Sibite |
Era uma casa de meia-água a que comprei, com um casal amigo, na praia do Morro Branco. No meu quarto, entre uma das linhas e a parede, havia uma abertura que marcava bem uma das quinas. Abertura decorrente do serviço mal feito do construtor daquelas casinhas que formavam os primeiros conjuntos da Tabuba do Morro Branco. Pois por essa abertura entrava, todo dia, cedinho, um passarinho.
Eu entregara-me ao sono tranquilamente, tirando desforra das noites mal dormidas durante a semana e tentando diminuir o estresse de cinco dias de sala de aula, de engarrafamentos e preocupações, quando era despertada pelo canto ou pelo voo rasante do pequeno pássaro – que ainda hoje não sei de qual espécie era. Talvez um sibite. Mas não posso afirmar. Minha primeira reação era de raiva, afinal de contas, eu estava no melhor do sono e vinha aquele desocupado acordar-me. Ele dava umas três voltas pelo quarto e saía. Eu, às vezes, com raiva por haver acordado, levantava-me e começava o dia mais cedo. Outras vezes, conseguia adormecer de novo. Tanto reclamei dessas visitas madrugadeiras, que acabaram por mandar fechar a abertura. E o passarinho ficou sem a passagem através da qual me dava bom dia, e eu pude dormir sossegada e acordar na hora em que bem quisesse. Se bem que nunca fui de dormir demais. Amigos que tinham conhecimento dessas visitas passarinhescas diziam, para me amolar, que era um privilégio acordar com a serenata de um passarinho dentro do quarto. Eu sempre retrucava: Dispenso esse privilégio.
Mas a vida dá o troco. Depois que vendemos a casa do Morro Branco, inventei de cultivar plantas em minha minúscula sacada. Pendurei entre as plantas um bebedouro para atrair passarinho com uma boa garapa de açúcar. E vêm sibites e beija-flores. Pois não é que, de vez em quando, os pequenos sibites entram no apartamento e ficam passeando pelos aposentos?! Já morreu mais de um nessas aventuras – eles entram e ficam debatendo-se, em busca da saída. E não adianta abrir portas e janelas e tentar encaminhá-los para o espaço livre. Eles mesmos é que devem encontrar o caminho. Mas o certo é que quase todo dia acordo aos acordes das serenatas dos sibites?! E não me aborreço mais. Até que gosto. Quando alguém reclama do barulho que eles fazem, com um sorriso de ironia (ironizo a mim mesma) repito o que me diziam nos tempos do Morro Branco: É um privilégio acordar com o canto dos passarinhos.
O ser humano não tem jeito mesmo. Só gosta do que é difícil, só dá valor ao que lhe custa algum dinheiro, algum trabalho, algum sacrifício. Na casa da praia, os passarinhos visitavam-me sem ser convidados, e eu não despendia nenhum esforço, nenhum dinheiro para tê-los em meu quarto e ouvir seu canto toda manhã. E não lhes dava valor, até enxotava-os. Hoje, quando preciso atraí-los com uma beberagem, quando tenho de gastar dinheiro para comprar o bebedouro, sou uma anfitriã gentil e feliz.
Às vezes, passo horas na janela do meu quarto esperando a visita de um deles – principalmente dos beijas – para apreciar seu voo ou fotografá-los. E eles não estão nem aí. Descobri que também para ir à minha sacada eles escolhem a época, principalmente os beija-flores. É nos tempos chuvosos que eles se fazem mais presentes. Por quê? Para ser franca, não sei. O que sei é que, quando o sol se esconde, quando fica um pouco nublado, eles começam a aparecer. E, na temporada de chuva, nem se fala. Dão até prejuízo, já que tenho de abastecer o pequeno bebedouro até três vezes ao dia.
O que sei é que fotografar passarinho virou uma mania – tenho belas fotos de sibites e de beija-flores, que sempre tiro por trás do vidro da janela de meu quarto. Estamos em dezembro, época em que parece até que eles se esqueceram de mim e de minha sacada. Mas agora, enquanto escrevo esta crônica, ouço o canto de um sibite. Para melhor apreciá-lo, vou fechando este texto com chave de... palavras mesmo. Acho que, se os passarinhos do Morro Branco tomassem conhecimento desses fatos, iriam morrer de rir... opa! Já disse um estudioso que rir e chorar são prerrogativas humanas. Serão?
Fonte:
IV Troféu Literatura da Natureza, in http://www.reinodosconcursos.com.br
Eu entregara-me ao sono tranquilamente, tirando desforra das noites mal dormidas durante a semana e tentando diminuir o estresse de cinco dias de sala de aula, de engarrafamentos e preocupações, quando era despertada pelo canto ou pelo voo rasante do pequeno pássaro – que ainda hoje não sei de qual espécie era. Talvez um sibite. Mas não posso afirmar. Minha primeira reação era de raiva, afinal de contas, eu estava no melhor do sono e vinha aquele desocupado acordar-me. Ele dava umas três voltas pelo quarto e saía. Eu, às vezes, com raiva por haver acordado, levantava-me e começava o dia mais cedo. Outras vezes, conseguia adormecer de novo. Tanto reclamei dessas visitas madrugadeiras, que acabaram por mandar fechar a abertura. E o passarinho ficou sem a passagem através da qual me dava bom dia, e eu pude dormir sossegada e acordar na hora em que bem quisesse. Se bem que nunca fui de dormir demais. Amigos que tinham conhecimento dessas visitas passarinhescas diziam, para me amolar, que era um privilégio acordar com a serenata de um passarinho dentro do quarto. Eu sempre retrucava: Dispenso esse privilégio.
Mas a vida dá o troco. Depois que vendemos a casa do Morro Branco, inventei de cultivar plantas em minha minúscula sacada. Pendurei entre as plantas um bebedouro para atrair passarinho com uma boa garapa de açúcar. E vêm sibites e beija-flores. Pois não é que, de vez em quando, os pequenos sibites entram no apartamento e ficam passeando pelos aposentos?! Já morreu mais de um nessas aventuras – eles entram e ficam debatendo-se, em busca da saída. E não adianta abrir portas e janelas e tentar encaminhá-los para o espaço livre. Eles mesmos é que devem encontrar o caminho. Mas o certo é que quase todo dia acordo aos acordes das serenatas dos sibites?! E não me aborreço mais. Até que gosto. Quando alguém reclama do barulho que eles fazem, com um sorriso de ironia (ironizo a mim mesma) repito o que me diziam nos tempos do Morro Branco: É um privilégio acordar com o canto dos passarinhos.
O ser humano não tem jeito mesmo. Só gosta do que é difícil, só dá valor ao que lhe custa algum dinheiro, algum trabalho, algum sacrifício. Na casa da praia, os passarinhos visitavam-me sem ser convidados, e eu não despendia nenhum esforço, nenhum dinheiro para tê-los em meu quarto e ouvir seu canto toda manhã. E não lhes dava valor, até enxotava-os. Hoje, quando preciso atraí-los com uma beberagem, quando tenho de gastar dinheiro para comprar o bebedouro, sou uma anfitriã gentil e feliz.
Às vezes, passo horas na janela do meu quarto esperando a visita de um deles – principalmente dos beijas – para apreciar seu voo ou fotografá-los. E eles não estão nem aí. Descobri que também para ir à minha sacada eles escolhem a época, principalmente os beija-flores. É nos tempos chuvosos que eles se fazem mais presentes. Por quê? Para ser franca, não sei. O que sei é que, quando o sol se esconde, quando fica um pouco nublado, eles começam a aparecer. E, na temporada de chuva, nem se fala. Dão até prejuízo, já que tenho de abastecer o pequeno bebedouro até três vezes ao dia.
O que sei é que fotografar passarinho virou uma mania – tenho belas fotos de sibites e de beija-flores, que sempre tiro por trás do vidro da janela de meu quarto. Estamos em dezembro, época em que parece até que eles se esqueceram de mim e de minha sacada. Mas agora, enquanto escrevo esta crônica, ouço o canto de um sibite. Para melhor apreciá-lo, vou fechando este texto com chave de... palavras mesmo. Acho que, se os passarinhos do Morro Branco tomassem conhecimento desses fatos, iriam morrer de rir... opa! Já disse um estudioso que rir e chorar são prerrogativas humanas. Serão?
Fonte:
IV Troféu Literatura da Natureza, in http://www.reinodosconcursos.com.br
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