quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) – Capitulo 23: O acidente

Enila estava desacordada. Escorria sangue da sua fronte, ferida por uma pedra pontiaguda. O pai, desesperado, a toma nos braços, com cuidado a acomoda no banco de traz do carro. 

- Rápido! Temos que chegar depressa ao hospital – disse o senhor Fiore.

- Tenha fé, patrão. Ligeiro chegamos à cidade – disse Arlindo, um tanto assustado, com as mãos trêmulas no volante. 

O pai havia apoiado a cabeça da filha em seu ombro e a abraçado forte. Sentiu seu coração pulsar lento. E baixinho começou a rogar a Deus a Providência Divina. 

Estava muito nervoso. E sua oração emitia palavras soltas: uma vibração desconexa. Mas estava frágil como nunca antes havia se sentido. Sentia-se num misto de realidade e pesadelo. 

Ao chegar no hospital de Caridade, Enila foi logo socorrida pela equipe do mesmo plantonista que havia socorrido dona Ana. 

Senhor Fiore e o capataz ficaram no corredor aguardando notícias. 

Pouco tempo depois foram avisados de que a moça, aparentemente, estava bem. E que o ferimento na cabeça tinha sido superficial, mas que para garantir que o seu estado era positivo, precisava permanecer em observação por pelo menos 24hs. 

Senhor Fiore, cumprimentou o médico, sorrindo aliviado. 

- Arlindo, vamos até a fazenda avisar Eliana do ocorrido. Ela deve estar preocupada com a nossa ausência.

Ao tomar contato com a notícia, a mãe de Enila exigiu ir até o hospital ficar junto da filha. 

- Calma, meu amor, o médico disse que aparentemente está tudo bem. Foi só um susto. 

- Aparentemente não significa certeza de nada. 

Vó Gorda, ao entrar na sala, sentiu o coração acelerar e os braços afrouxarem, derrubando a bandeja do café. 

- Meu Deus... Eu avisei tanto – disse ela.

- Vó, fica aqui fazendo suas preces. Nós vamos ao hospital e não sabemos se retornaremos hoje. Tudo vai depender de como estiver a minha filha. – disse a mãe. 

- Não fiquem em pânico. Está tudo bem. Arlindo, deixa o volante por minha conta. Fica aqui cuidando da casa. – disse o senhor Fiore. 

- Claro, patrão. Pode deixar tudo por minha conta. 

O casal saiu apressado. 

- Dona Vó Gorda, é verdade o que os peões contam sobre a senhora lá no bar do seu Feliciano? 

- O que eles andam dizendo, meu “fio” ? 

- Andam espalhando por aí, que a senhora tem o poder de aparecer e de desaparecer de certos lugares como se fosse um fantasma. E que já enfrentou um boitatá.

- “Fio”, se tu quer mesmo saber, outra hora te conto sobre esses casos e outros. Agora não dá. Vou secar o café derramado. E depois pedir a Nanã Buruquê* que interceda pela menina Enila. 

- Quem é Nanã?

- Já deixei claro que não é hora de fazer perguntas – disse Vó Gorda, zangada. 

Arlindo, temeroso, se afastou rápido. 

“Eu que não fico sozinho com essa velha feiticeira. Vou avisar Isadora sobre o ocorrido com sua amiga.” Pensou. 

A família Machado estava reunida na sala tratando dos preparativos do casamento. O senhor Antônio, e Fábio, empolgados tentavam convencer Isadora de que a cerimônia deveria ser grandiosa, com muitos convidados... Chamar a atenção de toda a vizinhança. 

- Nada disso. Quero uma cerimônia discreta. O padre Orestes já se colocou à nossa disposição. É só uma questão de marcar o dia e a hora. 

- Fábio, tá vendo? A “muié” é mandona:  te prepara – disse o senhor Antônio.

“Velho caquético e nojento”. Pensou Amélia enquanto tirava o pó dos móveis.  

O noivo manifestou um sorriso sem graça e empinou o copo com um último gole de trago. 

- Calma, gente, precisamos pensar na lista de convidados, nos comes e bebes e, principalmente, no vestido da noiva – lembrou dona Ana, com seu ar sereno. 

- Uma semana é o tempo que precisamos para resolvermos tudo. – disse Isadora. 

- Está bem. Que seja uma cerimônia simples, só para a família e amigos íntimos, como tu queres, Isa  - concordou Fábio.

Dona Ana suspirou aliviada. E o senhor Antônio, cabisbaixo, exprimiu uns resmungos inaudíveis. Após alguns minutos de silêncio, Arlindo bateu à porta.

- Boa tarde, amigos. Achei por bem avisar que dona Enila foi hospitalizada depois de sofrer um acidente, mas não se preocupem, ao que parece não foi nada grave. 

- Que tipo de acidente? – perguntou Isadora.

- A menina saiu para cavalgar, mas não tem a prática. Encontramos ela caída na estrada, sem o paradeiro do cavalo: tudo indica que ela caiu enquanto cavalgava. 

- Preciso ver minha amiga. Alguém pode me levar ao hospital?

- Acho desnecessário, está em observação, e logo estará em casa – disse Arlindo. 

- Tens razão. Minha amiga não deve ter sofrido nada grave. Ela não merece.

- Entra, tome um café conosco – disse dona Ana. 

- Grato. Só vim dar a notícia. Até. 
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* Nanã Buruquê é um orixá da sabedoria e dos pântanos. Responsável pelos portais de entrada (reencarnação) e saída (desencarne). É descrita como sendo a Grande Mãe. Princípio de nossa ancestralidade.

Fonte: Texto enviado pela autora.

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