não tenho mais o tempo que passou.”
(‘Tempo Perdido’, Renato Russo)
DE REPENTE, a turma inteira partiu. Foi embora. Cada qual para um canto diferente, longínquo. Como sempre, fiquei aqui na casa enorme e vazia. Solitário, a alma combalida, sem rumo, sem esperança, entregue à sorte do destino ingrato e espavorido.
Sei perfeitamente que nunca mais conseguirei reunir, embaixo do mesmo teto, meu padrasto Jorge, minha mãe Ana, meus irmãos Cláudio, Rogério e André. Tampouco a gritaria algazariante dos que aqui viveram em doce harmonia. Jamais terei o doce e inebriante prazer de ouvir as suas vozes.
Eles por algum motivo inexplicável se afastaram. Foram sem dizer adeus. Viajaram sem regresso, sem deixar recordações. Suas figuras se diluíram no ar, como nuvens no firmamento, como o dia tragado pela noite escura.
O espaço aqui deixado engrandeceu demais diante deles, centuplicou como o infinito aos olhos do astronauta, se agigantou como o mar à frente daquele que pela primeira vez o contempla, medroso, e encolhido, temeroso de ser tragado por suas ondas gigantes em procelosos movimentos. A solidão assoberbante e densa os envolveu a todos. Cingiu, para sempre, na voragem do nunca mais.
Eu fiquei!
Como sempre, sobrou para mim, permanecer aqui assim, desta forma, solitário, a casa vazia. Contemplo os aposentos sem os móveis de ontem. Meus passos ecoam na confusão de um cérebro com devaneios desordenados. Sem o vínculo da ternura, do aconchego dos meus pares, algo estranho bate na minha cabeça como uma espécie de látego martirizante.
Sei que jamais terei a oportunidade de me sentar ao redor da mesa enorme da cozinha e ouvir, cada um dos familiares, comentar como foi o dia, as andanças, alegrias e desventuras.
Da mesma forma, nunca mais ouvirei os gritos de mamãe, os berros do velho Jorge, as gracinhas do mano Cláudio, as impertinências do irmão Rogério e a fumaça enervante e insuportável dos cigarros do André. Nunca mais estas pequenas banalidades voltarão a se juntar num só espaço, como antes, como até bem poucos anos atrás.
Casa vazia – vazia casa, sem a esperança dos que aqui residiram. Alma vazia – vazia alma, prisioneira, agora e para sempre, desta morada grandiosa, oca, destituída do amor maior, da esperança plena, e das afeições que enlevavam e ajudavam a tornar tudo mais belo e colorido.
Vou viver... viver?! Talvez não seja este o termo, a palavra certa. Estou mais para morrer. Morrer de modo lento, penoso, em câmera lenta, morrer de tédio, como a tristeza enfadonha e desgastante desta dinastia desfeita.
Aliás, tenho a impressão de que vamos morrer. Morrer os dois, a casa e eu, eu e a casa, da mesma enfermidade que corrói nossos espíritos, nossas estruturas, desde a base até a mais alta das paredes.
Na verdade, não há o que discutir. Vamos, realmente, morrer. A casa e eu, eu e a casa, juntos, unidos num abraço estranho, num desprazer exagerado e ingente, numa, enfim, insatisfação indescritível e, pior, na mais completa e enervante solidão.
Senhoras e senhores há muito tempo, NÃO TENHO MAIS A MINHA FAMÍLIA. Se vocês ainda têm a de vocês, CONSERVEM. Lembrem destas palavras. Letra comum, todavia, de profundo sentimento em prol daqueles que muitas vezes esquecemos que vivem ao nosso lado e nada esperam, a não ser um pouquinho de atenção, carinho e afeto.
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Texto enviado pelo autor.
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