Vivia na Irlanda, há muito tempo, um homem a quem chamavam Gobán Saoir, que era um exímio carpinteiro. Naqueles tempos, era costume construir as casas de madeira, e ninguém o fazia melhor que ele. O seu nome tornara-se famoso em todo o país, pelo que todas as pessoas de certa classe e renome lhe pediam que construísse as suas habitações.
Tinha apenas um filho, que trabalhava com ele, e muita gente recorria a eles, quando precisava de bons profissionais. Um dia, Gobán Saoir decidiu procurar uma mulher para o filho. Como a sua própria esposa estava a envelhecer, concebeu um plano para o ajudar a conseguir uma companheira satisfatória.
Ordenou ao rapaz que fosse buscar uma ovelha e sacrificou-a. Em seguida, retirou-lhe a pele meticulosamente, enrolou-a e guardou-a até ao dia de mercado seguinte.
— Leva a pele da ovelha à cidade, hoje — indicou ao filho. -Depois, volta a trazê-la e o dinheiro que te derem por ela.
O jovem pôs-se a caminho e, ao chegar ao mercado, estendeu a pele no chão. As pessoas que passavam perguntavam-lhe quanto pedia por ela e ele respondia que queria conservá-la em seu poder, juntamente com o preço que tinham de lhe pagar. Todos reconheciam que não devia regular bem da cabeça e, ao anoitecer, regressaram a casa e ele à sua com a pele.
— Vendeste-a? — perguntou o pai.
— Não consegui. Julgavam-me louco.
— Bem, tentarás outro dia.
— Para quê? — replicou o filho. — Com essa condição, ninguém ma comprará!
— Garanto-te que a hás de vender, ainda que demores um ano.
No dia de mercado seguinte, o pai mandou o jovem novamente ao local, assegurando-lhe que venderia a pele. O filho colocou-se no mesmo lugar, e a história repetiu-se. Quando aparecia um interessado e ele o advertia de que teria de manter a pele em seu poder, juntamente com o dinheiro do preço pedido, desinteressava-se. No fim do dia, o mercado encerrou as portas e ele enrolou a pele e regressou a casa.
— Então, vendeste-a? — perguntou o pai.
— Não — respondeu o rapaz. — Fartaram-se de rir de mim.
— Tens de voltar a tentar.
— Aposto o que quiseres que farei essa viagem em vão.
— De qualquer modo, tens de efetuar mais uma tentativa.
Quando se dirigia mais uma vez para o mercado, cruzou-se com uma jovem das imediações, que vinha da fonte com um cântaro de água e lhe perguntou:
— Vais ao mercado?
— Vou, mas acredita que não me apetece nada.
— Que te leva lá?
— Tenho de vender esta pele de ovelha e hoje é a terceira tentativa, mas duvido que o consiga.
— Nesse caso, porque vais lá?
— Estou numa situação muito difícil. Tenho de a entregar ao meu pai, juntamente com o dinheiro que custa.
— E ninguém a quer comprar?
— Ninguém. No mercado, todos se riem de mim.
— Acompanha-me a casa — propôs ela. — Talvez eu te a compre.
O jovem assentiu, sabendo que se tratava da serviçal de um agricultor que vivia perto dali. Uma vez chegados, ela pousou o cântaro e pediu:
— Tira a pele do saco, para que a veja.
Ele obedeceu e desenrolou-a diante da lareira. Em seguida, ela pegou numa tesoura, cortou a lã e pesou-a.
— Pronto — anunciou. — A pele tinha dois quilos de lã e cada quilo custa oito pence*. Aqui tens o dinheiro da lã. Podes ficar com o couro e levá-lo ao teu pai, exatamente como ele te recomendou.
E o jovem regressou a casa satisfeito. Quando Gobán Saoir lhe perguntou se vendera a pele, respondeu:
— Vendi, e não tive de ir muito longe. Comprou-a uma jovem. Deu-me o dinheiro da lã, que ela própria cortou da pele com uma tesoura, e deixou-me ficar com o couro, mas não sei se isso é do teu agrado.
— E, sem dúvida, porque tudo resultou como eu desejava. Agora, procura essa moça e pede-lhe que venha esta noite. Mas atenta no seguinte: não deve vir nem por estrada, nem por caminho, nem através do campo. Além disso, não pode trazer companhia, mas não deve vir só. E não entrará, nem ficará lá fora.
— Com a breca! — exclamou o jovem. — Que exigências tão estranhas!
— Vai e faz o que te mando.
O filho de Gobán Saoir dirigiu-se à fazenda e, quando chegou, perguntou pela jovem à dona da casa.
— Foi buscar batatas ao campo — informou ela. — Podes ir lá procurá-la.
Quando o viu, a jovem mostrou-se surpreendida.
— Não me digas que o teu pai não ficou satisfeito com a venda da pele!
— Não venho por causa disso. Ele quer que o visites esta noite, mas não deves ir nem por estrada, nem por caminho, nem através do campo. Além disso, tens de ir só, mas acompanhada. Como se isso não bastasse, não podes entrar em casa, nem ficar fora.
— Muito bem — concordou. — Comunica-lhe que não faltarei.
Depois de colher as batatas e terminar as outras tarefas que lhe competiam, ela pôs-se a caminho, mas antes chamou o cão. Depois, subiu ao alto vale que se estendia da fazenda até à porta da casa de Gobán Saoir e só desceu de lá quando se encontrou no final. Por fim, colocou um pé dentro da porta e o outro fora.
— Que Deus e a Virgem Maria estejam contigo — proferiu.
— Não queres entrar? — convidou Gobán.
— Segundo a tua ordem, não devo entrar nem ficar fora. Como vês, encontro-me entre os dois pilares da porta.
— Tens toda a razão. Que caminho utilizaste?
— Vim pelo alto vale, do qual só desci aqui, no umbral da porta.
— E a tua companhia? — insistiu ele. — Quem está contigo?
— Este — disse ela, chamando o cão, cujo nome era Sólan.
— Tens razão, mais uma vez. Não estarás só, enquanto se conservar a teu lado. Muito bem. Podes entrar.
Assim fez e sentaram-se à mesa, para saborear um jantar excelente.
— O que eu pretendia, minha querida jovem, era o seguinte - explicou Gobán. — Uma boa dona de casa para o meu filho, e ficaria muito satisfeito se fosses tu. Resta-me fazer a pergunta sacramental. Queres casar com ele?
— Fá-lo-ei de bom grado, desde que queira casar comigo.
O filho do carpinteiro declarou-se encantado com a ideia, pelo que assinaram o contrato matrimonial.
_________________________
Glossário:
Pence – A libra esterlina ou simplesmente libra (em inglês, pound, plural pounds, informal. Pound Sterling, ou pounds sterling, formal) é a moeda oficial do Reino Unido. Desde 15 de Fevereiro de 1971 e da adoção do sistema decimal, ela é dividida em 100 pence (singular: penny). Antes dessa data, uma libra esterlina valia 20 shillings (que valiam por sua vez 12 pence cada um), ou 240 pence. Atualmente (dezembro de 2019), 1 Real é equivalente a 18.90 pence esterlino.
Fonte:
Contos Tradicionais da Irlanda
Tinha apenas um filho, que trabalhava com ele, e muita gente recorria a eles, quando precisava de bons profissionais. Um dia, Gobán Saoir decidiu procurar uma mulher para o filho. Como a sua própria esposa estava a envelhecer, concebeu um plano para o ajudar a conseguir uma companheira satisfatória.
Ordenou ao rapaz que fosse buscar uma ovelha e sacrificou-a. Em seguida, retirou-lhe a pele meticulosamente, enrolou-a e guardou-a até ao dia de mercado seguinte.
— Leva a pele da ovelha à cidade, hoje — indicou ao filho. -Depois, volta a trazê-la e o dinheiro que te derem por ela.
O jovem pôs-se a caminho e, ao chegar ao mercado, estendeu a pele no chão. As pessoas que passavam perguntavam-lhe quanto pedia por ela e ele respondia que queria conservá-la em seu poder, juntamente com o preço que tinham de lhe pagar. Todos reconheciam que não devia regular bem da cabeça e, ao anoitecer, regressaram a casa e ele à sua com a pele.
— Vendeste-a? — perguntou o pai.
— Não consegui. Julgavam-me louco.
— Bem, tentarás outro dia.
— Para quê? — replicou o filho. — Com essa condição, ninguém ma comprará!
— Garanto-te que a hás de vender, ainda que demores um ano.
No dia de mercado seguinte, o pai mandou o jovem novamente ao local, assegurando-lhe que venderia a pele. O filho colocou-se no mesmo lugar, e a história repetiu-se. Quando aparecia um interessado e ele o advertia de que teria de manter a pele em seu poder, juntamente com o dinheiro do preço pedido, desinteressava-se. No fim do dia, o mercado encerrou as portas e ele enrolou a pele e regressou a casa.
— Então, vendeste-a? — perguntou o pai.
— Não — respondeu o rapaz. — Fartaram-se de rir de mim.
— Tens de voltar a tentar.
— Aposto o que quiseres que farei essa viagem em vão.
— De qualquer modo, tens de efetuar mais uma tentativa.
Quando se dirigia mais uma vez para o mercado, cruzou-se com uma jovem das imediações, que vinha da fonte com um cântaro de água e lhe perguntou:
— Vais ao mercado?
— Vou, mas acredita que não me apetece nada.
— Que te leva lá?
— Tenho de vender esta pele de ovelha e hoje é a terceira tentativa, mas duvido que o consiga.
— Nesse caso, porque vais lá?
— Estou numa situação muito difícil. Tenho de a entregar ao meu pai, juntamente com o dinheiro que custa.
— E ninguém a quer comprar?
— Ninguém. No mercado, todos se riem de mim.
— Acompanha-me a casa — propôs ela. — Talvez eu te a compre.
O jovem assentiu, sabendo que se tratava da serviçal de um agricultor que vivia perto dali. Uma vez chegados, ela pousou o cântaro e pediu:
— Tira a pele do saco, para que a veja.
Ele obedeceu e desenrolou-a diante da lareira. Em seguida, ela pegou numa tesoura, cortou a lã e pesou-a.
— Pronto — anunciou. — A pele tinha dois quilos de lã e cada quilo custa oito pence*. Aqui tens o dinheiro da lã. Podes ficar com o couro e levá-lo ao teu pai, exatamente como ele te recomendou.
E o jovem regressou a casa satisfeito. Quando Gobán Saoir lhe perguntou se vendera a pele, respondeu:
— Vendi, e não tive de ir muito longe. Comprou-a uma jovem. Deu-me o dinheiro da lã, que ela própria cortou da pele com uma tesoura, e deixou-me ficar com o couro, mas não sei se isso é do teu agrado.
— E, sem dúvida, porque tudo resultou como eu desejava. Agora, procura essa moça e pede-lhe que venha esta noite. Mas atenta no seguinte: não deve vir nem por estrada, nem por caminho, nem através do campo. Além disso, não pode trazer companhia, mas não deve vir só. E não entrará, nem ficará lá fora.
— Com a breca! — exclamou o jovem. — Que exigências tão estranhas!
— Vai e faz o que te mando.
O filho de Gobán Saoir dirigiu-se à fazenda e, quando chegou, perguntou pela jovem à dona da casa.
— Foi buscar batatas ao campo — informou ela. — Podes ir lá procurá-la.
Quando o viu, a jovem mostrou-se surpreendida.
— Não me digas que o teu pai não ficou satisfeito com a venda da pele!
— Não venho por causa disso. Ele quer que o visites esta noite, mas não deves ir nem por estrada, nem por caminho, nem através do campo. Além disso, tens de ir só, mas acompanhada. Como se isso não bastasse, não podes entrar em casa, nem ficar fora.
— Muito bem — concordou. — Comunica-lhe que não faltarei.
Depois de colher as batatas e terminar as outras tarefas que lhe competiam, ela pôs-se a caminho, mas antes chamou o cão. Depois, subiu ao alto vale que se estendia da fazenda até à porta da casa de Gobán Saoir e só desceu de lá quando se encontrou no final. Por fim, colocou um pé dentro da porta e o outro fora.
— Que Deus e a Virgem Maria estejam contigo — proferiu.
— Não queres entrar? — convidou Gobán.
— Segundo a tua ordem, não devo entrar nem ficar fora. Como vês, encontro-me entre os dois pilares da porta.
— Tens toda a razão. Que caminho utilizaste?
— Vim pelo alto vale, do qual só desci aqui, no umbral da porta.
— E a tua companhia? — insistiu ele. — Quem está contigo?
— Este — disse ela, chamando o cão, cujo nome era Sólan.
— Tens razão, mais uma vez. Não estarás só, enquanto se conservar a teu lado. Muito bem. Podes entrar.
Assim fez e sentaram-se à mesa, para saborear um jantar excelente.
— O que eu pretendia, minha querida jovem, era o seguinte - explicou Gobán. — Uma boa dona de casa para o meu filho, e ficaria muito satisfeito se fosses tu. Resta-me fazer a pergunta sacramental. Queres casar com ele?
— Fá-lo-ei de bom grado, desde que queira casar comigo.
O filho do carpinteiro declarou-se encantado com a ideia, pelo que assinaram o contrato matrimonial.
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Glossário:
Pence – A libra esterlina ou simplesmente libra (em inglês, pound, plural pounds, informal. Pound Sterling, ou pounds sterling, formal) é a moeda oficial do Reino Unido. Desde 15 de Fevereiro de 1971 e da adoção do sistema decimal, ela é dividida em 100 pence (singular: penny). Antes dessa data, uma libra esterlina valia 20 shillings (que valiam por sua vez 12 pence cada um), ou 240 pence. Atualmente (dezembro de 2019), 1 Real é equivalente a 18.90 pence esterlino.
Fonte:
Contos Tradicionais da Irlanda
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