sábado, 1 de março de 2014

Helvécio Barros (Baú de Trovas)

Macau, Rio Grande do Norte 30 de abril de 1909.
Bauru 27 de setembro de 1995


A amizade não quer palmas
por ajudar seus irmãos.
Deus olha o fundo das almas
e nunca a palma das mãos.

Abro a janela bem cedo
e ouço músicas bizarras...
- São as vozes do arvoredo,
no coro de mil cigarras...

Ah! Quantos vão pelo mundo,
sem calor, de alma abatida,
fugindo a cada segundo
da própria sombra da vida!

Amigos só de lorota,
há na terra em profusão!
- Mas os bons a gente nota
num só aperto de mão...

Andei aos trancos na vida,
como humilde peregrino:
– Cheguei ao fim da subida,
sem chegar ao meu destino!

A própria infância também,
é do Passado uma voz:
- Saudade, às vezes, de alguém
que vive dentro de nós...

A trova simples, sonora
parece flor do sertão!
A gente fácil decora,
mas quem sente é o coração

Cabelos brancos ao vento,
- Saudade feita de neve!
Mil fibras de sentimento
dizendo a tudo até breve!...

Carro de bois do sertão,
acordando as madrugadas,
a ouvir-te a triste canção,
ouço o choro das estradas...

Carta de afeto relida,
de quem nos quis muito bem,
traz um pedaço de vida,
na saudade que contém.

Definir foi sempre em vão,
da saudade o seu por quê...
- Mas, se vem do coração,
saudade, enfim, é você...

Do Sonho sou vagabundo,
trilhando rumos diversos...
Não tendo nada do Mundo,
o Mundo abraço nos versos.

Duas almas bem unidas
ninguém separa jamais.
Às vezes, são duas vidas,
que a vida já fez iguais!

Em qualquer templo que seja,
sorri a noiva em seu véu...
- De flores, cobre-se a igreja!
- De sonhos, veste-se o Céu!

Há caprichos diferentes
em certas cartas lacradas:
são os gritos contundentes
das reticências caladas…

Há sempre um dia cinzento
vivendo dentro de nós...
- Reticências de um lamento...
- Tristeza que não tem voz!

Mesmo com truques velados,
tinha a mocinha de outrora
mais tolerantes pecados
e menos pernas de fora...

Muita lágrima sentida
em silêncio sei que enxugas...
- São reticências da vida
pelo caminho das rugas...

Não chores, criança pobre,
o teu casebre sem luz,
que há muita mansão de nobre,
onde há Natal sem Jesus.

Não choro, na solidão,
a vida que vai passando,
choro, apenas, com razão,
o que a vida vai matando!...

Não te julgues o primeiro,
nem que sejas um portento:
quanto mais alto o coqueiro,
mais fácil se verga ao vento!

Na vida o nosso papel
é tal qual o pirulito:
- Quando a língua chega ao mel,
o dente trinca o palito...

Nesta cabana esquecida
e sem você, quem sou eu?...
– Um resto, talvez, de vida
que a própria vida esqueceu!...

Ninguém altera jamais,
nossos caminhos terrenos:
- Alguns têm tudo demais!
- Outros têm tudo de menos!

Ninguém por certo é perfeito
numa total plenitude.
- Quem conhece o seu defeito
já tem alguma virtude.

O lar é viga, cimento,
a modelar gerações!
- Cartilha do sentimento,
feita de mil corações!

Pioneiro da bondade,
foi Jesus, sempre a servir!
– Ensinou a humildade,
de dar e nunca pedir!

Quando alguém foge à virtude
e pisa as rosas do Amor,
passa a ser espinho rude,
já que não soube ser flor!

Quem sonha é sempre criança,
na vida não tem idade...
- Vive tecendo Esperança!
- Vive juntando Saudade!

Ribeirão Preto, é sucesso,
é vida que se renova,
se canta a luz do progresso,
vibra na festa da Trova.

Sem ver distinção de raça,
dá a todos tua mão!
– Que eu sofra, meu Deus, mas faça,
de cada amigo um irmão!

Tal qual arisca serpente,
a mulata, quando passa,
mexe com tudo da gente,
belisca o sangue da raça...

Tributos e dissabores
a vida nos deu dobrados:
– tu choras por  minhas dores,
eu choro por teus pecados!

Um grande amor não se esquece!
Nada no mundo o destrói!...
Quanto mais longe, mais cresce!
Quanto mais perto, mais dói!

Velho mar, soturno e rude,
entre nós – que afinidade:
gemendo a mesma inquietude,
chorando a mesma saudade...

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