domingo, 1 de dezembro de 2019

Arthur de Azevedo (Por não se Entenderem)


    O Zeca Borges, pequeno lavrador do Bananal, tinha um irmão cônsul na Alemanha, e, quando soube que esse irmão chegara ao Rio de Janeiro, com licença, ficou satisfeitíssimo, e ansioso por abraçá-lo, tanto mais tendo recebido imediata comunicação de sua residência, na Rua do Catete.

    O Zeca meteu-se no trem, e na manhã seguinte estava no Hotel dos Estados, onde se demorou apenas o tempo necessário para tomar banho, mudar de roupa, fazer a barba e almoçar.

    Depois do almoço, lá se foi ele a pé, Rua da Lapa acima, em busca do irmão saudoso.

    Na casa indicada estava à janela uma senhora loura e bonita.

    - Querem ver, pensou ele, que o Chico se casou na Alemanha com a filha do tal arquiteto, de quem tanto me falava nas suas cartas? Não foi outra coisa! o patife não me mandou dizer nada!...

    O Zeca Borges tirou o chapéu à senhora, que lhe correspondeu com um sorriso amabilíssimo.

    - Naturalmente conhece-me de retrato, pensou ele - e entrou.

    Ela esperava-o de braços abertos no tope da escada, e deu-lhe muitos abraços e muitos beijos.

    O paulista não estranhou a natureza de tão excessivas manifestações, que aliás nada tinham de fraternais; apenas achou, de si para si, que na Alemanha o sentimento da família estava mais desenvolvido que no Brasil.

    - O Chico? - perguntou ele - não está?

    Ela teve um olhar estúpido.

    - A Senhora não é a mulher do Chico, meu mano?

    Ela respondeu, com muita dificuldade, que não falava português.

    - É justo, cunhada, é muito justo, mas como também eu não falo alemão, não haverá meio de nos entendermos! Que pena o Chico não estar em casa! Olhe, o melhor é voltar logo!

    E deu um passo para a porta; mas a mulher passou-lhe um braço em volta ao pescoço, e levou-o até à porta da alcova, que abriu com um gracioso pontapé, mostrando-lhe a cama.

    Tudo isso pareceu muito esquisito ao Zeca Borges, mas como este era um rapaz inteligente, o que o leitor sem dúvida já percebeu, disse consigo que ela supunha, e com razão, que ele precisasse descansar porque vinha de viagem e passara, talvez, a noite em claro.

    E mais se convenceu de que tal era a intenção da cunhada, quando esta lhe desatou o laço da gravata e desabotoou-lhe o paletó e o colete.

    - Não! Isto agora é demais! Eu mesmo dispo-me! Pode ir! Pode ir!...

    Ela saiu muito risonha, sempre depois de lhe dar mais um beijo e de lhe recomendar, por gestos, que a esperasse (o irmão, ao que ele supunha) e o nosso Zeca, mal se apanhou sozinho, entendeu que o melhor que tinha a fazer era despir-se, deitar-se e dormir.

    Mas não havia três minutos que estava deitado, refletindo sobre o extraordinário desenvolvimento do sentimento da família na sociedade alemã, quando a mulher voltou e se dirigiu saltitante para ele, tendo vestida apenas uma camisola de seda escandalosamente diáfana.

    Calcule-se o espanto do paulista, que deu um pulo como se visse o demônio e foi agachar-se a um canto da sala, gritando:

    - Não se aproxime, cunhada, não se aproxime!...

    Ela convenceu-se então de que tinha em casa um doido e começou a gritar.

    Acudiram outras mulheres, que felizmente falavam português, e tudo se esclareceu. O Zeca Borges tomara um algarismo por outro, entrara numa casa de mulheres julgando entrar em casa do irmão.

    Houve grande risota entre o mulherio, e o próprio Zeca foi obrigado a rir da sua ingenuidade, oferecendo uma nota de cinquenta mil-réis à húngara, que não era alemã, e ainda menos sua cunhada.

    Meia hora depois abraçavam-se os dois irmãos. O cônsul estava ainda solteiro.

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos vários.

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