Enila estava desacordada. Escorria sangue da sua fronte, ferida por uma pedra pontiaguda. O pai, desesperado, a toma nos braços, com cuidado a acomoda no banco de traz do carro.
- Rápido! Temos que chegar depressa ao hospital – disse o senhor Fiore.
- Tenha fé, patrão. Ligeiro chegamos à cidade – disse Arlindo, um tanto assustado, com as mãos trêmulas no volante.
O pai havia apoiado a cabeça da filha em seu ombro e a abraçado forte. Sentiu seu coração pulsar lento. E baixinho começou a rogar a Deus a Providência Divina.
Estava muito nervoso. E sua oração emitia palavras soltas: uma vibração desconexa. Mas estava frágil como nunca antes havia se sentido. Sentia-se num misto de realidade e pesadelo.
Ao chegar no hospital de Caridade, Enila foi logo socorrida pela equipe do mesmo plantonista que havia socorrido dona Ana.
Senhor Fiore e o capataz ficaram no corredor aguardando notícias.
Pouco tempo depois foram avisados de que a moça, aparentemente, estava bem. E que o ferimento na cabeça tinha sido superficial, mas que para garantir que o seu estado era positivo, precisava permanecer em observação por pelo menos 24hs.
Senhor Fiore, cumprimentou o médico, sorrindo aliviado.
- Arlindo, vamos até a fazenda avisar Eliana do ocorrido. Ela deve estar preocupada com a nossa ausência.
Ao tomar contato com a notícia, a mãe de Enila exigiu ir até o hospital ficar junto da filha.
- Calma, meu amor, o médico disse que aparentemente está tudo bem. Foi só um susto.
- Aparentemente não significa certeza de nada.
Vó Gorda, ao entrar na sala, sentiu o coração acelerar e os braços afrouxarem, derrubando a bandeja do café.
- Meu Deus... Eu avisei tanto – disse ela.
- Vó, fica aqui fazendo suas preces. Nós vamos ao hospital e não sabemos se retornaremos hoje. Tudo vai depender de como estiver a minha filha. – disse a mãe.
- Não fiquem em pânico. Está tudo bem. Arlindo, deixa o volante por minha conta. Fica aqui cuidando da casa. – disse o senhor Fiore.
- Claro, patrão. Pode deixar tudo por minha conta.
O casal saiu apressado.
- Dona Vó Gorda, é verdade o que os peões contam sobre a senhora lá no bar do seu Feliciano?
- O que eles andam dizendo, meu “fio” ?
- Andam espalhando por aí, que a senhora tem o poder de aparecer e de desaparecer de certos lugares como se fosse um fantasma. E que já enfrentou um boitatá.
- “Fio”, se tu quer mesmo saber, outra hora te conto sobre esses casos e outros. Agora não dá. Vou secar o café derramado. E depois pedir a Nanã Buruquê* que interceda pela menina Enila.
- Quem é Nanã?
- Já deixei claro que não é hora de fazer perguntas – disse Vó Gorda, zangada.
Arlindo, temeroso, se afastou rápido.
“Eu que não fico sozinho com essa velha feiticeira. Vou avisar Isadora sobre o ocorrido com sua amiga.” Pensou.
A família Machado estava reunida na sala tratando dos preparativos do casamento. O senhor Antônio, e Fábio, empolgados tentavam convencer Isadora de que a cerimônia deveria ser grandiosa, com muitos convidados... Chamar a atenção de toda a vizinhança.
- Nada disso. Quero uma cerimônia discreta. O padre Orestes já se colocou à nossa disposição. É só uma questão de marcar o dia e a hora.
- Fábio, tá vendo? A “muié” é mandona: te prepara – disse o senhor Antônio.
“Velho caquético e nojento”. Pensou Amélia enquanto tirava o pó dos móveis.
O noivo manifestou um sorriso sem graça e empinou o copo com um último gole de trago.
- Calma, gente, precisamos pensar na lista de convidados, nos comes e bebes e, principalmente, no vestido da noiva – lembrou dona Ana, com seu ar sereno.
- Uma semana é o tempo que precisamos para resolvermos tudo. – disse Isadora.
- Está bem. Que seja uma cerimônia simples, só para a família e amigos íntimos, como tu queres, Isa - concordou Fábio.
Dona Ana suspirou aliviada. E o senhor Antônio, cabisbaixo, exprimiu uns resmungos inaudíveis. Após alguns minutos de silêncio, Arlindo bateu à porta.
- Boa tarde, amigos. Achei por bem avisar que dona Enila foi hospitalizada depois de sofrer um acidente, mas não se preocupem, ao que parece não foi nada grave.
- Que tipo de acidente? – perguntou Isadora.
- A menina saiu para cavalgar, mas não tem a prática. Encontramos ela caída na estrada, sem o paradeiro do cavalo: tudo indica que ela caiu enquanto cavalgava.
- Preciso ver minha amiga. Alguém pode me levar ao hospital?
- Acho desnecessário, está em observação, e logo estará em casa – disse Arlindo.
- Tens razão. Minha amiga não deve ter sofrido nada grave. Ela não merece.
- Entra, tome um café conosco – disse dona Ana.
- Grato. Só vim dar a notícia. Até.
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* Nanã Buruquê é um orixá da sabedoria e dos pântanos. Responsável pelos portais de entrada (reencarnação) e saída (desencarne). É descrita como sendo a Grande Mãe. Princípio de nossa ancestralidade.
Fonte: Texto enviado pela autora.
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