ESTOU TENDO um caso com a Arno. Arno não é uma moça qualquer. É diferente. Linda, bonita, magrinha como gosto, esperta, elétrica, despachada... quando está ligada no que precisa ser feito, parece chegar aos píncaros dos 220 volts. Não estou falando de uma dondoca metida à besta. Faço referência à Arno, a Enceradeira de mamãe. Ela não sabe ainda da minha paixão avassaladora. Coisa antiga, desde o abençoado dia em que papai a trouxe aqui para morar embaixo do mesmo teto. Tudo começou numa tarde de sábado, quando Ambrosina, a nossa empregada, depois de escravizar a pobrezinha, fazendo com que trabalhasse duro, lustrando os assoalhos da sala e dos três quartos, lhe deu uma folguinha arrastando a infeliz para o banheiro de serviço colado à cozinha. Achei que chegara a hora de atacar. Não perdi tempo. Parti para o abraço:
— Nossa, “migo”. Estou exausta! – balbuciou a prestimosa assim que me viu se encostando à sua beira.
— Dá pra perceber... - respondi sem pensar em coisa melhor a ser dita.
— Ambrosina quer me ver morta e enterrada. Olhe para meu estado. Estou me sentindo um bagaço.
Procurei ser franco o melhor que pude:
— Sinto pena de você.
Arno me cravou uns olhos compridos expressando profunda infelicidade:
— Você?
— Sim! Não posso?
Arno armou alguma coisa para dizer. No último instante resolveu engolir o que pretendia me jogar em meio ao rosto. Talvez achasse que me deixaria nervoso ou mais abestalhado do que aparentava. Ponderou e mediu as palavras antes de voltar ao diálogo:
— Pode, claro que pode. Mas vocês, humanos, não têm sentimentos em relação a nós. Somos máquinas, não comemos, não bebemos...
Fez uma pausa breve e concluiu, a tez agora tomada por um pranto silencioso:
— As nossas patroas fazem a gente de escravos. Trabalhamos pior que burros de carga. No final das contas... Meu Deus do céu.
— Ei, não fale assim! Sei que dá um duro danado. Não é de hoje estou de olho comprido em você.
— De olho comprido? Como assim?
— Estou de butuca... quero dizer, meio que “vidrado”, ora bolas.
— Desenhe...
— Não saberia desenhar...
— Pois então fale.
— É que eu... deixa pra lá.
— Fale. Seja o que for, vá em frente.
— Arno, me apaixonei por você.
A enceradeira de mamãe, ou melhor, a Arno caiu numa estrondosa gargalhada. Quando se cansou, voltou a me fitar, desdenhosa:
— Quer dizer que temos aqui um gurizinho apaixonado?
— Me leve a sério. Por favor!
— Espera que eu acredite?
— Pergunte ao seu Rossi, o Escovão...
— O que o senhor Rossi, meu amigo Escovão tem a ver com isto?
— Ele sabe de tudo.
— Tudo?
— Me abri com ele. Para quem mais?
— E por que ele?
— Porque é um senhorzinho em idade bem avançada. Sabe melhor que ninguém destas coisas.
— OK. Vamos supor que eu acredite.
— Deveria. Falo a verdade.
— O que foi que disse exatamente a ele?
— Que me fascinei por você.
— E ele?
— Achou normal, na minha idade. A certa altura me confidenciou que em anos passados, quando ainda moço, caiu de quatro por uma branquela linda e simpática que atendia pelo nome de Frigidaire. Era uma Geladeira.
— E ele ficou com ela?
— Não.
— Por...?
— Frigidaire se desvairou por um sujeitinho esquisito. Um tal de Britânia. Segundo ele, um Liquidificador metido a besta. Final das contas, a criatura sumiu do pedaço e ninguém mais soube dar noticias de seu paradeiro.
— E você acha normal um ser humano se alucinar por um eletrodoméstico?
— Sim. Acho. Afinal de contas, cá entre nós, você é um pedaço de caminho desconhecido que todo homem em estado de insanidade gostaria de percorrer. Uma princesa bonita, séria, honesta, recatada, tem um porte majestoso, dá conta do recado sem reclamar... e sua tomada quando ligada no interruptor...
— Que mais?
— Quando não está trabalhando fica quietinha no seu canto. Não se mistura. É atenciosa, simples, e me parece...
— Continue...
— Me parece ter um agastamento muito grande no peito. Uma coisa que machuca você e lhe deixa, às vezes, para baixo.
— Quanto a isto é verdade. Acertou na mosca.
— Então. Deixa eu me aproximar de você. Prometo que não irei decepcionar o seu coraçãozinho.
Arno se extravasou num sorriso debilitado:
— Todos dizem a mesma coisa.
— Todos? Agora sou eu quem pede. Desenhe.
— Faz anos me apaixonei por um Limpador de Vidros. Estávamos indo de vento em popa.
— E certo dia ele não correspondeu?
— Não, meu lindo. O infeliz se embasbacou por uma Tábua de passar roupas. Belo dia foi limpar as janelas do quarto dela, meio que afoito, se descuidou... acabou despencando do oitavo andar e babau. Desde então, me tranquei dentro de mim mesma.
— Se abra para mim... todinha...
— Promete me amar de verdade?
— Com todas as forças de meu ser.
A coisa criou raízes. Ambrosina me flagrou por diversas vezes fazendo estripulias com a Arno em meu quarto. Contou para meus pais. Num primeiro momento, meus velhos não levaram fé. Concluíram que a empregada tinha alguma birra comigo, pelo fato de estar lhe dando umas “cantadas” às escondidas. Um belo dia, papai chegou mais cedo do trabalho e me surpreendeu tomando banho agarradinho com a Arno. Uma semana depois foi a vez de mamãe me pilhar de calças curtas. Ainda assim, as nossas cenas românticas duraram uns seis meses. Por derradeiro, a coisa degringolou. Os autores dos meus dias, chegaram à conclusão que eu havia perdido o juízo. De fato, enlouqueci. Acabei internado como maluco numa espécie de “hospital-sanatório-psiquiátrico” para doentes mentais. Seis anos se passaram, desde que me jogaram aqui. O pai e a mãe que se danem. Careço urgentemente ver, não só isto, reatar os carinhos e afagos com a minha doce Arno. Ou pirarei o cabeção.
Fonte> Texto enviado pelo autor
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