único meio de acabar com esta gritaria." Ficaram os macacos sem línguas — mas dois dias depois sumiram-se da aldeia, afundando no mato. Nunca mais quiseram saber dos homens — e também nunca mais falaram. Quem tem língua cortada não fala.
======================
— Esta história se parece, com as nossas daqui — disse Narizinho. — Bem bobinha.
— Sim, mas que havemos de esperar dos pobres negros do Congo? Sabem onde é o Congo?
— Sei — disse Pedrinho. — É quase no centro da África, do lado daquela costa que o senhor Pedro Álvares Cabral evitou de medo das calmarias. Há o Congo Belga e o Congo Francês. E sei também que cá para o Brasil vieram muitos escravos desses Congos.
— É verdade. O pobre Congo foi uma das zonas que forneceram mais escravos para a América, de modo que muitas histórias dos nossos negros hão de ter as raízes lá.
— Quem sabe se tia Nastácia é do Congo? — lembrou Narizinho.
— Não — disse dona Benta. — Nastácia é neta dum casal de negros vindos de Moçambique.
— Hum, hum! — exclamou Emília. — Moçambique! Que luxo...
— Conte outra, vovó — pediu Pedrinho. — Conte uma história dos esquimós.
–––––––––––––
Continua… XLI – O Rato Orgulhoso
–––––––––––––-
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source
Certa vez houve uma grande festa. Durante um dia e uma noite o tanta não parou de soar. Todos dançavam e bebiam um vinho feito de caldo de palmeira, porque ainda não era conhecida a uva. O velho chefe da tribo saiu dali cambaleando e foi parar no bairro dos macacos.
Antes não fosse! Os macacos judiaram dele. Uns puxavam-lhe a tanga, outros punham-lhe a língua, outros beliscavam-lhe a pele. Tamanha foi a falta de respeito que o velho chefe enfureceu-se a ponto de queixar-se a Nzame, a divindade da tribo.
Nzame mandou chamar o chefe dos macacos. Passou-lhe uma grande descompostura e disse:
— De hoje em diante, como castigo, os macacos têm que trabalhar para os homens.
Mas os macacos revoltaram-se contra a ordem do deus. Juraram não trabalhar.
Quando iam para a roça, penduravam-se nas árvores do caminho, davam pulos pra aqui, pra ali, fugiam. Não houve meio de conseguir deles nenhum trabalho. O chefe da tribo danou.
— Preciso dar uma lição nesta macacada.
Depois de refletir algum tempo deu ordens, para uma grande festança, onde houvesse muito vinho. Mas dividiu as cabaças de vinho em dois lotes — um de vinho puro e outro de vinho misturado com uma erva dormideira. "Este é para os macacos" disse ele.
Quando os macacos souberam da grande festa e da grande vinhaça, aproximaram-se todos muito xeretas. Dançaram, pularam e beberam até não poder mais. Meia hora depois dormiam sono profundo.
O chefe, então, mandou que os seus homens metessem o chicote nos macacos até deixá-los peladinhos — e no dia seguinte botou-os no serviço.
Mas quem pode com macaco? — O berreiro que fizeram foi tamanho que o chefe, completamente zonzo, deu ordem para que lhes cortassem a língua.
"É o único meio de acabar com esta gritaria." Ficaram os macacos sem línguas — mas dois dias depois sumiram-se da aldeia, afundando no mato. Nunca mais quiseram saber dos homens — e também nunca mais falaram. Quem tem língua cortada não fala.
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— Esta história se parece, com as nossas daqui — disse Narizinho. — Bem bobinha.
— Sim, mas que havemos de esperar dos pobres negros do Congo? Sabem onde é o Congo?
— Sei — disse Pedrinho. — É quase no centro da África, do lado daquela costa que o senhor Pedro Álvares Cabral evitou de medo das calmarias. Há o Congo Belga e o Congo Francês. E sei também que cá para o Brasil vieram muitos escravos desses Congos.
— É verdade. O pobre Congo foi uma das zonas que forneceram mais escravos para a América, de modo que muitas histórias dos nossos negros hão de ter as raízes lá.
— Quem sabe se tia Nastácia é do Congo? — lembrou Narizinho.
— Não — disse dona Benta. — Nastácia é neta dum casal de negros vindos de Moçambique.
— Hum, hum! — exclamou Emília. — Moçambique! Que luxo...
— Conte outra, vovó — pediu Pedrinho. — Conte uma história dos esquimós.
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Continua… XLI – O Rato Orgulhoso
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source
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