Havia um carpinteiro muito pobre, que morava num casebre de tábua. Certa vez apareceu por lá um macaco pedindo agasalho. O carpinteiro respondeu que sua casinha era muito pequena, mas estava às ordens. O macaco ficou morando com o homem.
Um dia o macaco entrou em casa com os bolsos cheios de moedas de ouro e prata.
— Onde arranjou isso, macaco? — perguntou o homem, de olhos arregalados.
— Foi o rei que me deu — disse o macaco. — Fui visitá-lo em seu nome, com um presente, e o rei me deu tudo isto.
— E que presente levou ao rei, macaco?
— Veadinhos. Assobiei na floresta; vieram cem veadinhos que levei ao rei. Qualquer dia vou levar-lhe outro presente.
E assim foi. Na manhã seguinte o macaco chegou à beira do rio e pôs-se a assobiar. Vieram inúmeras garças, que ele convidou a irem com ele ao palácio do rei, numa procissão, duas a duas. O rei achou lindo aquilo e perguntou quem tinha tido a idéia.
— Foi o doutor Botelho, amigo do macaco da bota do jabotelho — respondeu o bichinho.
O rei agradeceu a lembrança e disse--lhe que fosse à Casa da Moeda receber dinheiro.
O macaco foi e encheu um alforje de moedas de ouro que levou ao homem.
Dias depois o macaco voltou à floresta e assobiou. Vieram inúmeros coelhos, que o macaco levou de presente ao rei, dizendo ser outro presente do doutor Botelho.
O rei, muito admirado, mostrou desejo de conhecer esse doutor tão rico. O macaco respondeu que o doutor Botelho era um homem muito acanhado que não visitava ninguém; mas que se o rei quisesse conhecer as suas riquezas, ele, macaco, as mostraria.
O rei montou a cavalo e saiu com o macaco na garupa. Passaram por muitas fazendas, e o macaco dizia sempre: "Isto aqui é do doutor Botelho." Afinal, cansado de ver as fazendas do doutor Botelho, o rei voltou ao palácio.
O macaco, então, disse ao rei que estava com vontade de falar uma coisa, mas sentia acanhamento.
— Fale — ordenou o rei — e o macaco disse que o doutor Botelho havia mandado pedir em casamento a filha de Sua Majestade.
Tratando-se dum homem tão rico, dono de tantas e tão lindas fazendas, o rei não teve dúvida em dar-lhe a filha em casamento.
— Diga ao doutor Botelho que sim, que lhe concedo a mão de minha filha — e você, macaco, vá à Casa da Moeda buscar mais ouro.
O macaco foi e encheu vários alforjes. Quando chegou à casa do carpinteiro com tudo aquilo, o pobre homem abriu a boca. E mais ainda quando soube que estava noivo da princesa, filha única dum grande rei.
— Mas, macaco, como posso eu, um pobre diabo, que vive neste casebre de tábuas, pensar em casar-me com a filha do rei? Você está louco?
O macaco, porém, sossegou-o.
— Não se incomode com coisa nenhuma; deixe tudo por minha conta.
No dia marcado para o casamento o macaco preparou para o doutor Botelho um lindo cavalo e o fez montar. O carpinteiro mal podia consigo.
— Estou que quase caio do cavalo, de tanto medo, macaco.
— Não seja bobo. Já disse que deixe tudo por minha conta.
E tanto o macaco fez que deu com o carpinteiro no palácio real, onde se efetuou o casamento. Tinham agora os noivos de seguir para a casa do doutor Botelho — e como era? O pobre carpinteiro suava frio. Mas o macaco o animou: "Não tenha medo de nada. Eu arranjo tudo."
E arranjou mesmo. Quando os noivos, acompanhados dos grandes fidalgos da corte, chegaram ao casebre, não viram lá casebre nenhum e sim um maravilhoso palácio, com grande criadagem de libre. Entraram. Estava arrumada a mesa dum banquete esplêndido, com quanto doce havia e um grande cacho de bananas no centro.
Ao ver as bananas o macaco esqueceu-se do seu papel e deu um pulo sobre a mesa. Aquilo de ser o escudeiro do célebre doutor Botelho era uma grande coisa — mas comer as bananas amarelinhas era melhor — e pôs-se a comer as bananas.
====================
— Essa história — disse Narizinho — é uma corrupção da velha história do Gato de Botas, que li nos Contos de Fadas do tal senhor Perrault. Mas como tia Nastácia contou está muito mais ingênua.
— Serve para mostrar como o povo adultera as histórias — disse dona Benta. — Neste caso do doutor Botelho vemos uma tradução popular do Gato de Botas.
— Mas tradução bem malfeitinha — disse Emília. — Tudo na história é daqui do Brasil, até o macaco e as bananas — com certeza banana-ouro, que é -a melhor — mas esse rei, que aparece sem mais nem menos, está idiota. Não há reis por aqui. Em todo caso serve. Que se há de esperar da nossa pobre gente roceira?
— E a tal resposta do macaco ao rei: "Foi o doutor Botelho, amigo do macaco da bota do jabotelho?" Que significa isso? Que bota é essa?
— Não significa coisa nenhuma — disse dona Benta. — Bobagem. O tal jabotelho, que não é nada, está ali apenas para rimar com Botelho.
— E a bota?
— Essa bota foi o único restinho que ficou das botas do Gato de Botas.
— Coitadinho do povo! — exclamou Emília. — Tão ingênuo...
–––––––––––––
Continua… XXIX – A Raposa e o Homem
–––––––––––––-
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source
Um dia o macaco entrou em casa com os bolsos cheios de moedas de ouro e prata.
— Onde arranjou isso, macaco? — perguntou o homem, de olhos arregalados.
— Foi o rei que me deu — disse o macaco. — Fui visitá-lo em seu nome, com um presente, e o rei me deu tudo isto.
— E que presente levou ao rei, macaco?
— Veadinhos. Assobiei na floresta; vieram cem veadinhos que levei ao rei. Qualquer dia vou levar-lhe outro presente.
E assim foi. Na manhã seguinte o macaco chegou à beira do rio e pôs-se a assobiar. Vieram inúmeras garças, que ele convidou a irem com ele ao palácio do rei, numa procissão, duas a duas. O rei achou lindo aquilo e perguntou quem tinha tido a idéia.
— Foi o doutor Botelho, amigo do macaco da bota do jabotelho — respondeu o bichinho.
O rei agradeceu a lembrança e disse--lhe que fosse à Casa da Moeda receber dinheiro.
O macaco foi e encheu um alforje de moedas de ouro que levou ao homem.
Dias depois o macaco voltou à floresta e assobiou. Vieram inúmeros coelhos, que o macaco levou de presente ao rei, dizendo ser outro presente do doutor Botelho.
O rei, muito admirado, mostrou desejo de conhecer esse doutor tão rico. O macaco respondeu que o doutor Botelho era um homem muito acanhado que não visitava ninguém; mas que se o rei quisesse conhecer as suas riquezas, ele, macaco, as mostraria.
O rei montou a cavalo e saiu com o macaco na garupa. Passaram por muitas fazendas, e o macaco dizia sempre: "Isto aqui é do doutor Botelho." Afinal, cansado de ver as fazendas do doutor Botelho, o rei voltou ao palácio.
O macaco, então, disse ao rei que estava com vontade de falar uma coisa, mas sentia acanhamento.
— Fale — ordenou o rei — e o macaco disse que o doutor Botelho havia mandado pedir em casamento a filha de Sua Majestade.
Tratando-se dum homem tão rico, dono de tantas e tão lindas fazendas, o rei não teve dúvida em dar-lhe a filha em casamento.
— Diga ao doutor Botelho que sim, que lhe concedo a mão de minha filha — e você, macaco, vá à Casa da Moeda buscar mais ouro.
O macaco foi e encheu vários alforjes. Quando chegou à casa do carpinteiro com tudo aquilo, o pobre homem abriu a boca. E mais ainda quando soube que estava noivo da princesa, filha única dum grande rei.
— Mas, macaco, como posso eu, um pobre diabo, que vive neste casebre de tábuas, pensar em casar-me com a filha do rei? Você está louco?
O macaco, porém, sossegou-o.
— Não se incomode com coisa nenhuma; deixe tudo por minha conta.
No dia marcado para o casamento o macaco preparou para o doutor Botelho um lindo cavalo e o fez montar. O carpinteiro mal podia consigo.
— Estou que quase caio do cavalo, de tanto medo, macaco.
— Não seja bobo. Já disse que deixe tudo por minha conta.
E tanto o macaco fez que deu com o carpinteiro no palácio real, onde se efetuou o casamento. Tinham agora os noivos de seguir para a casa do doutor Botelho — e como era? O pobre carpinteiro suava frio. Mas o macaco o animou: "Não tenha medo de nada. Eu arranjo tudo."
E arranjou mesmo. Quando os noivos, acompanhados dos grandes fidalgos da corte, chegaram ao casebre, não viram lá casebre nenhum e sim um maravilhoso palácio, com grande criadagem de libre. Entraram. Estava arrumada a mesa dum banquete esplêndido, com quanto doce havia e um grande cacho de bananas no centro.
Ao ver as bananas o macaco esqueceu-se do seu papel e deu um pulo sobre a mesa. Aquilo de ser o escudeiro do célebre doutor Botelho era uma grande coisa — mas comer as bananas amarelinhas era melhor — e pôs-se a comer as bananas.
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— Essa história — disse Narizinho — é uma corrupção da velha história do Gato de Botas, que li nos Contos de Fadas do tal senhor Perrault. Mas como tia Nastácia contou está muito mais ingênua.
— Serve para mostrar como o povo adultera as histórias — disse dona Benta. — Neste caso do doutor Botelho vemos uma tradução popular do Gato de Botas.
— Mas tradução bem malfeitinha — disse Emília. — Tudo na história é daqui do Brasil, até o macaco e as bananas — com certeza banana-ouro, que é -a melhor — mas esse rei, que aparece sem mais nem menos, está idiota. Não há reis por aqui. Em todo caso serve. Que se há de esperar da nossa pobre gente roceira?
— E a tal resposta do macaco ao rei: "Foi o doutor Botelho, amigo do macaco da bota do jabotelho?" Que significa isso? Que bota é essa?
— Não significa coisa nenhuma — disse dona Benta. — Bobagem. O tal jabotelho, que não é nada, está ali apenas para rimar com Botelho.
— E a bota?
— Essa bota foi o único restinho que ficou das botas do Gato de Botas.
— Coitadinho do povo! — exclamou Emília. — Tão ingênuo...
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Continua… XXIX – A Raposa e o Homem
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source
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