Estava assistindo a um programa de TV no Canal TV Câmara, em que se falava em poesia. A pessoa que estava declamando alguns versos soltos, percebi que se chamava Chacal e conversou alguns momentos com uma mulher de nome Heloísa Buarque de Hollanda. Então, lembrei-me de um livro que havia adquirido faz muitos anos cujo título é O que é poesia marginal, de Glauco Mattoso, Editora Brasiliense, 2ª edição, 1982, que encontrei sem mais delongas em uma prateleira de minha biblioteca, onde os livros estão enumerados por ordem de autor e de que também tenho uma relação por títulos. Facilmente encontrei-o.
Daí fiquei sabendo que se tratava de um movimento que surgiu nos idos de 1970 e que agrupava indivíduos que apregoavam uma nova forma de poesia, ou seja, mais livre e coloquial – “o poema não é bom nem ruim/ o poema é uma idéia (Marcelo Dolabela, no livrinho Coração malasarte)”. E como não tinham respaldo de editoras para publicarem seus livros, faziam-no artesanalmente em mimeógrafos , incluindo livrinhos impressos em offset, ilustrados, bem acabados. Assim “em 71, Chacal e Charles lançavam seus primeiros trabalhos mimeografados em tiragem de 100 exemplares, e em Brasília circulava o jornal Tribo, que foi até o terceiro número”.
Ilustrando o que significava aquela incursão na nova escola de poesia, chamada marginal, assim a qualificavam os pesquisadores Heloísa Buarque de Hollanda e Carlos Alberto Pereira, “a poesia marginal, literariamente falando, consiste no estilo coloquial encontrado na maioria dos autores da geração-mimeógrafo, caracterizado pelo emprego de um vocabulário baseado na gíria e no chulo, e de uma sintaxe isenta das regras de gramática, tal como no linguajar falado: qualé o lance? (Ronaldo Santos) – a cana tá brava a vida tá dura (Bernardo Vilhena) – a mão rápida do pivete agarrou a bolsa da velha/ a velha teve um troço & caiu babando na rua (Adauto de Souza Santos) – um orfeu fudido sem ficha nem ninguém pra ligar (Chacal) – a fumaceira fudida veste a cidade grande (Charles) – tem tanto tempo não faz um som (idem) – ano que vem eu compro um fusca (Nicolas Behr) – me manda embora antes das oito/ mas só me traia depois das dez (idem) – o hippie/ foi no shopping/ e feliz, deu um chiliqui (Marcelo Dolabela).
“Tal gênero de poesia seria marginal justamente por representar uma recusa de todos os modelos estéticos rigorosos, sejam eles tradicionais ou de vanguarda, isto é, por ser uma atitude antiintelectual e portanto antiliterária.
“Heloísa, que qualificou esse estilo como uma “retomada” do modernismo de 22, acrescenta que a diferença está na postura, que em 22 teria sido intencional, premeditada, e na poesia marginal seria espontânea e inconsciente.
“Quando saiu a antologia 26 poetas hoje, alguns dos autores tidos como marginais se reuniram com críticos, professores e alunos de literatura para debater teoricamente o “fenômeno poético” do momento. Nessas ocasiões empregavam-se terminologias eruditas ( do tipo espontaneismo, irracionalista, anticabralino) e levantavam-se questões como a de que os novos poetas estavam querendo “matar” Cabral. Puro desperdício de energia, pois, na verdade, o único Cabral morto na história seria o Pedro Álvares, e junto com ele o estilo arcaico da carta de Caminha. Quanto a João Cabral, nada sabia ele dessa “morte”, assim como poucos dos marginais sabiam de sua vida.”(…) (pgs. 32, 33 e 34 do livro O que é Poesia Marginal, de Glauco Mattoso).
De tempos em tempos, sabe-se, surgem manifestações inovadoras na arte poética, quando já a velha forma esteja desgastada. O ser humano tem o dom inerente da criação e a espontaneidade desse movimento, acredito, continuará como abrindo um caminho interminável de renovação para futuros poetas…
Fonte:
Texto enviado pelo autor
Daí fiquei sabendo que se tratava de um movimento que surgiu nos idos de 1970 e que agrupava indivíduos que apregoavam uma nova forma de poesia, ou seja, mais livre e coloquial – “o poema não é bom nem ruim/ o poema é uma idéia (Marcelo Dolabela, no livrinho Coração malasarte)”. E como não tinham respaldo de editoras para publicarem seus livros, faziam-no artesanalmente em mimeógrafos , incluindo livrinhos impressos em offset, ilustrados, bem acabados. Assim “em 71, Chacal e Charles lançavam seus primeiros trabalhos mimeografados em tiragem de 100 exemplares, e em Brasília circulava o jornal Tribo, que foi até o terceiro número”.
Ilustrando o que significava aquela incursão na nova escola de poesia, chamada marginal, assim a qualificavam os pesquisadores Heloísa Buarque de Hollanda e Carlos Alberto Pereira, “a poesia marginal, literariamente falando, consiste no estilo coloquial encontrado na maioria dos autores da geração-mimeógrafo, caracterizado pelo emprego de um vocabulário baseado na gíria e no chulo, e de uma sintaxe isenta das regras de gramática, tal como no linguajar falado: qualé o lance? (Ronaldo Santos) – a cana tá brava a vida tá dura (Bernardo Vilhena) – a mão rápida do pivete agarrou a bolsa da velha/ a velha teve um troço & caiu babando na rua (Adauto de Souza Santos) – um orfeu fudido sem ficha nem ninguém pra ligar (Chacal) – a fumaceira fudida veste a cidade grande (Charles) – tem tanto tempo não faz um som (idem) – ano que vem eu compro um fusca (Nicolas Behr) – me manda embora antes das oito/ mas só me traia depois das dez (idem) – o hippie/ foi no shopping/ e feliz, deu um chiliqui (Marcelo Dolabela).
“Tal gênero de poesia seria marginal justamente por representar uma recusa de todos os modelos estéticos rigorosos, sejam eles tradicionais ou de vanguarda, isto é, por ser uma atitude antiintelectual e portanto antiliterária.
“Heloísa, que qualificou esse estilo como uma “retomada” do modernismo de 22, acrescenta que a diferença está na postura, que em 22 teria sido intencional, premeditada, e na poesia marginal seria espontânea e inconsciente.
“Quando saiu a antologia 26 poetas hoje, alguns dos autores tidos como marginais se reuniram com críticos, professores e alunos de literatura para debater teoricamente o “fenômeno poético” do momento. Nessas ocasiões empregavam-se terminologias eruditas ( do tipo espontaneismo, irracionalista, anticabralino) e levantavam-se questões como a de que os novos poetas estavam querendo “matar” Cabral. Puro desperdício de energia, pois, na verdade, o único Cabral morto na história seria o Pedro Álvares, e junto com ele o estilo arcaico da carta de Caminha. Quanto a João Cabral, nada sabia ele dessa “morte”, assim como poucos dos marginais sabiam de sua vida.”(…) (pgs. 32, 33 e 34 do livro O que é Poesia Marginal, de Glauco Mattoso).
De tempos em tempos, sabe-se, surgem manifestações inovadoras na arte poética, quando já a velha forma esteja desgastada. O ser humano tem o dom inerente da criação e a espontaneidade desse movimento, acredito, continuará como abrindo um caminho interminável de renovação para futuros poetas…
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