sábado, 28 de maio de 2011

Nemézio Miranda de Meirelles (Livro de Sonetos)


INTROSPECÇÃO

A vida se me vai para o acaso
Mas prezo este ideal que a mim inflama:
O ideal que não tem espaço ou prazo
E queima em mim como agradável chama.

Não tenho este ideal por mero acaso,
Pois meu ser o cultiva e o proclama
E busca reduzir todo o atraso
De um tempo que se foi em vaga trama.

Não maldigo o castigo que redime,
Pois o bem que nos traz é tão sublime
Que a vida nos dá gosto de viver.

Sorrio por ter feito os bens que fiz
Lamento não ter feito os bens que quis
E ter custado tanto a me entender…

INGRATIDÃO


Raiava o dia e logo começava
A pobre mãe o seu penoso afã.
Na busca, para o filho a quem amava,
De um louro para os dias do amanhã.

E ele crescia enquanto ela minguava
Feliz, por nele ver o seu Tupã.
Pobre mãe! O destino reservava
Um triste pago à sua alma tão sã.

Ele hoje possui nome e fidalguia.
E ela pelo seu sonho e sacrifícios,
Doente, esmola o pão de cada dia.

Dos prazeres desfiando a alegre malha,
Ele esquece a mãe em meio aos vícios
E a justiça divina que não falha.

RUSGAS DE AMOR


Depois de tanto afago aprimorado,
Tantas promessas, beijos mil, abraços...
E de sonhos um mundo inacabado,
Azuis, bailando no éter dos espaços,

Não podia passar, apaixonado,
Sem o abraço divino dos teus braços.
Tu, por fugaz momento não pensado,
Não deixarias de seguir meus passos.

Tais rusgas, visão minha de altar mor,
Não fazem nosso amor muito maior:
Impossível se amar com mais ardor...

Ninguém querido como tu me queres.
Sinto-te a mais amada das mulheres.
Não há maior amor que o nosso amor.

ESPERANÇA

Adolescente ainda, eu te deixei um dia,
Tal forte condoreiro, o peito rico em sonhos...
Buscaria ventura - eu levava alegria
E um saco de ideais. Como eu ia risonho!...

E o tempo ia passando e a luta recrescia.
E hoje se às vezes só, o tudo recomponho
Vejo quanto lutei... Como a vida é sombria...
Se não fora tão forte eu cairia tristonho.

O saco de ideais quase completo ainda,
Mais difícil a vida, o corpo mais cansado,
E essa enorme esperança amiga que não finda.

Se por descuido digo às vezes deseolado:
Acho melhor parar... Ouço o peito bramir:
Zomba do teu passado! É lindo teu porvir.

DIAS VAZIOS


É um grande castigo imerecido,
Oito dias sem ter-te nos meus braços.
Sem a tua doce voz, de espaço a espaços.
Planja baixinho o termo de querido.

Meu pobre coração, triste e ferido,
Tem achado esses oito dias baços.
São saudades dos teus quentes abraços,
Do teu suave carinho estremecido.

Na distância através que nos separa,
sinto-me nos teus braços, em teu ninho,
Dando-me essa carícia que sonhara...

Contigo a sós e cheio de desejo,
Eu teço em teus ouvidos um carinho
E esmago teu sorriso com meu beijo.

ESTA MULHER

Esta mulher, meus senhores,
A rainha do meu lar,
É deusa dos meus amores,
É musa do meu sonhar.

É grande nos dissabores,
É grande no seu cantar,
Merece hinos e flores,
Merece sol e luar.

Pra sermos sempre felizes
Ela perdoa os deslizes
Com tal graça que encanta.

E pensativo eu contemplo,
O nosso lar como um templo,
E dentro dele uma santa.

CONSELHOS (Ao meu filho)

Filho adorado ! Surges para a luta,
Para essa luta que se chama vida.
Antes porém de começar escuta
A voz da experiência, adquirida

Por teu amigo e pai, que já labuta
Há cinco lustros, de alma enobrecida,
Bem alheio ao pesar que a alma enluta,
Sem blasfemar no mundo em grande lida.

Ama e respeita a Deus, eternamente,
Teus pais e mestres teus, respeita e ama,
Ama tua pátria e toda Humanidade.

Aos que errarem ensina a ser clemente,
Respeita a virgindade e a sã velhice,
Ama o saber, o bem, ama a verdade.

QUE MUNDO É ESTE?

Que mundo é este, de miséria e lama,
De tanta corrupção e tanto crime,
Que o homem ao mesmo homem oprime
Por instinto infernal, inglória fama?!

Que mundo é este que põe num mesmo time
E retrata por igual, na mesma gama,
A meretriz vulgar, a casta dama,
Lupanar que cai, templo que redime?!

Justas leis não têm soluções mágicas.
E por isso teremos horas trágicas
Quando chegar o dia do juízo.

Somento a volta a Deus, ao seu rebanho,
Transmutará toda derrota em ganho,
Males do inferno em bens do paraíso.

VERSO E REVERSO


A vida eu levava assim aos trambolhões,
Entre sonhos de amor, entre noites de orgia.
Acostumei a dar para minhas paixões,
Todo o grande esplendor de minha fantasia...

O perfume, a mulher, a música, os serões
E o retinir de taça eram minha alegria.
Por um prazer qualquer eu semeava ilusões,
Desenganos em troca era quanto colhia.

Por fim cansou-me um dia essa existência inglória,
E o passado esqueci, sem remorso e sem ais.
Soava ao longe um toque, um toque de vitória.

E dei tudo por ti, entre albores serenos...
Foste na minha vida uma ilusão a mais,
Que me viria dar quão desenganos menos.

RESSURREIÇÃO

Ressuscitar para a luz é o caminho
E voltar para o bem, seja quem fores.
Não programes solver o bem sozinho
Nem aos outros querer doar tuas dores.

Por mais que tenhas semeado espinho,
Tenhas haurido fétidos odores,
Ainda há tempo de trocar carinho,
De respirar o ar puro dos condores.

Vamos, dá-me tuas mãos, olvida o ontem.
Torna-te outro, não queiras que te contem
Onde chegaste após errar a trilha.

E se voltares um dia ao abismo,
Que seja por amor e altruísmo
Para levar alguém à luz que brilha.

BIFURCAÇÃO

E chegou-se a um profeta, de joelhos,
Um homem que se sentia amargurado.
E desatou pecado por pecado.
E o refletir atroz de seus espelhos.

- Que me dizes? Mudar quero meu fado.
Reclarear os meus olhos vermelhos.
Diz-lhe o profeta: - Vai. Estás mudado !
- Mas te relembro, à guisa de conselhos:

Se viveres no mal, foge ao acúmulo.
Na natureza há sempre vago um túmulo,
Pra todo aquele que descumpre a Lei.

Não condena o bem ao abandono.
Na natureza há sempre vago um trono,
Pra todo aquele que se faz um rei.

Nenhum comentário: