quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Jessé Nascimento (Uma Noite)


Quando a madrugada espreguiçou-se, despertada pelos primeiros clarões do dia, ele ainda caminhava sem destino, ao encontro do nada. Há horas vagueava sem conseguir entender porque e para que. Seus pensamentos emaranhados, aturdidos, afugentados, não o deixavam situar-se. Sentia-se terrivelmente só. Só e vazio. Já não sabia quantas vezes sentara-se no meio-fio e levantara-se para continuar aquela estranha caminhada.

Procurava, no entanto, lembrar-se de como tudo começou. Haveria uma razão. Mas, qual? Por que a sua mente teimava em não ajudá-lo?

Apalpou a cabeça ainda dolorida, penteou com os dedos os cabelos em desalinho, tentou recompor-se. E maquinalmente, febrilmente,  continuou tentando decifrar a charada que uma pseudo-amnésia lhe apresentava. Um encontro que não se deu? Uma fuga do não-sei-o-quê? Uma briga? E depois a bebida...

Por que, Senhor, ali estava a velar a sonolenta noite, a acompanhar as silenciosas horas da fria madrugada? Já estava, por certo, cansado de encontrar as mesmas esquinas, saudar os mesmos postes. Seus olhos dormitavam alternadamente, exaustos por um longo dia. Finalmente entregou os pontos. Deixou-se vencer pelo sono, pela fadiga.
                                  ...

De um sobressalto ergueu-se assustado pelo som das buzinas e com as bruscas freadas dos ônibus que já cuspiam seus passageiros aqui e ali. O sol já se fazia alto. Soberano e altaneiro.

O seu ontem deixou de existir. Estava refeito - refeito? - para um novo dia...

Fonte:
Recanto das Letras, 22/05/2015.

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