segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Líricas) 4


Lírica Nº 46

Tocada de ventos
carregado de estranhas eletricidades,
me aproximo de ti, como uma nuvem...

De repente
desço como uma chuva
para intumescer os córregos e as fontes
e despertar a terra...
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Lírica Nº 47
   
Desfolhada rosa
é o coração do poeta
tocado por tua ausência.

Estás no ar, como uma essência...
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Lírica Nº 48
   
Dou a impressão, como toda gente,
de que estou me dirigindo para algum lugar.

Entretanto,
onde quer que me encontre,
meu destino é você.
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Lírica Nº 49
   
Ainda bem que as árvores permanecem...
Que o céu continua, entre os vultos
pesados dos arranha-céus
- muralhas cinzentas
de nosso presídio cotidiano...

Que a gente ainda pode certas horas,
velejando na madrugada
abordar a noite,
como uma ilha de ninguém...
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Lírica Nº 50
   
Estás muito próxima dos meus sentidos
para que possas te transformar
em poema.
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Lírica Nº 51
   
Ah! O sofrimento de que coisas é capaz...

Tu me feriste tanto, e tanto, e tanto,
que agora se voltasses, te admirarias de ver
como o meu coração não te conhece mais.
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Lírica Nº 52
   
Às vezes, quando penso no que fomos certo dia,
tenho a impressão de que andamos vivendo
duas vidas emprestadas.
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Lírica Nº 54
   
E porque eu te via até de olhos cerrados,
meus olhos abertos não percebiam
o que fazias de mim...
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Lírica Nº 55
   
Onde estarás? Que braços te colherão
sem que um estremecimento me perturbe?

E dizer que morria
se teus olhos não estavam nos meus…
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Lírica Nº 57
   
Meu Deus! - como estão longe aqueles instantes
que foram o mais belo amor do mundo...
..

"Viveste realmente? Ou te deixas como um louco
a imaginar coisas,
oh, pobre coração insano?"
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Lírica Nº 59
   
Afinal, agradeço-te por todas as mentiras
com que me fizeste acreditar no amor...

Por que haveria de desejar a verdade,
se com ela, nada teríamos colhido,
nada restaria de nós?
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Lírica Nº 60
   
Afinal, nem Deus, poderá mesmo nos tirar
aqueles instantes que vivemos...

Para que mais?
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Lírica Nº 62
   
E quando tivemos que dizer adeus,
já tínhamos partido.

Não encontramos mãos, nem lenços,
nem mesmo lágrimas,
não me chamaste: amor,
nem te chamei: querida...

- Já estávamos realmente muito longe
um do outro,
quando chegou a hora da despedida.

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 3. SP: Ed. Theor, 1965.

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