Naquela noite o guarda-livros Deodoro José, assíduo frequentador da roda de amigos que se reunia todo sábado na Toca d’Anta, chegou todo sorridente, trazendo com ele um moço que chamava a atenção por estar com a cabeça rapada. “Este garoto é o orgulho da minha vida – disse –; passou em primeiro lugar no vestibular de Direito”. Dona Liloca, gerente do botequim, festou lá do balcão: “Oba! A primeira rodada de chope vai ser então por conta da casa”.
O professor Polyclínio, aquele bom velhinho que vocês já conhecem, abraçou com força o venturoso pai. Em seguida convidou o jovem para sentar-se a seu lado: “Venha aqui, menino, você deve ter uma cabeça muito boa. Vamos conversar”.
O papo rolou sobre prazeres da juventude, preferências literárias, talento natural, vocação profissional etc. etc., até que de repente o querido sábio sacou do bolso a sua reluzente caneta Parker 51, pediu ao garçom uma folha de papel e fez nela três anotações. Na primeira, a raiz da palavra “justiça”: isos>ius>jus. Na segunda, o desenho de uma balança de dois pratos e, embaixo, a palavra “equilíbrio”. Na terceira, a frase “Não faça aos outros o que você não quer que lhe façam”.
Dobrou o papel e o entregou ao rapaz, recomendando: “Guarde isto dentro de um dos livros que você costuma abrir com mais frequência, e de vez em quando releia e reflita. São três lembretes fundamentais, especialmente para quem pretende seguir a nobre carreira jurídica”.
O jovem calouro fez um ar de surpresa. Polyclínio explicou:
1. Isos, que no grego significa “igual”, chegou ao latim como ius (ius, iuris), que depois evoluiu para jus, de onde temos a palavra “justiça”. Logo, justiça é o mesmo que “igualdade”.
2. A balança de dois pratos é um dos símbolos da justiça por indicar a ideia de “equilíbrio” (equi = igual + líbrio = peso). Logo, equilíbrio é o mesmo que “pesos iguais”).
3. “Não faça aos outros o que você não quer que lhe façam”. A célebre Regra de Ouro.
Com aquele seu jeitão de vovô dengoso, o professor pôs a mão no ombro do moço e continuou: “Justiça é o ponto de partida para a felicidade coletiva. Algo aparentemente tão simples, no entanto sine-qua-non para o exercício da arte de viver bem em sociedade”.
– E o senhor, com a sua experiência, acha que isso seja possível?
– Acho sim. Mais ainda quando tenho a alegria de conhecer meninos como você. Costumam fazer juízo negativo das novas gerações, mas vejo com otimismo o futuro. Alguns de vocês parecem estar de fato perdidos; a maioria, no entanto, leva bem a sério a vida.
– Bonito, porém difícil.
– Difícil, porém possível.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 09-11-2023)
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