domingo, 19 de novembro de 2023

Luiz Poeta (Poemas Escolhidos) – 19 –


SEM CORPO, SEM ROSTO SEM CASTA

A minha língua é lusa, índia e africana...
A minha pele é negra, branca e é morena,
Minha estatura é grande, média ou pequena,
Porém meu sangue é vermelho e não me engana.

O meu cabelo é crespo, liso e ondulado...
E minha lágrima é salgada e cristalina,
O meu amor repousa na minha retina,
Mas quando acorda, desperta quem mora ao lado.

Sou brasileiro, do arco íris, tenho as cores,
As minhas dores são melhores ou piores
Que tantas outras, convivo com meus suores
e quando posso, reinvento meus amores.

A minha alma não tem corpo, roupa ou casta,
amar me basta, só preciso de um irmão
que pulse dentro do meu próprio coração,
pois minha dor, ao ver o amor, sempre se afasta.

Quem me estima, não compara, não precisa,
meu riso avisa toda vez que esse alguém vem,
e é esse amor sem casta ou cor que faz o bem,
que me convém, pois meu amor nunca agoniza.

Minha etnia é filha de todo mundo,
basta um segundo do melhor do meu irmão,
Para que eu veja, nele, o mesmo cidadão,
que faz, do irmão, o amor fraterno mais profundo.

Por isso, amigo, somos todos tão iguais,
que os ideais que tu possuis são como os meus
e se apelamos, ao sofrermos, por um Deus,
o nosso Deus é quem nos dá a mesma paz.
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SERES QUE AMAM

Que não se exijam - do homem ou da mulher -
Comportamentos similares ou distintos...
Há quem prefira degustar os vinhos tintos
Outros, que bebem o que a ocasião requer.

Que não se julgue, pela própria experiência,
O amor a dois... cada casal se ama a seu modo.
Quando eu estudo o meu amor, sempre me podo.
Por isso evito ver o amor como ciência.

Quem filosofa sobre o amor, sem "ter" amado
...ou "ser" amado... expressa apenas sofrimentos.
Em cada afeto existem novos sentimentos.
Cada casal tem seu jeitinho apaixonado.

Cada parede protege quem se liberta
No seu espaço de criar um universo
Sentimental... quando um casal está imerso
No ato de amar, jamais existe alma deserta.

Que não se julgue nem se ensine a ser feliz,
Quem é feliz com o amor que escolheu,
Ninguém ministra aquilo que nunca aprendeu
E só quem ama é sempre eterno aprendiz.

Há Capitús e há Bentinhos... e o Escobar?
E Madalena? ... que dizeis... vós, fariseus?
Que sois capazes de julgar o próprio Deus,
Apedrejando quem se ocupa com amar?

Tirai os olhos de vossas vãs fechaduras
E procurai amar sem falsos testemunhos,
Socando teclas como quem faz dos seus punhos
O autoflagelo de quem sofre e se tortura!

Seres que amam ou se amaram de verdade
Têm na saudade ou no momento da paixão,
A intimidade que abençoa um coração,
Quando a razão deixa o amor em liberdade!
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TESTAMENTO

Chegou o tempo inevitável da lembrança
...de repensarmos o que foi a nossa vida.
Se a mesma dor bate no amor, ele revida
com um sorriso necessário... de criança.

Doces memórias nos impelem a passados
...dourados... livres... onde os voos da inocência
ignoravam os arroubos da ciência
e preocupavam-se em criar sonhos alados.

Como brincávamos!!! ...tudo era tão bonito
movido apenas pela nossa ingenuidade
e hoje, imersos na leveza da saudade,
reinventamos nosso amor mais... infinito.

Na previsão de um infarto fulminante
ou de um mal súbito iminente e sem aviso,
nosso sorriso idiota e... tão preciso
ainda teima em enfeitar o nosso instante.

Nós insistimos em criar nossas gravuras
mais pueris... mais inocentes... caricatas,
que apenas contam histórias que nem têm datas,
mas apresentam seus momentos... de ternuras.

São versos... esse é o derradeiro patamar
mais expressivo... são os túneis de memórias,
para que alguém, ao estudar nossas histórias
entenda, ao menos, nosso tempo de sonhar.

As forças faltam, nossos corpos cambaleiam,
Mas nossas mãos ainda insistem: digitamos
Ou escrevemos e, assim, reeditamos
O que sonhamos, esperando que nos leiam.

Que tolos somos! Quem se importa com vivências?
...nossa aparência é um retrato desfocado
De um novo tempo que despreza o passado
Abominando nossas vãs experiências.

Nosso legado? Um objeto precioso,
algum dinheiro, um imóvel, a mobília,
Um carro novo, algum tesouro... e uma família
Tão dividida, querendo o mais valioso.

Noras e genros, retirando suas capas,
Filhos e netos, disputando, após o choro,
O que deixamos... cada um criando num coro
Traçando planos sórdidos, criando mapas.

É inevitável percebermos nossas lutas
Por um futuro mais feliz e promissor,
Mostrando tudo que ensinamos sobre o amor,
Findar em cenas lamentáveis de disputas.

Melhor seria procurarmos a alegria
Na fantasia e só deixarmos aos parentes,
Nossas histórias infantis e adolescentes,
E alguns romances.... fragmentos de poesia.

Quem sabe, um neto ou um filho mais sensato
E mais sensível compreenda, de verdade,
Que a nossa vida só buscou felicidade
Na liberdade mais feliz de cada fato?

Quem sabe, um deles, nos pesquise mais a fundo,
E estude a história de cada antepassado
E compreenda que a memória é o legado
Mais importante e verdadeiro que há no mundo.

E que os desejos pessoais e as manias
Naturalmente humanas e mais prazerosas
Não sejam teses imbecis, pecaminosos,
Dos que acusam com cruéis hipocrisias!

Que nossas mãos ganhem asas de passarinhos
E haja carinho em nosso último estertor,
Para que alguém encontre o mapa desse amor
Que cultivamos na rudeza do caminho.

Que nos editem... não há outra alternativa
Que imortalize nossos modos de sonhar
E que respeitem nosso jeitinho de amar
Para que nossa liberdade sobreviva.

Fonte: Luiz Poeta. Nuvens de versos. Campo Mourão/PR: Ed. Jfeldman, 2020.

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