quinta-feira, 26 de maio de 2011

A. A. De Assis (A Cólica de Sua Alteza)


Quem me contou foi um cearense brincalhão, mas garantindo que tudo se dera como aqui será narrado. A cidadezinha recebera a visita de um príncipe que por aquelas áreas excursionava. Faixas saudando Sua Alteza, bandinha de música, a criançada abrindo alas, o povo todo em traje de festa para a nobre acolhida.

Chegado, saudado, discursado, o mais amedalhado visitante que o lugar já conhecera foi almoçar na chácara do principal chefe político do município. Vasta macarronada, carnes várias, o homem comeu além da conta, resultando inoportuno incômodo abdominal. A discreta pergunta a um dos empregados: “Onde é o banheiro?” A resposta simplória: “A gente aqui toma banho no rio ou na bacia; qual é que a alteza prefere?” O problema, porém, não era banho, eram outras necessidades: “Onde vocês fazem cocô?”, indagou o ilustre sem rodeios. “Ah, sim... nós costuma ir atrás da moita, lá fora... mas alteza também faz isso?”

A alteza em apuros, o pessoal estudando a solução honrosa: “Se segura um pouco, que vamos cuidar dos preparativos”. Minutos depois voltou a dona da casa: “A alteza pode adentrar ali naquele aposento”.

Já quase coisando nas calças, o príncipe fechou a porta, assustou-se com o cenário: jarros de flores em volta, um tapete vermelho, sobre o tapete um penico. Se é que príncipe também faz “dessas coisas”, então que as faça com a indispensável dignidade. Mas a hora não era apropriada para muitos raciocínios. O distinto sentou-se, aliviou-se. Um tanto desajeitado com a gorda retaguarda em tão acanhado recipiente, todavia...

Resolvida a emergência, entrou em pauta outra circunstância: o papel. Nem sequer um pedaço de jornal. Usar o lenço? Nesses momentos vale tudo. Ia começar a operação quando ouviu a banda vindo na direção da casa...

Que seria agora? Os músicos pararam em frente, o príncipe não conteve a curiosidade, levantou-se em condições não muito elegantes, foi espiar pela greta da janela. Era a homenagem mais estranha que já recebera em toda a sua biografia.

A bandinha caprichando no dobrado, a criançada formando duas filas, no meio vinha entrando um par de moças trazendo vistosa bandeja de prata com o sucedâneo local do papel higiênico: meia dúzia de sabugos, mimosamente escolhidos. “Para a alteza havera de ser tudo muito especial”.

Fonte:
ASSIS, A. A. de. Vida, verso e prosa. Maringá: EDUEM, 2010.

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