Quando o meu pensamento se transporta
Às praias de além-mar,
Sinto no peito uma tristeza imensa
Que manda-me chorar.
É que vejo morrerem, uma a uma,
Santas aspirações,
E voarem com os pássaros saudosos
As minhas ilusões...
Nunca julguei que a terra fosse um túmulo
De sonhos juvenis,
Sorrindo acreditei que aqui, no mundo,
Podia ser feliz...
Enganei-me: — a tristeza, que me oprime
O coração sem luz...
Como o Sol o derradeiro raio
Nos braços de uma cruz...
A trêmula saudade que entristece
E faz desfalecer;
Essa agonia lenta que me inspira
Desejos de morrer...
Tudo me diz que a vida é o desengano,
A morte da Ilusão,
E o mundo um grande manto de tristezas
Que enluta o coração.
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DOENTE
A lua veio... foi-se... e em breve ainda,
Há de voltar, a doce lua amada,
Sem que eu a veja, a minha fada linda,
Sem que eu a veja, a minha boa fada.
Ela há de vir, Ofélia desmaiada,
Sob as nuvens do céu na alvura infinda
Do seu branco roupão, noiva gelada,
Boiando à flor de um rio que não finda.
Ela há de vir, sem que eu a veja... Entanto,
Com que tristezas e saudoso encanto
Choro estas noites que passando vão...
Ó lua! mostra-me o teu rosto ameno:
Olha que murcha à falta de sereno
O lírio roxo do meu coração!
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ESTRADA A FORA
Ela passou por mim toda de preto,
Pela mão conduzindo uma criança...
E eu cuidei ver ali uma esperança
E uma Saudade em pálido dueto.
Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher não cansa,
Numa alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.
Também na Vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mãos dadas,
E o berço, às vezes, leva à sepultura...
No coração, — um horto de martírios!
Brotam sem fim as ilusões douradas,
Como nas campas desabrocham lírios.
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FLORES
Quando começa a raiar
O dia cheio de amor,
Eu gosto de contemplar
O coração de uma flor,
Desmaiada e tremulante,
Pendendo triste no galho,
Tendo o pistilo brilhante
Embalsamado de orvalho:
A rosa só me parece,
Assim tão casta e sem véu,
Um anjo rezando a prece
Um’ alma voando ao céu.
Do jasmim puro e mimoso,
A corola embranquecida,
É como um seio formoso
De criança adormecida.
Esqueço-me, então, das horas
A contemplar estas flores,
As violetas, auroras,
Saudades, lindos amores.
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FELIZ
Dizes-me que a ventura te foi dada
E contente tu’alma jamais chora:
Vives sorrindo à luz de uma alvorada
E a noite para ti é cor da aurora...
Não creio nessa dita, me perdoa.
Ninguém na terra pode ser feliz.
Até o sino que na torre soa
Tem sua dor, nem sempre ele bem-diz.
Longe... distante... Pelo azul chalreando,
A modular uns hinos tão suaves,
Pássaros meigos lá se vão cantando...
Mas tu crês na ventura dessas aves?
Repara bem naquela que ficou
Pousada lá no cimo da aroeira:
Ela chora, coitada, pois deixou
Muito longe perdida a companheira.
Aves da terra, em tímidos adejos,
Também alegres como as rolas mansas,
Rostos corados, recendendo beijos,
Correm cantando grupos de crianças.
E enquanto passa, em revoada louca,
Este dourado batalhão de arcanjos,
Eu quero ouvir-te da risonha boca
Se é eterna a ventura desses anjos.
A moça também sofre... Um áureo cofre
Guarda-lhe os prantos e o martírio duro,
E, de todas, aquela que mais sofre
É a que tem o coração mais puro.
Fonte: Auta de Souza. Poemas. Publicado postumamente em 1932. Disponível em Domínio Público.
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