Apesar da nobre ascendência de Monan, Maire-Pochy, por alguma desgraça do destino, nascera voltado à infelicidade. Além de servo do cacique, ele era feio e corcunda.
Maire-Pochy gostava de pescar, e certo dia trouxe do rio um belo peixe. Ao vê-lo, a filha do seu amo lambeu os lábios de apetite.
– Que beleza! Tudo faria para saboreá-lo!
Maire-Pochy correu logo a preparar, ele mesmo, o belo peixe no moquém (espécie de grelha). O peixe devia ser muito especial, pois tão logo a jovem o comeu, ficou grávida. O menino nasceu com uma rapidez inaudita, e logo o pai da jovem quis saber quem era o pai da criança.
Mas ninguém se apresentou, o que obrigou o cacique a ter uma conversa com o pajé.
– Os miseráveis estão calados, e ninguém quer assumir a paternidade! – disse o morubixaba. – Como hei de saber quem é o pai da criança?
O pajé, porém, que tinha receitas para todos os males, tinha uma também para este.
– É fácil descobrir – disse ele, com uma empáfia serena. – Reúna todos os homens da tribo e os faça desfilar diante da jovem portando seus arcos. Quando o verdadeiro pai se apresentar, a criança tocará o seu arco.
O cacique fez como o pajé dissera, e todos os homens saudáveis da tribo desfilaram diante da jovem com o bebê ao colo. Mais de cem índios, de todos os tamanhos, passaram à frente do bebê, mas ele não tocou o arco de nenhum deles.
Então, o terror cresceu na alma do cacique.
– Será Anhangá, o espírito mau, o pai da criança?
Mas, quando todos já estavam se dispersando, o pajé gritou:
– Esperem! Faltou Maire-Pochy, o corcunda!
Um coro de risos explodiu entre os índios.
– Está brincando? – exclamou o cacique ao pajé.
– Ele é um homem saudável, apesar da aparência – disse o pajé. – Que desfile também!
Então Maire-Pochy desfilou diante da índia e de seu bebê. Assim que ele passou diante dos dois, portando o seu arco, o garoto esticou o bracinho e fez vibrar a corda.
Um som parecido com o da harpa soou, fazendo calar a tribo inteira.
– Afronta e vergonha! – gritou o morubixaba, fuzilando a filha com os olhos.
No mesmo dia, o cacique ordenou que a tribo inteira partisse daquele lugar, abandonando a filha e o neto junto com Maire-Pochy.
– De hoje em diante, não tenho mais filha! – esbravejou o cacique, antes de partir.
Desde aquele dia, a taba florescente converteu-se numa taba-fantasma, habitada apenas pela mulher, a criança e Maire-Pochy. Mal sabia, porém, o cacique que, ao partir, levara consigo uma maldição, pois nas novas terras verdejantes onde a tribo se instalou não crescia mais um único talo de erva, a água havia secado e toda a criação perecera.
– Isto só pode ser uma maldição de Maire-Pochy! – disse o cacique.
Nas terras onde haviam permanecido o corcunda e a índia, tudo continuava às mil maravilhas: as plantações brotavam por si mesmas, a água corria fresca e estuante e os animais procriavam como coelhos.
Ao saber dos infortúnios do cacique, Maire-Pochy mandou dizer a ele que poderiam vir abastecer-se nas terras onde agora era o senhor.
– Maire-Pochy diz que não guarda mágoa alguma – disse o emissário ao cacique.
O morubixaba pensou um pouco e disse:
– É, não tem outro jeito, vamos ter de nos humilhar diante daquele miserável!
Então apresentaram-se diante do corcunda e da jovem.
– Abasteçam-se de tudo quanto quiserem – disse Maire-Pochy , com um ar piedoso.
Os esfomeados se lançaram à comida farta, espalhada por dúzias de moquéns. Ao experimentarem os pitéus, no entanto, sobreveio imediatamente a desgraça, pois tudo não passava de uma armadilha. Logo todos começaram a se converter em porcos, em grilos e em maracanãs (espécie de arara menor, de plumagem verde). O cacique se converteu num jacaré, enquanto sua esposa virou uma tartaruga.
Cumprida a vingança, Maire-Pochy fez como o seu antepassado Monan e subiu às nuvens, para nunca mais retornar à Terra.
Fonte:
Mitos e Lendas Sul Americanas
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