sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Luiz Poeta (Pousada)


Chuva. Da janela, observava o tempo. As nuvens escureceram rápido, engolindo a montanha mais próxima. O vento varria o capinzal, sacudia as árvores, invadia o avarandado, arremessava gotículas prateadas na parede frontal do casarão.

Alheia às momentâneas intempéries, divagava. Deixava-se molhar pelos respingos. Era agradável perceber-se vulnerável. Cada gota escorrida era como  um dedo molhado acariciando-lhe a epiderme solitária de afetos.

O vento aumentou de Intensidade, a chuva agora era um chicote cristalino de infinitas pontas... Cerrou as básculas, acendeu a lamparina, dirigiu-se ao quarto na intenção de ressonhar a fantasia interrompida.

Reparou uma monótona e repetitiva goteira caindo do telhado. Pôs sob ela uma bacia, estendeu a mão buscando senti-la. Lá fora, a água descia morro abaixo em grossas torrentes, barrenta, impetuosa. Saltava o barranco e explodia na terra.

O barulho da chuva descendo nas calhas, o rumor do vento assobiando carências e medos, a goteira intermitente no recipiente improvisado, a cascatinha explodindo prata na solidão das pedras e os úmidos e avassaladores respingos deram-lhe um súbito prazer, fizeram-na, sôfrega,  comprimir os seios num louco suspiro de posses não possuídas.

Sonhava-o.

Caboclo... queimado pelo sol rural... olhos sedutoramente amendoados, felinos espreitando a presa, garras afiadas, quentes nas suas coxas na varanda, boca vulcânica, língua de chama no seu pescoço... réptil sem veneno acariciando-lhe os ouvidos trôpegos de murmúrios ardentemente dislálicos...

Sentiu todos os tremores num só arrepio.

Lanhou o travesseiro como se fora as costas dele, apertou-o entre os seios, ventre e perna, com volúpia, olhos cerrados, embevecida pela improvável possibilidade de tê-lo...

Bateram.

Pôs-se de pé num salto, as mãos ajeitando o vestido, cobrindo o peito seminu, mexendo nos grampos - um na boca mordida. Tentou recompor-se.

Abriu a porta do quarto quase refeita do êxtase solitário, dissimulando uma trôpega naturalidade, disfarçando a prazerosa tontura provocada por uma incontrolável carência afetiva.

- O que foi? - perguntou sonolenta.

- Alguém lá fora - respondeu a irmã mais velha - pede pousada até a chuva passar.

- Quem? - Não conheço, disse que veio de longe, a cavalo.

- Espera que eu vou ver.

Encaminhou-se à sala, entreabriu a janela, os cabelos soltos no ombro nu sob a camisola.

O moço aguardava. Abriu a minúscula portinhola de vidro, Olhou-o cautelosamente. Perscrutou-lhe o perfil com atenção... Tremeu dos pés à cabeça.

Impossível! ...mas aquele homem era o caboclo que sonhara naqueles instantes pregressos, filhos de uma nebulosamente passional eternidade.

Entreabriu, a custo, a porta de madeira maciça.

- Moça... galopei a noite inteira na chuva... estou com muito frio... será que a senhora poderia...

O homem não completou a última frase.

A jovem e sôfrega mulher não disse c nem poderia dizer nada... o ímpeto não deixaria.

Num átimo, apenas deixou-se mergulhar na sedução do abismo daquele peito molhado pela chuva que súbita e providencialmente aumentara.

Aquela noite chuvosa seria longa... maravilhosamente longa.

Fonte:
Luiz Gilberto de Barros (Luiz Poeta). Canção de Ninar Estátuas. 1.ed. Ilhéus/BA: Mondrongo, 2014.
Livro entregue pelo escritor.

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