quarta-feira, 5 de março de 2014

Teófilo Braga (O Coelho Branco)

Recolhido na Ilha de São Miguel, Açores

Havia um rei que tinha uma filha já crescida, que gostava muito de se lavar no balcão, e pedia à aia que levasse a bacia e outros preparos e uma bandeja para pôr os anéis. Vinha um coelhinho branco, furtava-lhe os anéis e fugia; a princesa gostava de ver aquilo, não dizia nada, ia ao cofre e metia outros nos dedos.

Continuou o coelhinho a furtar, até que a princesa ficou sem nenhum anel. Antes tinha tão grande abundância, que ela ficou muito triste e melancólica; o rei teve muita pena com isto, e até mandou pôr um edital para virem todas as pessoas antigas para contarem contos e histórias para alegrarem a princesa. Vieram muitas pessoas, mas a princesa estava no mesmo; até que vieram duas velhas sem saberem o que haviam de contar.

Pelo caminho encontraram um burro sem pés nem mãos, carregado de lenha; as velhas foram em seguimento do burro, viram-no chegar a umas casas, descarregar a lenha, e acarretá-la para dentro. Elas então subiram e no patim em cima viram umas púcaras a ferver; uma das velhas meteu o dedo e provou, e neste tempo ouviu uma voz a dizer-lhe:

— Não proves, que não é para ti.

E a velha olhou pelo buraco da chave e viu um coelho, que tirou a pele, e tornou-se em um príncipe, e disse:

— Quem me dera ver a dona dos anéis que tenho aqui.

As velhas partiram para o palácio, e lá contaram o que tinham visto à princesa. Isto, já se sabe, alegrou logo a princesa, e disse ao rei que queria ver aquilo. Foram todos, velhas, princesa e rei. Viram o burro fazer o mesmo, e foram à dita casa. A princesa meteu o dedo e provou; neste ponto ouviu dizer:

— Prova, que é para ti.

Ela foi vigiar (espreitar), e as portas abriram-se, e o coelho disse:

— Quem me dera ver a dona dos anéis que tenho aqui!

A princesa respondeu:

— A dona sou eu.

O coelho tornou-se príncipe, porque aquelas palavras lhe quebraram o encantamento, e casaram, foram muito felizes, e as duas velhas ficaram damas de honra do paço.
======================
Notas Comparativas

Em uma versão do Algarve, inédita, vinha o estribilho poético:

Lenço, liga, cordão e cuidado,
Quem me dera ver aqui
A dama do meu agrado!


Fonte:
Contos Tradicionais do Povo Português
http://pt.wikisource.org/wiki/Contos_Tradicionais_do_Povo_Portugu%C3%AAs/O_coelho_branco

Nenhum comentário: