terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Sinclair Pozza Casemiro (O Homem da Enxada)


Este causo é verdadeiro e eu mesma presenciei. Bem, não é que tenha presenciado a história no momento do acontecido, da aparição. Mas eu estava lá, ouvi no outro dia os depoimentos ainda calorosos e sôfregos da Dora, da Santine. E participei daquela magia, daquele friozinho assustador e gostoso que dá na gente pelas histórias de assombrações. Foi na terceira peregrinação da COMCAM no Caminho de Peabiru, na fazenda São Jorge, da casa da Penha. Penha é uma senhora maravilhosa, bondosa, generosa, dadivosa, alegrosa, osa...osa...osa. Ela é esposa (ôsa) do administrador da Fazenda, trabalha no postinho de saúde da fazenda, atende a todos com carinho, dedicação e, além disso tudo, é mãe acolhedora e amiga. Bem, não sei como sobra espaço, mas ela é tudo isso e muito mais. Mentira, sei sim: energia é como sentimento, quanto mais você dá, você divide, mais tem, mais se multiplica.

Pois muito bem: a gente foi se alojar, no segundo dia de peregrinação, na fazenda São Jorge, tudo organizado janta, banho, pouso e café da manhã por dona Penha. Os quitutes, os causos, o clima da fazenda, de amizade, etc, etc, a meditação do Amani e tal, tudo isso, nem precisa descrever. É só imaginar o melhor. Na hora de dormir, tinha a igreja, a escola e as casas. Era só cada um escolher o seu cantinho pra relaxar e sonhar.

Teve um timinho que escolheu, de pronto, a igreja. Claro, mais protegidos, seguros. E tinha uma novidade nessa peregrinação: o casal Santine e Déferson, que estavam de lua-de-mel, haviam se casado naquela semana. E gente boa tava ali: ele e ela prestativos, dedicados, amorosos. Também quiseram ficar na igreja. A igreja era, de fato, um encanto: pequenininha, limpinha, organizadinha, bem arrumada. Penha tinha mesmo pensado em tudo para receber bem os peregrinos.

Depois da janta, das visitas, dos causos, das orações, das fotos, da contemplação ao luar, etc, etc, o recolhimento. E, depois do recolhimento, o sono pesado, afinal, foram 16 km mais ou menos de caminhada e pra quem estava de apoio, um dia de tensão e preocupação que, graças a Deus, tinha terminado maravilhosamente bem. Pra completar, bem que faltava mesmo algum "inusitado". E ele aconteceu.

Depois do primeiro sono, longo e pesado, um e outro precisava ir no matinho. Tudo bem. Rotina. Mas, o casalzinho foi junto. E ele a protegendo sempre, é claro. Quando eles já estavam quase de volta, ele se apavora:

– Santine, olha lá...

– Olha o quê, morzinho? Onde?

– Ali, um homem com uma enxada... de branco... carpindo...

– Onde? Meu Deus! Onde, homem?

– Ali...

E apontava, os dois olhando para o mesmo ponto, ele vendo tudo e ela, nada.

– Morzinho, cê tá sonhando... num tem nada ali.

– Tem sim... Ele tá carpindo, de branco... Olha!

Mas ela não viu, mesmo. Olhou para o marido, ele estava atônito, incontrolado. Olhou para o homem da enxada, de branco e não viu nada. E ele desistiu de mostrar, ela não via mesmo. Começaram a voltar, devagarinho, de fato, alcançaram a porta da igrejinha, entraram. Quase não conseguiam contar o que aconteceu, não o que viram, pois quem viu foi só o marido.

Quem estava na igrejinha ficou em pânico. A Dora, que estava estourando de vontade, catou o cobertor e o colchão que estavam no chão, abaixo do altar, logo na frente, mas buscou ainda um lugar mais santo, mais protegido: debaixo, bem debaixo da mesa do altar. Mesmo estourando, nem quis saber de ir lá fora. Não sei como se arranjou, ela não conta. Só diz que encobriu cabeça, corpo, tudo que pôde, rezou, rezou até de manhã cedo...

De manhã cedo, outra história, São Jorge do céu!

Quando eles contaram pro povo da equipe de apoio, a Eloah, que cuidava do pouso dos peregrinos, falou:

– Não te falei, Sirlene? Eu escutei, de madrugada, uma chinela arrastando lá fora... e chegou até a porta da casa e bateu, deu uns toques... Não te falei? Não era ninguém!

Nessas alturas, mais gente havia ouvido as chinelas se arrastando e os toques à porta, de madrugada... Dona Penha chamou num canto alguns desses narradores:

– Gente, vou pedir um favor... Não espalhem. Esse homem da enxada vem assustando muita gente por aqui, mesmo. Ele chega, de branco, arrasta chinela, dá umas carpidinhas... e sai. Não espalhem que vocês também viram, senão as pessoas daqui ficam mais aterrorizadas ainda. Uns dizem que foi matado... Outros dizem que é alma penada, que matou muita gente... A gente não sabe dizer o que é. Nem reza adianta. Por favor, não espalhem.

Pois é... agora, quem quiser acreditar...

Fonte:
Sinclair Pozza Casemiro. Causos do Coração do Paraná (por entre as beiras do Ivaí e do Piquiri). Campo Mourão/PR: Singrafm 2005.

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