Darzee era um bobinho, incapaz de conservar na cabeça mais de uma ideia ao mesmo tempo, e unicamente porque lhe disseram que os filhos de Nagaína vinham de ovos, como os seus, não lhe parecia justo que algum os destruísse. Mas já a sua companheira tinha outro modo de pensar, e sabia que ovos de cobra querem dizer futuras cobras; por isso voou do ninho, deixando em seu lugar o marido a aquecer os filhotes e sempre cantando cantigas a respeito da morte de Nag. Darzee em muitos pontos se assemelhava bastante aos homens.
A companheira de Darzee pousou perto de Nagaína, na estrumeira, e gemeu:
- Oh, a minha pobre asa quebrada!... O menino da casa grande me jogou uma pedra...
Em seguida pôs-se a esvoaçar desesperadamente.
Nagaína ergueu a cabeça e silvou:
- Foi você quem advertiu Rikki-tikki quando eu ia apanhá-la pelas costas, não me esqueci disso - e, portanto, acho que escolheu um bem mau ponto para debater-se ...
E, rápida, esgueirou-se para o lado da avezinha.
- O menino me quebrou a asa com urna pedra! - continuava a lamuriar-se, com pios de choro, a companheira de Darzee.
- Bom! Há de ser uma consolação para você, depois de morta, saber que breve justarei contas com esse menino. Meu pobre marido jaz na estrumeira, mas antes que a noite caia o menino também estará muito caladinho na casa grande. Para que correr? Não sabe que não me escapa dos dentes? Tolinha, olhe para mim!
A companheira de Darzee conhecia muito bem o perigo de fazer tal coisa. Quando os olhos do passarinho se encontram com os da serpente, o medo o tolhe de tal modo que ele não consegue fugir. Assim, a prudente avezinha continuou a esvoaçar, fingindo-se ferida, e a piar lamentosamente, mas sem volver os olhos para a cobra. E Nagaína continuou a persegui-la.
Rikki-tikki percebeu de longe aquele jogo, que ia afastando a cobra de perto do monturo, e tratou de correr para o canteiro dos melões. Lá encontrou, habilmente escondidos, vinte e cinco ovos do tamanho dos de garnizé, mas revestidos duma pele branquicenta em vez de casca.
- Cheguei a tempo, murmurou ela, vendo por transparência as cobrinhas enroladas no interior dos ovos. Rikki não ignorava que logo ao saírem dos ovos as cobrinhas já podem matar homem ou mangusta. Fez serviço rápido. Esmagou-os. Depois passou-os em revista para verificar se não havia escapado algum. Encontrou três ainda intatos. Nesse instante riu-se, ouvindo a companheira de Darzee piar de longe:
- Rikki-tikki, eu trouxe Nagaína para a casa! Está na varanda! Venha depressa! Nagaína quer matar o menino!
Rikki-tikki esmagou dois dos ovos restantes e com o terceiro na boca precipitou-se para a varanda o mais depressa que pôde.
Teddy e seus pais lá estavam, diante do lanche do costume. Mas não comiam. Muito pálidos, conservavam-se numa imobilidade de estátuas, como que fascinados pela serpente enrolada sobre a esteira, em ótima distancia para um bote contra a perna nua do menino. Nagaína balançava a cabeça dum lado e doutro, cantando o seu próximo triunfo.
- Filho do homem que matou Nag, silvava ela, fica tranqüilo... Ainda não vou ferir... Espera um bocado... Imóveis, todos os três, hein? Insensatos que me mataram o meu Nag!
Os olhos de Teddy estavam fixos em seu pai, e tudo quanto o homem podia murmurar era:
- Não se mova, Teddy! Não faça o menor movimento... Foi quando Rikki-tikki entrou gritando:
- Eis-me aqui, Nagaína. Em guarda, que lá vai!
- Cada coisa a seu tempo, respondeu a cobra sem tirar os olhos da família apavorada. Depois justarei minhas contas com você. Olhe os seus amigos, Rikki-tikki. Estão imóveis e pálidos de morte... Estão aterrorizados e não ousam fugir... Se você se aproximar de mais um passo, dou o bote.
- Vá ver os seus ovos, respondeu Rikki-tikki. Vá ver os seus ovos lá no canteiro dos melões. Vá vê-los, Nagaína!
A serpente voltou-se então e viu rolar por terra o ovo trazido na boca pela mangusta.
- Ah! gemeu ela. Dê-mo!
Rikki-tikki pousou as patas de cada lado do ovo, enquanto seus olhos se tornavam rubros como o sangue.
- Qual o preço dum ovo de serpente? Qual o preço duma cobrinha? Qual o preço da última cobrinha? Da última da última ninhada? As formigas lá estão ocupadas em comer as outras, no canteiro dos melões.
Ao ouvir aquilo, Nagaína deu volta sobre si, esquecida de tudo por amor ao seu derradeiro ovo. Nesse momento Rikki-tikki viu o pai de Teddy estender os braços para o menino e e arrancá-lo donde estava, por cima da mesa.
- Lograda! Lograda! Lograda! Rikk-tck-tck! gargalhou a mangusta triunfante. O menino está salvo e fui eu... eu... eu quem agarrou Nag pelo capelo, esta noite, na sala de banho.
Em seguida pôs-se a saltar de todos os lados, numa alegria louca.
- Nag me sacudiu à grande, mas não conseguiu fazer-me largar cio seu pescoço - e já estava morto quando o homem lhe deu o tiro de misericórdia. Fui eu quem o matou! Rikkitikk-tck-tck ! Por aqui, Nagaína. Por aqui - e batamo-nos. Você não ficará viúva por muito tempo.
Nagaína viu que havia perdido toda a chance de matar o menino e que o ovo - seu último ovo - permanecia entre as patas da mangusta.
- Dê-me o ovo, Rikki-tikki! Dê-me o meu derradeiro ovo, que prometo ir-me para sempre, murmurou ela baixando o capelo.
- Sim, você vai daqui para sempre, porque vai para o monturo fazer companhia a Nag. Em guarda, senhora viúva! O homem já foi buscar o canudo que faz pum! Em guarda!
Rikki-tikki pôs-se a pular em torno de Nagaína, sempre fora do seu alcance, com os olhos vivos como brasas. A cobra armou o bote e arremeteu. Rikki escapou dum salto e recuou. Outro e outro bote foram lançados, mas a cabeça da cobra batia sempre num choque surdo contra a esteira e seu corpo tinha de enrolar-se de novo, como espiral de relógio. Rikk-tikki dançava-lhe em redor para a pilhar de costas e a serpente girava sobre si para ter sempre a cabeça de frente ao inimigo. O ruído da sua cauda na esteira soava como folhas mortas que o vento agita.
Rikki-tikki havia esquecido o ovo em certo ponto da varanda. A cobra foi se aproximando dele pouco a pouco, e, num momento em que Rikki tomava fôlego, segurou-o na boca e disparou de rumo ao jardim com a rapidez da flecha. Rikki a seguiu. Quando uma cobra foge para salvar a vida, toma o aspecto dum chicote ao acamar-se no pescoço do cavalo.
A mangusta sabia muito bem que, ou dava cabo da cobra, ou não haveria mais sossego na casa. Nagaína dirigia-se em linha reta para o ervaçal, perto do espinheiro, onde Darzee continuava piando o seu canto de triunfo, qual perfeito maluquinho. Já a companheira, muito mais avisada, voou do ninho e veio esvoaçar sobre a cabeça da cobra. Se Darzee fizesse o mesmo, teriam conseguido fazê-la deter-se; mas Nagaína limitou-se a achatar o capelo e prosseguiu na fuga veloz. Não obstante, a breve atrapalhação que o voejo da avezinha determinara na marcha da cobra permitiu que Rikki-tikki se aproximasse e lhe ferrasse o dente na cauda, no momento em que Nagaína se ia sumindo no buraco onde morava - e lá se
foram por ele além, a cobra e a mangusta, embora nenhuma, por mais experiente que seja, tenha o costume de seguir as cobras nos buracos.
==========
continua…
Fonte:
Rudyard Kipling. O Livro da Jângal.
A companheira de Darzee pousou perto de Nagaína, na estrumeira, e gemeu:
- Oh, a minha pobre asa quebrada!... O menino da casa grande me jogou uma pedra...
Em seguida pôs-se a esvoaçar desesperadamente.
Nagaína ergueu a cabeça e silvou:
- Foi você quem advertiu Rikki-tikki quando eu ia apanhá-la pelas costas, não me esqueci disso - e, portanto, acho que escolheu um bem mau ponto para debater-se ...
E, rápida, esgueirou-se para o lado da avezinha.
- O menino me quebrou a asa com urna pedra! - continuava a lamuriar-se, com pios de choro, a companheira de Darzee.
- Bom! Há de ser uma consolação para você, depois de morta, saber que breve justarei contas com esse menino. Meu pobre marido jaz na estrumeira, mas antes que a noite caia o menino também estará muito caladinho na casa grande. Para que correr? Não sabe que não me escapa dos dentes? Tolinha, olhe para mim!
A companheira de Darzee conhecia muito bem o perigo de fazer tal coisa. Quando os olhos do passarinho se encontram com os da serpente, o medo o tolhe de tal modo que ele não consegue fugir. Assim, a prudente avezinha continuou a esvoaçar, fingindo-se ferida, e a piar lamentosamente, mas sem volver os olhos para a cobra. E Nagaína continuou a persegui-la.
Rikki-tikki percebeu de longe aquele jogo, que ia afastando a cobra de perto do monturo, e tratou de correr para o canteiro dos melões. Lá encontrou, habilmente escondidos, vinte e cinco ovos do tamanho dos de garnizé, mas revestidos duma pele branquicenta em vez de casca.
- Cheguei a tempo, murmurou ela, vendo por transparência as cobrinhas enroladas no interior dos ovos. Rikki não ignorava que logo ao saírem dos ovos as cobrinhas já podem matar homem ou mangusta. Fez serviço rápido. Esmagou-os. Depois passou-os em revista para verificar se não havia escapado algum. Encontrou três ainda intatos. Nesse instante riu-se, ouvindo a companheira de Darzee piar de longe:
- Rikki-tikki, eu trouxe Nagaína para a casa! Está na varanda! Venha depressa! Nagaína quer matar o menino!
Rikki-tikki esmagou dois dos ovos restantes e com o terceiro na boca precipitou-se para a varanda o mais depressa que pôde.
Teddy e seus pais lá estavam, diante do lanche do costume. Mas não comiam. Muito pálidos, conservavam-se numa imobilidade de estátuas, como que fascinados pela serpente enrolada sobre a esteira, em ótima distancia para um bote contra a perna nua do menino. Nagaína balançava a cabeça dum lado e doutro, cantando o seu próximo triunfo.
- Filho do homem que matou Nag, silvava ela, fica tranqüilo... Ainda não vou ferir... Espera um bocado... Imóveis, todos os três, hein? Insensatos que me mataram o meu Nag!
Os olhos de Teddy estavam fixos em seu pai, e tudo quanto o homem podia murmurar era:
- Não se mova, Teddy! Não faça o menor movimento... Foi quando Rikki-tikki entrou gritando:
- Eis-me aqui, Nagaína. Em guarda, que lá vai!
- Cada coisa a seu tempo, respondeu a cobra sem tirar os olhos da família apavorada. Depois justarei minhas contas com você. Olhe os seus amigos, Rikki-tikki. Estão imóveis e pálidos de morte... Estão aterrorizados e não ousam fugir... Se você se aproximar de mais um passo, dou o bote.
- Vá ver os seus ovos, respondeu Rikki-tikki. Vá ver os seus ovos lá no canteiro dos melões. Vá vê-los, Nagaína!
A serpente voltou-se então e viu rolar por terra o ovo trazido na boca pela mangusta.
- Ah! gemeu ela. Dê-mo!
Rikki-tikki pousou as patas de cada lado do ovo, enquanto seus olhos se tornavam rubros como o sangue.
- Qual o preço dum ovo de serpente? Qual o preço duma cobrinha? Qual o preço da última cobrinha? Da última da última ninhada? As formigas lá estão ocupadas em comer as outras, no canteiro dos melões.
Ao ouvir aquilo, Nagaína deu volta sobre si, esquecida de tudo por amor ao seu derradeiro ovo. Nesse momento Rikki-tikki viu o pai de Teddy estender os braços para o menino e e arrancá-lo donde estava, por cima da mesa.
- Lograda! Lograda! Lograda! Rikk-tck-tck! gargalhou a mangusta triunfante. O menino está salvo e fui eu... eu... eu quem agarrou Nag pelo capelo, esta noite, na sala de banho.
Em seguida pôs-se a saltar de todos os lados, numa alegria louca.
- Nag me sacudiu à grande, mas não conseguiu fazer-me largar cio seu pescoço - e já estava morto quando o homem lhe deu o tiro de misericórdia. Fui eu quem o matou! Rikkitikk-tck-tck ! Por aqui, Nagaína. Por aqui - e batamo-nos. Você não ficará viúva por muito tempo.
Nagaína viu que havia perdido toda a chance de matar o menino e que o ovo - seu último ovo - permanecia entre as patas da mangusta.
- Dê-me o ovo, Rikki-tikki! Dê-me o meu derradeiro ovo, que prometo ir-me para sempre, murmurou ela baixando o capelo.
- Sim, você vai daqui para sempre, porque vai para o monturo fazer companhia a Nag. Em guarda, senhora viúva! O homem já foi buscar o canudo que faz pum! Em guarda!
Rikki-tikki pôs-se a pular em torno de Nagaína, sempre fora do seu alcance, com os olhos vivos como brasas. A cobra armou o bote e arremeteu. Rikki escapou dum salto e recuou. Outro e outro bote foram lançados, mas a cabeça da cobra batia sempre num choque surdo contra a esteira e seu corpo tinha de enrolar-se de novo, como espiral de relógio. Rikk-tikki dançava-lhe em redor para a pilhar de costas e a serpente girava sobre si para ter sempre a cabeça de frente ao inimigo. O ruído da sua cauda na esteira soava como folhas mortas que o vento agita.
Rikki-tikki havia esquecido o ovo em certo ponto da varanda. A cobra foi se aproximando dele pouco a pouco, e, num momento em que Rikki tomava fôlego, segurou-o na boca e disparou de rumo ao jardim com a rapidez da flecha. Rikki a seguiu. Quando uma cobra foge para salvar a vida, toma o aspecto dum chicote ao acamar-se no pescoço do cavalo.
A mangusta sabia muito bem que, ou dava cabo da cobra, ou não haveria mais sossego na casa. Nagaína dirigia-se em linha reta para o ervaçal, perto do espinheiro, onde Darzee continuava piando o seu canto de triunfo, qual perfeito maluquinho. Já a companheira, muito mais avisada, voou do ninho e veio esvoaçar sobre a cabeça da cobra. Se Darzee fizesse o mesmo, teriam conseguido fazê-la deter-se; mas Nagaína limitou-se a achatar o capelo e prosseguiu na fuga veloz. Não obstante, a breve atrapalhação que o voejo da avezinha determinara na marcha da cobra permitiu que Rikki-tikki se aproximasse e lhe ferrasse o dente na cauda, no momento em que Nagaína se ia sumindo no buraco onde morava - e lá se
foram por ele além, a cobra e a mangusta, embora nenhuma, por mais experiente que seja, tenha o costume de seguir as cobras nos buracos.
==========
continua…
Fonte:
Rudyard Kipling. O Livro da Jângal.
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